Novo selo promove festa do samba
Macalé homenageia Morengueira, Guilherme de Brito grava inéditas com Nelson Cavaquinho e Casquinha, da Velha Guarda da Portela, estréia solo em CDs que serão lançados pela Lua Discos
Nana Vaz de Castro
19/08/2000
Moacyr Luz é a imagem da empolgação. Às voltas com os ensaios para sua apresentação no Festival da Música Brasileira, no próximo dia 26, quando apresenta Eu Só Quero Beber Água, o violonista e compositor ainda arranja tempo para organizar um almoço e mostrar as músicas dos três discos de samba que vai produzir para a nova gravadora paulista Lua Discos.
Antes do almoço, Moacyr pega o violão toda hora para mostrar “um samba lindo do Guilherme de Brito”, ou coloca uma fita com os breques sincopados de Moreira da Silva. Minutos depois, entre um aperitivo e outro, pede ao amigo e diretor musical Paulão que pegue seu violão de 7 cordas para mostrar uma música de Casquinha.
Na verdade, são três discos de três tipos diferentes de samba. O primeiro, que começa a ser gravado ainda este mês, é do veterano Guilherme de Brito Bollhorst, 78 anos, parceiro de Nelson Cavaquinho em pérolas como A Flor e o Espinho, Pranto de Poeta e Folhas Secas. Para surpresa dos fãs, ainda havia um punhado de parcerias inéditas no fundo do baú do seu Guilherme. Cinco músicas nunca gravadas de Guilherme e Nelson estão no disco (ainda sem título definido): Me Esquece, O Bem Querer, Pomba da Paz, Consciência e Erva Daninha. São sambas que não deixam nada a dever à justa fama da dupla, construída sobre letras e melodias que remetem com freqüência ao fundo do poço dos amores perdidos.
Poeta de mão cheia, autor de sonetos, Guilherme de Brito mostra sua verve como compositor assinando letra e música de canções como Abismo e Maria, que deverá ter no disco a participação especial de Luiz Melodia. Outras parcerias são Mar de Lágrimas, com Nelson Sargento, e duas com o filho Juarez de Brito: A Canoa Virou e A Vegetariana.
“Cuidado, Moreira!”
O segundo disco é de Jards Macalé, que entra em estúdio no final de setembro para gravar Macalé Canta Moreira, com músicas celebrizadas pelo sambista morto em junho, aos 98 anos de idade. Macalé foi escolhido pelo próprio Kid Morengueira para ser seu legítimo sucessor na dinastia do samba de breque, graças a uma amizade de mais de 20 anos. O compositor não se cansa de exaltar o grande cantor que foi Morengueira. “Samba de breque é uma coisa muito difícil de se cantar”, diz o eterno maldito, que vai se arriscar no virtuosístico Moreira na Ópera, com vocalises de tenor e tudo.
Outra jóia rara incluída em Macalé Canta Moreira é a única parceria entre os dois, Tira os Óculos e Recolhe o Homem. A história narrada na música aconteceu nos idos de 1978, em Vitória (ES), quando Macalé foi preso pela Polícia Federal e Moreira o acompanhou do hotel onde ambos estavam hospedados até a delegacia, dentro do camburão. “Um dos policiais era fã do Moreira, fomos cantando no camburão, mas chegando lá o delegado nem olhou para nossa cara”, lembra Macalé. “Só falou essa frase, ‘tira os óculos e recolhe o homem’, e eu fiquei nove horas preso. Depois, quando eu e o Moreira nos reencontramos, em Belém do Pará, fizemos essa música”.
Além da ópera e de Tira os Óculos, entram outras dez faixas, “duramente escolhidas entre mais de 200”, segundo Luz: Amigo Urso/Resposta, Olha o Padilha, Acertei no Milhar, Na Subida do Morro, Choro Esdrúxulo, O Rei do Gatilho, O Último dos Moicanos, Piston de Gafieira, Samba Aristocrático e Margarida. E, uma vez que o samba de breque é o antecessor natural do rap, Macalé espera poder contar com as participações de Gabriel, o Pensador e de Marcelo D2, do grupo Planet Hemp – os dois já toparam, falta apenas o ok das gravadoras.
Macalé vibra: “É uma dádiva poder fazer esse disco”, afirma, lembrando a popularidade do Kid Morengueira. “Em qualquer lugar que estivéssemos, de norte a sul do Brasil, em qualquer estado, sempre que o Moreira aparecia em um lugar, infalivelmente alguém gritava “Cuidado, Moreira!”. Sei lá, parecia uma voz que vinha do infinito, porque não falhava”, recorda, citando o bordão dos breques das aventuras e peripécias do personagem de O Rei do Gatilho e O Último dos Moicanos, entre muitas outras.
Samba sincopado
O terceiro lançamento produzido por Moacyr Luz vem de Oswaldo Cruz. Trata-se do primeiro disco individual de Otto Enrique Trepte, ou melhor, Casquinha, integrante da Velha Guarda da Portela, autor de Vem Amor e Falsas Juras (com Candeia), presentes no disco Tudo Azul, produzido recentemente por Marisa Monte.
As gravações só começam no fim de outubro e o repertório ainda não está fechado, mas já estão certas as presenças de Recado, Mudei de Opinião, A Chuva Cai e “outros sambas sincopados, de terreiro, que são a minha preferência”, diz Casquinha. Entre eles, partidos inéditos compostos com Candeia – parceria esta que rendeu sucessos como O Ideal É Competir (“Oh, minha Portela/ Por ti darei minha vida/ Oh, Portela querida”), gravado por Paulinho da Viola em Bebadosamba (1996). Casquinha ainda está se acostumando em ser o centro das atenções. “Eu sou tímido e envergonhado, não me considero cantor”, diz o autor de Coroa Avançada, gravada por outro admirador, Zeca Pagodinho.
