O <i>bateria'n'baixo</i> da dupla Autoload
O duo paulistano se junta à crescente cena brasileira do drum'n'bass e lança CD cheio de convidados
Marco Antonio Barbosa
13/07/2001
Um olhar desavisado para a iconografia musical brasileira perceberá um batuque diferente em nosso terreiro. De uns tempos para cá, junto à Garota de Ipanema, Carmen Miranda e queijandos, o drum'n'bass está na linha de frente da MPB e... Calma lá. Que história é essa? É sério. Dentro das (ainda) restritas proporções que a nova música eletrônica ocupa no panorama sonoro brasileiro, é inegável que o drum'n'bass - a vertente mais negra do techno, que mistura influências de jazz, reggae e dub a batidas aceleradas, oriundas do hip hop - é o gênero mais em evidência. E, para juntar-se à bem freqüentada cena d'n'b nacional, chega a dupla paulista Autoload, lançando seu primeiro álbum, homônimo . Os componentes do duo, Marcos Kuru e Érico Theobaldo, fazem de seu trabalho a ponte entre a música eletrônica e o suingante cenário do novo som black nacional, e explicam direitinho como é fazer bateria'n'baixo em pleno trópico.
"Talvez o drum'n'bass seja a porta de entrada para muitas pessoas que estejam conhecendo a música eletrônica agora. Acho que é por causa do ritmo, que se parece mais com o que os brasileiros estão acostumados", opina Érico Theobaldo. Ele completa: "Mas eu acho que o mais provável é que esta evidência toda se deve ao fato de haver muitos e bons produtores nacionais fazendo uma música com muita personalidade e identidade brasileira." Os fatos o comprovam. O DJ paulistano Marky, especializado em d'n'b, é considerado atualmente o melhor do mundo em sua área. O conterrâneo Patife está seguindo seus passos no exterior, e pipocam vários lançamentos nacionais no gênero, entre coletâneas e discos individuais. Artistas como Drumagick, Telefunken, Ramilson Maia e Xerxes de Oliveira são apenas alguns dos nomes mais proeminentes da cena local.
Em Autoload, o disco, Kuru e Theobaldo juntam às batidas "quebradas" do d'n'b influências que vão do hip hop ao dub (variante "psicodélica" do reggae, com ênfase no eco e nos efeitos). Kuru explica a convergência de ritmos no som da dupla: "A cultura hip-hop surgiu influenciada pela cultura musical jamaicana, e o dub jamaicano é musica de bateria e baixo feita por engenheiros de som. O drum’n’bass é uma evolução disso tudo. Pensamos em fazer um som que evoluísse a partir de tudo o que a gente mais gostava de ouvir. Particularmente, eu sempre gostei de reggae, de Lee Perry até Sly & Dunbar, de funk, de hip-hop, de músicas em que bateria e baixo são essenciais."
Theobaldo completa: "Eu já gostava de hip hop e dub quando eu conheci o jungle - que depois acabou gerando o drum'n'bass. E sempre foi muito claro para mim que esses estilos estão nas raízes do nosso som, então juntar tudo num mesmo album foi uma coisa muito natural."
As trajetórias individuais dos membros da dupla (formada em 1999) tiveram seu peso no som do álbum. "Já conheço o Érico há 14 anos", rememora Kuru. Os dois tocaram juntos, no começo da década de 90, no Fábrica Fagus - grupo precursor da mistura de rap e rock, no qual os MCs cantavam acompanhados de uma banda "ao vivo". Érico era baterista e Kuru baixista. "Logo depois eu saí da banda, mas disse para o Érico que nós ainda iríamos trabalhar juntos com música", diz Kuru. Depois de passarem alguns anos produzindo música para publicidade, os dois burilaram a idéia de um novo projeto. "Não queríamos que fosse uma banda, e sim que pudessemos chamar pessoas diferentes para cantar. O som tinha de representar verdadeiramente nossa cultura musical e nós seríamos os compositores e produtores", conta Érico.
Para traduzir esse som "representativo", a dupla convocou vários convidados especiais, que refletem a paixão deles por sons alheios à electronica. O rapper MC Gaspar (do grupo Z'Africa Brasil) e o toaster Rica "Caveman" (fundador do grupo de reggae Nomad) fazem participações no álbum, respectivamente em Mameluco Urbano e Infernocosmopolitacelerado. Da França (país com uma cultura hip hop bastante desenvolvida), vêm os rappers Spike e D', que soltam o verbo em Le Nouveu Millenaire. E, do novíssimo cenário samba-soul-funk paulistano, a cantora Paula Lima confere carisma black a Do Morro ao Jungle. Ao mesmo tempo, o duo também mantém-se fiel à pancadaria cinética do drum'n'bass mais tradicional, em faixas caprichadas para as pistas de dança como Evite Atrasos e Flecha.
