O adeus a Luiz Bonfá
Morte do violonista e compositor que fez a ponte entre o samba-canção e a bossa nova nos anos 50 deixa uma legião de órfãos, saudosos de sua sonoridade cristalina e de suas criativas invenções harmônicas
Nana Vaz de Castro
12/01/2001
Milhares de pessoas farão hoje três minutos de silêncio "por um mundo melhor" na abertura do Rock in Rio 3. Deveriam fazer mais um, em reverência à morte do compositor e violonista Luiz Bonfá, ocorrida nesta madrugada no Rio. Aos 78 anos, Bonfá tinha lá suas relações com o rock (foi o único compositor brasileiro gravado pelo Rei Elvis Presley), ao contrário de muita gente que se apresentará no festival. Além disso, o compositor de Manhã de Carnaval foi um dos que se destacaram em "fazer um mundo melhor" através de sua música.
Bonfá foi, como compositor, um dos responsáveis pela transição do samba-canção para a bossa nova, com suas composições do início da década de 50, interpretadas por nomes como Nora Ney, Lucio Alves e Johnny Alf. Seu maior êxito, Manhã de Carnaval, feita para o filme Orfeu do Carnaval (1959), tem incontáveis gravações em todo o mundo, a primeira delas feita por Agostinho de Santos. "Não há violonista que não saiba tocar Manhã de Carnaval", sentencia Toquinho, que foi discípulo do mesmo professor de violão de Bonfá, o uruguaio Isaías Sávio. "Manhã de Carnaval é uma música muito simples e muito profunda, por isso é tão especial", explica o violonista Paulinho Nogueira, que conhecia Bonfá de longa data. "Lembro que uma vez, há mais de 30 anos, ele foi me visitar na minha casa, faltou luz e ficamos várias horas tocando no escuro. Esse tipo de coisa não se esquece", diz Nogueira.
Carreira no exterior
Tendo morado nos Estados Unidos por muitos anos, principalmente nas décadas de 50 e 60, Bonfá pertence àquela categoria de gênios musicais brasileiros mais conhecidos no exterior do que em seu próprio país. Gravou dezenas de discos (todos devidamente compilados em um site japonês), mas seu catálogo no Brasil é pequeno. "Ele não ficou famoso no Brasil porque não cantava suas próprias músicas, não era cantor, e isso no Brasil é um problema", opina o violonista Gabriel Improta, representante de uma nova geração de instrumentistas e compositores. "Foi um músico de primeira grandeza. Tenho um disco dele com Tom Jobim e João Donato que influenciou muito minhas últimas composições", diz Gabriel. No fim da década de 60 Bonfá trabalhou com Eumir Deodato nos EUA, tendo se dedicado ao jazz e sido gravado por gente como Frank Sinatra e Sarah Vaughan.
Como intérprete, Bonfá se destacou pelo requinte técnico, pela pegada limpa e clara. Tanto que a imagem de sua mão formando um acorde sobre o braço do violão, presente na capa de seu disco Brazil’s King of the Bossa Nova and Guitar, de 1962, é encontrado hoje até como estampa de camiseta. "Bonfá tinha a execução mais limpa e polida, era um ícone nesse aspecto", diz Toquinho. "Ele tinha um jeito particular de tocar, em lado muito violonístico e muito bom", acrescenta o compositor e violonista Toninho Horta. "É raro um músico que seja tão bom intérprete e compositor como ele era, como o Baden Powell era", diz Horta.
Problemas legais
Ultimamente a obra de Luiz Bonfá vinha passando por alguns dissabores de ordem jurídica. O compositor, arranjador e parceiro de Bonfá Eumir Deodato, com quem trabalhou durante anos nos Estados Unidos, entrou com uma ação contra a Sony Music e a última mulher de Bonfá, Ruth de Oliveira, com acusações de pirataria. A família de Antônio Maria, autor da letra de Manhã de Carnaval, fez o mesmo que Deodato, alegando que Ruth teria relançado em CD sete álbuns de Bonfá, prensados pela fábrica da Sony. A gravadora se defende afirmando que não produziu os discos, apenas fabricou a partir de masters cedidos por Ruth. A família de Bonfá, representada por seu único filho, Luizinho, também entrou na história, pedindo para que a curadoria da obra saísse das mãos de Ruth.