O produtor Moacyr Luz quer justamente que compositores como Casquinha sejam cada vez mais o centro das atenções: “Quando ouvi as músicas do Casquinha, as inéditas do Guilherme com Nelson, pensei que não era justo que mais ninguém tivesse acesso a essas obras”, explica, democraticamente. Para sua felicidade, encontrou uma gravadora disposta a bancar o projeto. “Foi ótimo a Lua Discos ter topado fazer os discos. Iniciativas como essa são muito importantes para que não tenhamos uma geração sem referência de cultura”, diz Luz.
Antes do almoço, Moacyr pega o violão toda hora para mostrar “um samba lindo do Guilherme de Brito”, ou coloca uma fita com os breques sincopados de Moreira da Silva. Minutos depois, entre um aperitivo e outro, pede ao amigo e diretor musical Paulão que pegue seu violão de 7 cordas para mostrar uma música de Casquinha.
Na verdade, são três discos de três tipos diferentes de samba. O primeiro, que começa a ser gravado ainda este mês, é do veterano Guilherme de Brito Bollhorst, 78 anos, parceiro de Nelson Cavaquinho em pérolas como A Flor e o Espinho, Pranto de Poeta e Folhas Secas. Para surpresa dos fãs, ainda havia um punhado de parcerias inéditas no fundo do baú do seu Guilherme. Cinco músicas nunca gravadas de Guilherme e Nelson estão no disco (ainda sem título definido): Me Esquece, O Bem Querer, Pomba da Paz, Consciência e Erva Daninha. São sambas que não deixam nada a dever à justa fama da dupla, construída sobre letras e melodias que remetem com freqüência ao fundo do poço dos amores perdidos.
Poeta de mão cheia, autor de sonetos, Guilherme de Brito mostra sua verve como compositor assinando letra e música de canções como Abismo e Maria, que deverá ter no disco a participação especial de Luiz Melodia. Outras parcerias são Mar de Lágrimas, com Nelson Sargento, e duas com o filho Juarez de Brito: A Canoa Virou e A Vegetariana.
“Cuidado, Moreira!”
O segundo disco é de Jards Macalé, que entra em estúdio no final de setembro para gravar Macalé Canta Moreira, com músicas celebrizadas pelo sambista morto em junho, aos 98 anos de idade. Macalé foi escolhido pelo próprio Kid Morengueira para ser seu legítimo sucessor na dinastia do samba de breque, graças a uma amizade de mais de 20 anos. O compositor não se cansa de exaltar o grande cantor que foi Morengueira. “Samba de breque é uma coisa muito difícil de se cantar”, diz o eterno maldito, que vai se arriscar no virtuosístico Moreira na Ópera, com vocalises de tenor e tudo.
Outra jóia rara incluída em Macalé Canta Moreira é a única parceria entre os dois, Tira os Óculos e Recolhe o Homem. A história narrada na música aconteceu nos idos de 1978, em Vitória (ES), quando Macalé foi preso pela Polícia Federal e Moreira o acompanhou do hotel onde ambos estavam hospedados até a delegacia, dentro do camburão. “Um dos policiais era fã do Moreira, fomos cantando no camburão, mas chegando lá o delegado nem olhou para nossa cara”, lembra Macalé. “Só falou essa frase, ‘tira os óculos e recolhe o homem’, e eu fiquei nove horas preso. Depois, quando eu e o Moreira nos reencontramos, em Belém do Pará, fizemos essa música”.
Além da ópera e de Tira os Óculos, entram outras dez faixas, “duramente escolhidas entre mais de 200”, segundo Luz: Amigo Urso/Resposta, Olha o Padilha, Acertei no Milhar, Na Subida do Morro, Choro Esdrúxulo, O Rei do Gatilho, O Último dos Moicanos, Piston de Gafieira, Samba Aristocrático e Margarida. E, uma vez que o samba de breque é o antecessor natural do rap, Macalé espera poder contar com as participações de Gabriel, o Pensador e de Marcelo D2, do grupo Planet Hemp – os dois já toparam, falta apenas o ok das gravadoras.
Macalé vibra: “É uma dádiva poder fazer esse disco”, afirma, lembrando a popularidade do Kid Morengueira. “Em qualquer lugar que estivéssemos, de norte a sul do Brasil, em qualquer estado, sempre que o Moreira aparecia em um lugar, infalivelmente alguém gritava “Cuidado, Moreira!”. Sei lá, parecia uma voz que vinha do infinito, porque não falhava”, recorda, citando o bordão dos breques das aventuras e peripécias do personagem de O Rei do Gatilho e O Último dos Moicanos, entre muitas outras.
Samba sincopado
O terceiro lançamento produzido por Moacyr Luz vem de Oswaldo Cruz. Trata-se do primeiro disco individual de Otto Enrique Trepte, ou melhor, Casquinha, integrante da Velha Guarda da Portela, autor de Vem Amor e Falsas Juras (com Candeia), presentes no disco Tudo Azul, produzido recentemente por Marisa Monte.
Jards Macalé e Moacyr Luz relembram Moreira da Silva
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O produtor Moacyr Luz quer justamente que compositores como Casquinha sejam cada vez mais o centro das atenções: “Quando ouvi as músicas do Casquinha, as inéditas do Guilherme com Nelson, pensei que não era justo que mais ninguém tivesse acesso a essas obras”, explica, democraticamente. Para sua felicidade, encontrou uma gravadora disposta a bancar o projeto. “Foi ótimo a Lua Discos ter topado fazer os discos. Iniciativas como essa são muito importantes para que não tenhamos uma geração sem referência de cultura”, diz Luz.