"Foi muito importante e gratificante trabalhar com os vocalistas aqui de São Paulo, porque cada um deles tem uma personalidade que terminou nos completando - o Gaspar com o hip hop, a Paula caindo para o soul e o Rica dentro do reggae e do raggamuffin. Além disso, eles souberam interpretar muito bem as nossas idéias", explica Kuru. "Nós podemos dizer que apresentamos o drum'n'bass para eles e eu sei que isso influenciou um pouco a carreira deles", opina Theobaldo. "Por outro lado, eu me tornei produtor de hip hop depois de ter trabalhado com eles no album. Eu estou terminando de produzir o album da banda do Gaspar e tenho trabalhado com outros grupos de rap como SNJ, Funk & Cia (do dançarino Nelson Triunfo) e Clã Nordestino (Maranhão)", adianta Érico.
Quanto à dupla francesa, Érico narra: "Eu os conheci atuando e cantando aqui no Brasil, num musical francês sobre Malcolm X. Achei a peça uma droga... mas fiquei bastante impressionado com o talento da dupla. Era o último dia deles aqui no Brasil e eu mostrei a base que eu tinha feito um dia antes. Eles começaram a pular no estúdio e passaram a tarde inteira escrevendo a letra e gravando. Só sairam de lá, atrasados para o vôo de volta, quando ficaram satisfeitos com o resultado final."
Outro dado forte no disco, presente nas letras de algumas das canções, é o sentimento de alienação que os habitantes das grandes cidades vivem, o que, segundo Kuru, é influência do cotidiano na megalópole paulistana. "Não temos uma preocupação em abordar apenas este tema, mas falar sobre isso se torna inevitável quando encaramos os nossos conflitos que todos temos com a cidade. Além de toda a distância cultural que rola entre São Paulo e o resto do Brasil, um verdadeiro abismo", afirma o músico.
A dupla aposta firme no futuro de seu d'n'b diferente no nascente cenário eletrônico nacional. "Esperamos que o disco alcance pessoas interessadas realmente em ouvir novas idéias; não só musica eletrônica, mas novas sonoridades", diz Kuru. Érico arremata: "O Brasil tem muitos talentos nessa área, mas não sei se a indústria vai ter coragem de apostar forte nisso. Por outro lado, estão pipocando muitos selos pequenos, montados pelos próprios artistas. Eu não tenho a menor pretensão de um dia ser patrocinado pela Fanta, nem tampouco faço música pensando em ser underground. Só espero vender discos e ganhar dinheiro o suficiente para poder seguir trabalhando nessa área."
A saída pode ser o aeroporto: o Autoload já é ouvido na Inglaterra (através da coletânea The World of Drum'n'Bass, com grupos de todo o mundo) e no Japão (com o remix que fizeram para Low , do recifense Otto, incluído na edição japonesa do álbum Samba Pra Burro). Kuru entrega: "Estamos começando a chamar atenção no exterior, sim. Por enquanto não há nada concreto, mas nossa editora quer licenciar nossas músicas em outros países e estamos começando estudar estas possibilidades."
"Talvez o drum'n'bass seja a porta de entrada para muitas pessoas que estejam conhecendo a música eletrônica agora. Acho que é por causa do ritmo, que se parece mais com o que os brasileiros estão acostumados", opina Érico Theobaldo. Ele completa: "Mas eu acho que o mais provável é que esta evidência toda se deve ao fato de haver muitos e bons produtores nacionais fazendo uma música com muita personalidade e identidade brasileira." Os fatos o comprovam. O DJ paulistano Marky, especializado em d'n'b, é considerado atualmente o melhor do mundo em sua área. O conterrâneo Patife está seguindo seus passos no exterior, e pipocam vários lançamentos nacionais no gênero, entre coletâneas e discos individuais. Artistas como Drumagick, Telefunken, Ramilson Maia e Xerxes de Oliveira são apenas alguns dos nomes mais proeminentes da cena local.
Em Autoload, o disco, Kuru e Theobaldo juntam às batidas "quebradas" do d'n'b influências que vão do hip hop ao dub (variante "psicodélica" do reggae, com ênfase no eco e nos efeitos). Kuru explica a convergência de ritmos no som da dupla: "A cultura hip-hop surgiu influenciada pela cultura musical jamaicana, e o dub jamaicano é musica de bateria e baixo feita por engenheiros de som. O drum’n’bass é uma evolução disso tudo. Pensamos em fazer um som que evoluísse a partir de tudo o que a gente mais gostava de ouvir. Particularmente, eu sempre gostei de reggae, de Lee Perry até Sly & Dunbar, de funk, de hip-hop, de músicas em que bateria e baixo são essenciais."
Theobaldo completa: "Eu já gostava de hip hop e dub quando eu conheci o jungle - que depois acabou gerando o drum'n'bass. E sempre foi muito claro para mim que esses estilos estão nas raízes do nosso som, então juntar tudo num mesmo album foi uma coisa muito natural."
