Novos e velhos parceiros para Fagner

Cantor lança CD de inéditas, faz parcerias com Zeca Baleiro e grava compositores anônimos

Mônica Loureiro
21/06/2001
Depois de ultrapassar as 500 mil vendidas no ano passado (com o CD Ao Vivo), Raimundo Fagner chega com seu novo álbum, o primeiro só de músicas inéditas desde Demais, de 1993. Fagner ouvir 30s está tendo lançamento simultâneo em Portugal e Espanha. "No final de 2000 abri meu 'baú' e decidi fazer um disco todo inédito. Chamei meus parceiros (Fausto Nilo e Abel Silva) e também coloquei uma nota na coluna social de um jornal dizendo que estava aceitando novos compositores. Chegou muita coisa, ouvi tudo e aproveitei duas músicas", diz ele.

O anúncio, que saiu três meses antes do início da produção do disco, levou Fagner a receber mais de 700 fitas de compositores do Brasil inteiro. "Muita gente manda coisas constantemente. Recebo músicas de amigos, amigos de amigos, aqueles que mandam para o endereço que vem na capa dos discos... Com essa última remessa, fiquei com um mapeamento da cultura emergente brasileira", diz. Fagner abre o CD com as escolhidas Muito Amor, do carioca São Beto, e Certeza, do pernambucano Domervil. Afirma agora que não vai gravar mais nenhuma canção deste material. "Não cheguei a falar com o Domervil. O São Beto, conheci aqui no estúdio. Não tínhamos endereço nem telefone dele, colocamos uma nota na Internet, um amigo viu e o avisou, só então ele entrou em contato. O disco já estava quase pronto quando ele escutou a música", lembra.

Outra novidade neste trabalho de Fagner são as parcerias com Zeca Baleiro - A Tua Boca, Tempestade e Outra Era. "É uma parceria que já deveria estar anunciada! A gente tem coisa muito parecida, uma grande afinidade no trabalho e até uma certa semelhança no humor, nas brincadeiras. Nosso processo de criação é muito interessante, tenho a motivação de um novo parceiro que toca, canta e compõe, pois a maioria de meus parceiros são mais letristas, e eu ficava um pouco sem tabelinha", elogia. Fagner revela que os dois já fizeram várias músicas depois dessas e planejam fazer muito mais. "Com a gente é assim: ele manda a letra, eu faço a música; eu mando a música, ele faz a letra. A do Capinan (A Tua Boca foi musicada pela dupla a partir de um poema do escritor), por exemplo: o poema estava lá, eu comecei, fiz uma parte e disse pra ele terminar. Foi uma coisa bem relaxada, sem nenhuma dor...", conta.

Sérgio Natureza, autor em parceria com Sérgio Castro de Sem Teto, é outro nome que aparece pela primeira vez em um disco do cearense. "Já ameaçamos uma parceria, ele chegou a mandar uns poemas pra mim e eu sempre tive a maior vontade de fazer alguma coisa com ele, mas não acontecia. Dessa vez, quando liguei para meus parceiros, pedi uma música também pra ele. Mas eu ouvi Sem Teto na voz de Marco Assunção, um cantor de Niterói que eu lancei no projeto Novo Canto. Adorei e acabei incluindo no disco. Lembra um pouco as minhas músicas dos anos 70, tem um pouco daquela poesia mais rasgada, suja", diz.

Uma música "perdida" de Cazuza (Olhar Matreiro) também está no CD. Fagner, que já havia gravado com ele Contra-mão em 85, conta como surgiu a composição: "Foi mais ou menos um ano antes dele morrer. Logo que ele se mudou para o prédio onde eu morava, nos víamos constantemente. Era sempre assim: eu tocava, ele cantava, ele fazia uma melodia e fica improvisando. Anos depois encontrei esta fita, dei uma complementada e resolvi registrar o resultado daquele encontro".

