Novos frutos no quintal de Caju & Castanha

A dupla de emboladores lança seu 15º álbum, que marca a estréia do novo Caju, sobrinho do vocalista original

Marco Antonio Barbosa
25/03/2002
Castanha (à esq.) e o novo Caju (clique para ampliar)
Poucas árvores conseguem resistir tão bem às intempéries da seca nordestina como o cajueiro. A dupla Caju & Castanha tanto sabe disso, que resolveu não apenas escolheu seu nome em homenagem à árvore - mas também decidiu honrar a natureza da planta dando a volta por cima do baque mais duro de sua história. No ano passado, a dupla - sinônimo da embolada pernambucana - passou por maus bocados quando, após 27 anos de carreira e 14 discos gravados, Ricardo Alves da Silva (o Caju original) morreu, sucumbindo a um câncer no cérebro. Tal e qual o cajueiro, a trajetória de C&C se vergou mas não tombou. A dupla acaba de lançar o álbum Andando de Coletivo (Trama), que marca a estréia do novo Caju. Mágica? Reencarnação? Não, como explica José Roberto - Castanha - sobre a morte do irmão e a sobrevida da dupla de emboladores.

Andando de Coletivo é o álbum que marca a estréia de Ricardo Alves da Silva, sobrinho do Caju original, ao lado de Castanha. "Ele já tinha o dom do verso, da embolada. Cantava com o nome de Cajuzinho, desde pequeno, mas não era profissional. Quem o escolheu para ser o novo Caju foi meu irmão mesmo, assim que percebeu que não iria poder continuar por causa da doença", narra Castanha sobre a entrada do novo Caju. O último show que o primeiro Caju fez foi há exatos dois anos, na edição de 2000 do Abril Pro Rock. "O câncer o impediu de trabalhar daquele ponto em diante. Então ele disse que era para eu continuar, junto ao Cajuzinho", conta Castanha. "Meu tio me pediu para ficar no lugar dele e eu acabei ficando com sua patente", diz Caju.

A estréia de Cajuzinho, agora Caju, foi acompanhando o conterrâneo Lenine no festival Heineken Concerts do ano passado. O próprio Caju conta: "Demorei um pouco para me acertar, pegar o entrosamento com o Castanha, principalmente no estúdio. Mas mais duro foi substituir o Caju diante do público da dupla". Segundo o recém-integrado embolador, teve gente que não o aceitou de cara. "Mesmo eu tendo sido nomeado pelo Caju antigo, algumas pessoas duvidaram do meu talento. Foi duro, mas provei que estou à altura do meu tio", diz o embolador. Castanha completa: "A morte do meu irmão foi um abalo, o pior momento em nossa carreira. Mas sempre fomos lutadores, não iríamos deixar a dupla morrer junto com ele."

A prova dos nove ficou para Andando de Coletivo, 15º disco da dupla e o segundo pela gravadora Trama. O álbum reflete a progressiva modernização do som de C&C, que da rusticidade dos arranjos de voz + pandeiro passaram a tocar com banda e a incorporar influências diversas. Sem descaracterizar seu som original, a dupla brinca com o rap (Vamos Cantar Embolada), mistura pop sessentista (na levada de órgão de Beijo no Escuro) e se amiga com o forró universitário (Em Frente à Casa Dela). Ainda assim, a ênfase é na agilidade e na malandragem dos versos de Caju & Castanha, destaque de faixas como Coco do Trava-língua e Embolada do C....

"Tocamos com banda desde 1986, mas nosso jeito de versar e fazer show continua o mesmo. Apenas demos uma urbanizada nos nossos ritmos preferidos, como o coco e a embolada. Também foi para tornar nossos discos mais acessíveis. Antes, gravávamos só voz e pandeiro e as músicas não vendiam, não tocavam em rádio. Agora neste formato a aceitação melhorou", afirma Castanha. Ampliando ainda mais esse potencial de aceitação, Andando de Coletivo será vendido nas lojas a um preço máximo de R$ 9,90, mirando diretamente o povão.

Se a forma atualizou-se, o conteúdo - os versos - mantiveram-se imutáveis. Apesar da modernização dos temas. "Neste disco tem letra sobre os testes de DNA, sobre essas meninas que tem mania de malhação... são coisas atuais. O cotidiano é que inspira a gente", diz Castanha, que completa afirmando que a dupla sugere temas para que o (grande) time de compositores amigos forneçam novas músicas. O nome do álbum (que também influencia a arte gráfica do CD) se inspira, mais uma vez, em história real. "Nós cantávamos em ônibus aqui em São Paulo assim que viemos para o Sudeste", conta Castanha, que desceu com o irmão de Pernambuco para SP no começo dos anos 80.

Reverenciados por vários nomes das gerações posteriores, Caju & Castanha reafirmam sua ligação espiritual com o manguebeat, que não veio para destituir a tradição da música recifense - muito pelo contrário. "Chico Science era nosso maior fã. Sempre tivemos o apoio e a amizade de todo mundo da turma do mangue", fala Castanha. O embolador também fica feliz com os ecos que sua arte encontra no hip hop atual. "Já cantamos com o Rappin'Hood, Gabriel O Pensador, Faces do Subúrbio... Isso prova o que sempre dizemos: a embolada é o verdadeiro rap brasileiro."