As trajetórias individuais dos membros da dupla (formada em 1999) tiveram seu peso no som do álbum. "Já conheço o Érico há 14 anos", rememora Kuru. Os dois tocaram juntos, no começo da década de 90, no Fábrica Fagus - grupo precursor da mistura de rap e rock, no qual os MCs cantavam acompanhados de uma banda "ao vivo". Érico era baterista e Kuru baixista. "Logo depois eu saí da banda, mas disse para o Érico que nós ainda iríamos trabalhar juntos com música", diz Kuru. Depois de passarem alguns anos produzindo música para publicidade, os dois burilaram a idéia de um novo projeto. "Não queríamos que fosse uma banda, e sim que pudessemos chamar pessoas diferentes para cantar. O som tinha de representar verdadeiramente nossa cultura musical e nós seríamos os compositores e produtores", conta Érico.
Para traduzir esse som "representativo", a dupla convocou vários convidados especiais, que refletem a paixão deles por sons alheios à electronica. O rapper MC Gaspar (do grupo Z'Africa Brasil) e o toaster Rica "Caveman" (fundador do grupo de reggae Nomad) fazem participações no álbum, respectivamente em Mameluco Urbano e Infernocosmopolitacelerado. Da França (país com uma cultura hip hop bastante desenvolvida), vêm os rappers Spike e D', que soltam o verbo em Le Nouveu Millenaire. E, do novíssimo cenário samba-soul-funk paulistano, a cantora Paula Lima confere carisma black a Do Morro ao Jungle. Ao mesmo tempo, o duo também mantém-se fiel à pancadaria cinética do drum'n'bass mais tradicional, em faixas caprichadas para as pistas de dança como Evite Atrasos e Flecha.
"Foi muito importante e gratificante trabalhar com os vocalistas aqui de São Paulo, porque cada um deles tem uma personalidade que terminou nos completando - o Gaspar com o hip hop, a Paula caindo para o soul e o Rica dentro do reggae e do raggamuffin. Além disso, eles souberam interpretar muito bem as nossas idéias", explica Kuru. "Nós podemos dizer que apresentamos o drum'n'bass para eles e eu sei que isso influenciou um pouco a carreira deles", opina Theobaldo. "Por outro lado, eu me tornei produtor de hip hop depois de ter trabalhado com eles no album. Eu estou terminando de produzir o album da banda do Gaspar e tenho trabalhado com outros grupos de rap como SNJ, Funk & Cia (do dançarino Nelson Triunfo) e Clã Nordestino (Maranhão)", adianta Érico.
Quanto à dupla francesa, Érico narra: "Eu os conheci atuando e cantando aqui no Brasil, num musical francês sobre Malcolm X. Achei a peça uma droga... mas fiquei bastante impressionado com o talento da dupla. Era o último dia deles aqui no Brasil e eu mostrei a base que eu tinha feito um dia antes. Eles começaram a pular no estúdio e passaram a tarde inteira escrevendo a letra e gravando. Só sairam de lá, atrasados para o vôo de volta, quando ficaram satisfeitos com o resultado final."
Outro dado forte no disco, presente nas letras de algumas das canções, é o sentimento de alienação que os habitantes das grandes cidades vivem, o que, segundo Kuru, é influência do cotidiano na megalópole paulistana. "Não temos uma preocupação em abordar apenas este tema, mas falar sobre isso se torna inevitável quando encaramos os nossos conflitos que todos temos com a cidade. Além de toda a distância cultural que rola entre São Paulo e o resto do Brasil, um verdadeiro abismo", afirma o músico.
A dupla aposta firme no futuro de seu d'n'b diferente no nascente cenário eletrônico nacional. "Esperamos que o disco alcance pessoas interessadas realmente em ouvir novas idéias; não só musica eletrônica, mas novas sonoridades", diz Kuru. Érico arremata: "O Brasil tem muitos talentos nessa área, mas não sei se a indústria vai ter coragem de apostar forte nisso. Por outro lado, estão pipocando muitos selos pequenos, montados pelos próprios artistas. Eu não tenho a menor pretensão de um dia ser patrocinado pela Fanta, nem tampouco faço música pensando em ser underground. Só espero vender discos e ganhar dinheiro o suficiente para poder seguir trabalhando nessa área."
A saída pode ser o aeroporto: o Autoload já é ouvido na Inglaterra (através da coletânea The World of Drum'n'Bass, com grupos de todo o mundo) e no Japão (com o remix que fizeram para Low , do recifense Otto, incluído na edição japonesa do álbum Samba Pra Burro). Kuru entrega: "Estamos começando a chamar atenção no exterior, sim. Por enquanto não há nada concreto, mas nossa editora quer licenciar nossas músicas em outros países e estamos começando estudar estas possibilidades."