O <i>amor antigo</i> de Emilio Santiago & João Donato

Intérprete lança disco dedicado à obra do compositor; CD foi a última produção de Almir Chediak

Mônica Loureiro
27/10/2003
A obra de João Donato nunca foi mistério para Emílio Santiago. Desde seu primeiro disco, de 1975, o intérprete grava com freqüência músicas do compositor. "Fui eu quem lançou Bananeira", fala Emílio, referindo-se à parceria entre Donato e Gilberto Gil, incluída em seu disco de estréia. Agora, a admiração, que é mútua, concretiza-se no CD Emilio Santiago Encontra João Donato, lançado pela Lumiar Discos. O trabalho foi a última realização de Almir Chediak - assassinado em maio último - como produtor musical.

João e Emílio falaram um pouco sobre seu encontro, em uma entrevista coletiva no Rio de Janeiro, na semana passada. Eles se conheceram em meados da década de 1970. "Quem me falou dele foi o Ronaldo Bastos, dizendo que eu precisava ouvir um dos melhores cantores de então", lembra João. Emílio confirma: "Era uma época em que João e Nana Caymmi faziam muitas temporadas em Mar del Plata. Eu cantava no (nightclub) Flag, em Copacabana, e um dia os dois foram lá! Depois, o Durval Ferreira convidou o João para fazer umas participações nos meus discos e daí comecei a admirá-lo ainda mais. Afinal, ele estava dando crédito a uma pessoa em começo de carreira. A letra de Bananeira, por exemplo, não estava nem pronta quando ele a deu para mim", conta, orgulhoso.

Depois de ter participado do songbook dedicado a Donato, lançado em 1999, Emílio retornou à Lumiar para um projeto que, segundo o próprio Almir Chediak (que assinou o texto de apresentação do encarte do CD), nasceu de um encontro casual. "Fui assistir ao show Managarroba, do João, no Mistura Fina (RJ), e dei uma canja. Almir estava lá, sentado na mesa de sempre, e sugeriu que fizéssemos um disco juntos. Eu estava livre e além disso a vontade de realizar um trabalho assim já vinha de muito tempo", conta Emílio.

Na semana seguinte ao encontro, o trio já se reunia para escolher o repertório. "Como tenho grande conhecimento da obra do João, foi fácil. Numa só tarde escolhemos todas as músicas", fala Emilio. O cantor diz que era normal que as sessões de estúdio, produzidas por Chediak, ultrapassassem as 12 horas de duração, mesmo com quase todas as versões sendo gravadas no primeiro take. "Era tão prazeiroso que mesmo depois dessa maratona ainda saíamos para discutir, na mesa de algum restaurante, sobre outros detalhes do disco."

O resultado final foi um conjunto de 14 faixas, nenhuma das quais já registrada por Emílio. "São músicas de uma safra mais recente", fala o cantor. Tem sucessos, como A Paz (famosa parceria com Gil, hit na voz de Zizi Possi), mas também há coisas muito novas, às vezes inéditas (exemplo é Clorofilha do Sol (Planta), de João e Arnaldo Antunes). No meio, recriações para Até Quem Sabe (Donato/Lysias Ênio), Nunca Mais (parceria com Marisa Monte) e Sambolero (com Carmen Costa). Quando Almir morreu, o disco já estava finalizado. "Lembro que eu não tinha gostado muito das fotos de divulgação e fomos fazer uma nova sessão, num restaurante aqui no Rio. No dia seguinte, nos encontramos para escolher as fotos. Foi a última vez em que nos falamos", revela Emílio.

No álbum, João Donato tocou (piano e violão) e concebeu arranjos, mas não participa cantando. "Quando vimos, já estava tudo gravado e eu nem tinha cantado!" justifica o compositor. "Ah, mas no show ele vai cantar... e mostrar todo o seu charme", brinca Emílio. A dupla está com um show conjunto preparado, sob a direção de Túlio Feliciano, que estréia este final de semana no Canecão (RJ). "Tudo é muito simples, é apenas para marcar nosso reencontro", fala Donato. A dupla lembra que fizera este show antes, em duas únicas apresentações na Bahia, mês passado, mas no esquema voz e violão. Agora, como no CD, vêm acompanhados no palco de Luiz Alves (baixo), Chiquito Braga (guitarra), Robertinho Silva (bateria), Tito Freitas (teclados) e Ricardo Pontes (sopros). "Esse vai ser um disco com uma carreira longa", opina Emílio.

Não é a primeira vez que Donato e Emílio fazem shows conjuntos. "Em 1976 fizemos uma série de apresentações, só com piano e voz", detalha Emílio. Ele completa: "Um cantor tem que ter percepção, e logo me identifiquei com o trabalho do João. Ele compõe com letristas maravillhosos e escreve todos os dias! Cada vez que peço uma música, ele manda cinco ou seis." João retribui os elogios dizendo que esse tipo de relação é comum entre cantores e compositores com afinidades. "Mas agora, que todo mundo se diz compositor, sai cada barbaridade que eu nem prefiro comentar...", disfarça Donato.