Em época de festa junina, Fagner fica direto na estrada. "Vou fazer shows por cidades da Bahia, Sergipe, e outros locais do Nordeste. Mas do CD novo, começo a fazer lá pelo final do ano, quando o disco já tiver totalmente acontecido!", brinca. Fagner promete também para a mesma época o lançamento de um DVD: "Vai ser do jeito que o disco é, com a mesma ficha técnica". O encarte do CD traz uma foto curiosa, onde um Fagner imberbe já faz pose de popstar com uma guitarra. "Ah, é uma fotinha daqueles monóculos que vendiam em festas. Eu fui a uma dessas em Orós, no Clube do Rio Seco, e cheguei mais cedo. Não tinha ninguém, só a banda e aí eu chamei o tal fotógrafo pra fazer a foto com a guitarra, que eu peguei emprestada. Eu deveria ter uns 15, 16 anos. Achei interessante colocar no CD, para não deixar a idéia morrer", justifica, fazendo questão de ressaltar que não é uma montagem.

Disparando contra as gravadoras
Com quase 30 anos de carreira, Fagner conhece bem todas as estratégias e armadilhas das gravadoras. E não poupa ninguém quando o assunto é trabalho mal-feito que visa só o lucro. Como a tal coleção "Geração Nordeste", que inclui alguns títulos seus: "Essa palhaçada foi aqui na Sony (sua atual gravadora). Eu falei isso para o presidente, que não gostou. E também disse que eu vinha pra cá reorganizar meu material e que não iriam mais esse tipo de coisa comigo aqui dentro. É uma picaretagem, como a maioria dos lançamentos desse projetos especiais que não colocam ficha técnica, não tem nome de ninguém, só o de algum diretor artístico idiota de plantão", desabafa.

Fagner acredita que as gravadoras não conseguem enganar os fãs que conhecem a história do artista, e que mereciam ser processadas. "O certo, quando se faz um relançamento, é chamar quem fez - ou ao menos ser coerente com aquilo que foi feito. Mas todos querem inventar uma coisa da qual não participaram e não sabem nada. Muitos chegam ao ponto de aproveitar a capinha para colocar na frente a foto do artista e atrás, vender outros produtos", completa.

O cearense também reclama da ganância das multinacionais, que só valorizam aqueles que vendem mais de 500 mil cópias. Ele aproveita e cita Soro, de 1979, um projeto que incluía disco e revista (bem antes do A Vida É Doce com o qual Lobão sacudiu o mercado): "Esse, por exemplo, é época em que se criava, hoje se copia. Foi no período em que eu era diretor artistico daqui (na época, final dos anos 70, quando a gravadora ainda era a CBS), quando fiz discos em homenagem a Patativa do Assaré, Pablo Picasso e o Soro. Mas hoje, só se for de cobra...", ironiza.

Fagner desafia, dizendo que fala mal de sua própria gravadora para poder criticar as outras também. E ressalta que o artista tem que estar sempre dentro da empresa, lutando pra não sair nada de errado com seu material. "Senão é a melô do açogueiro! Não sei como a BMG não tá me vendendo como carne... acho que estão vendendo outros e estão sem tempo de pensar em mim!", brinca.

Rádio e benfeitorias no Ceará
Há tempos Fagner vem se dividindo entre as atividades como artista e empresário. Ele tem uma rádio FM em sua terra natal (Rádio Orós 105,7 - O Som das Águas) e há um ano está à frente de uma fundação que atende crianças carentes. "Eu tento levar à rádio as melhores condições técnicas possíveis. Não é aquela emissora de interior, que só funciona em época de eleições. Não tem a concorrência das grandes das capitais, é mais romântica - talvez por isso tenha ficado no vermelho por cinco anos. Hoje ela se paga e presta um serviço enorme à população", diz. Ele não faz nenhum tipo de interferência direta na programação; suas duas únicas ordens são a de só tocar músicas dele quando estiverem em outros programas de sucesso e de não tocar músicas de inimigos - esses nem se forem sucesso...

"Minha motivação é sócio-cultural, não tenho benefícios como empresário com isso. Acho que são coisas que tenho obrigação de fazer em minha região", completa Fagner. Falando em motivação social, ele conta que a Fundação, também localizada em Orós, fez um ano e está em fase de apliação. "É um espaço lindíssimo, que eu tinha feito para ser particular, depois abri para a cidade. Tem quadra de tênis, volei, futebol de salão... Hoje tem 120 crianças e faz parte de uma parceria com o Banco do Brasil. Quando tiver pronto, mais para o final do ano, farei imagens para mostrar", conta, orgulhoso, mas diz que às vezes acha que não deve falar sobre o trabalho, para não ser mal-interpretado. "Muita gente faz e nem aparece. Mas acho que, falando, posso estar influenciando outra pessoa a fazer também."