Desavenças à parte, o que se tem hoje em catálogo é muito pouco. Além do volume Luiz Bonfá e as Raízes da Bossa, lançado pela coleção Enciclopédia Musical Brasileira, pouco se encontra nas lojas. Alguns discos chegaram a ser relançados em CD — como o da gravadora Elenco de Aloysio de Oliveira, que lançou Gênios do Violãoreunindo dois dos maiores modernizadores do instrumento, Bonfá e Garoto — mas logo desaparecem e não são mais encontrados a não ser com muita sorte em sebos. Com disco ou sem disco, de qualquer forma a obra de Bonfá garantiu um lugar incontestável na história da MPB, e permanece viva nas mãos dos violonistas e nos ouvidos dos fãs de todo o mundo.
Bonfá foi, como compositor, um dos responsáveis pela transição do samba-canção para a bossa nova, com suas composições do início da década de 50, interpretadas por nomes como Nora Ney, Lucio Alves e Johnny Alf. Seu maior êxito, Manhã de Carnaval, feita para o filme Orfeu do Carnaval (1959), tem incontáveis gravações em todo o mundo, a primeira delas feita por Agostinho de Santos. "Não há violonista que não saiba tocar Manhã de Carnaval", sentencia Toquinho, que foi discípulo do mesmo professor de violão de Bonfá, o uruguaio Isaías Sávio. "Manhã de Carnaval é uma música muito simples e muito profunda, por isso é tão especial", explica o violonista Paulinho Nogueira, que conhecia Bonfá de longa data. "Lembro que uma vez, há mais de 30 anos, ele foi me visitar na minha casa, faltou luz e ficamos várias horas tocando no escuro. Esse tipo de coisa não se esquece", diz Nogueira.
Carreira no exterior
Tendo morado nos Estados Unidos por muitos anos, principalmente nas décadas de 50 e 60, Bonfá pertence àquela categoria de gênios musicais brasileiros mais conhecidos no exterior do que em seu próprio país. Gravou dezenas de discos (todos devidamente compilados em um site japonês), mas seu catálogo no Brasil é pequeno. "Ele não ficou famoso no Brasil porque não cantava suas próprias músicas, não era cantor, e isso no Brasil é um problema", opina o violonista Gabriel Improta, representante de uma nova geração de instrumentistas e compositores. "Foi um músico de primeira grandeza. Tenho um disco dele com Tom Jobim e João Donato que influenciou muito minhas últimas composições", diz Gabriel. No fim da década de 60 Bonfá trabalhou com Eumir Deodato nos EUA, tendo se dedicado ao jazz e sido gravado por gente como Frank Sinatra e Sarah Vaughan.
Como intérprete, Bonfá se destacou pelo requinte técnico, pela pegada limpa e clara. Tanto que a imagem de sua mão formando um acorde sobre o braço do violão, presente na capa de seu disco Brazil’s King of the Bossa Nova and Guitar, de 1962, é encontrado hoje até como estampa de camiseta. "Bonfá tinha a execução mais limpa e polida, era um ícone nesse aspecto", diz Toquinho. "Ele tinha um jeito particular de tocar, em lado muito violonístico e muito bom", acrescenta o compositor e violonista Toninho Horta. "É raro um músico que seja tão bom intérprete e compositor como ele era, como o Baden Powell era", diz Horta.
Problemas legais
Ultimamente a obra de Luiz Bonfá vinha passando por alguns dissabores de ordem jurídica. O compositor, arranjador e parceiro de Bonfá Eumir Deodato, com quem trabalhou durante anos nos Estados Unidos, entrou com uma ação contra a Sony Music e a última mulher de Bonfá, Ruth de Oliveira, com acusações de pirataria. A família de Antônio Maria, autor da letra de Manhã de Carnaval, fez o mesmo que Deodato, alegando que Ruth teria relançado em CD sete álbuns de Bonfá, prensados pela fábrica da Sony. A gravadora se defende afirmando que não produziu os discos, apenas fabricou a partir de masters cedidos por Ruth. A família de Bonfá, representada por seu único filho, Luizinho, também entrou na história, pedindo para que a curadoria da obra saísse das mãos de Ruth.
Desavenças à parte, o que se tem hoje em catálogo é muito pouco. Além do volume Luiz Bonfá e as Raízes da Bossa, lançado pela coleção Enciclopédia Musical Brasileira, pouco se encontra nas lojas. Alguns discos chegaram a ser relançados em CD — como o da gravadora Elenco de Aloysio de Oliveira, que lançou Gênios do Violãoreunindo dois dos maiores modernizadores do instrumento, Bonfá e Garoto — mas logo desaparecem e não são mais encontrados a não ser com muita sorte em sebos. Com disco ou sem disco, de qualquer forma a obra de Bonfá garantiu um lugar incontestável na história da MPB, e permanece viva nas mãos dos violonistas e nos ouvidos dos fãs de todo o mundo.
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