O autor em primeiro plano

Participantes do Samba da Vela se preocupam em fortalecer a ala tradicional do gênero trazendo novas composições, que são cantadas, corrigidas e incluídas num caderno da comunidade

Carlos Calado
16/02/2001
"É um laboratório de samba", define o pianista e arranjador Laércio de Freitas, freqüentador habitual do Samba da Vela, que vê uma relação entre essa roda paulistana e a tradição do samba de quadra carioca. "Aqui o sambista tem instrução e treinamento", diz o maestro, observando que os sambas inéditos são tocados na hora, sem ensaios, e às vezes até corrigidos, na frente do público. "Queremos colocar o autor em primeiro plano. A idéia é ressaltar o trabalho do compositor", explica Maurílio, dizendo-se bastante contente com os resultados. "Tem gente aqui que já melhorou seu nível de composição. Essas pessoas estão pesquisando mais, estão lendo sobre a história do samba", festeja.

"O prêmio maior é ver seu samba entrar no caderno da comunidade da Vela, mas o principal é não ter vaidade. Isso pode estragar a substância do samba", diz Magno, co-autor do inédito Samba da Vela, que foi apresentado recentemente. Demonstrando uma preocupação inusitada para alguém de 25 anos de idade, o compositor declara: "Vejo o Samba da Vela como história. Ele nasceu para fortalecer o samba, porque se a gente deixar, ele acaba".

Autor de sambas gravados pelos grupos Sensação, Pirraça e Sampa, Chapinha, que acabou de completar 41 anos de idade, calcula ter quase 800 composições, com cerca de 60 parceiros. "Não sei fazer muito bem esse samba da moda. Meu negócio é samba de raiz", afirma, lembrando que chegou a gravar três faixas de uma coletânea de sambas, Recado aos Bambas, lançada pela Brasidisc, em 1990.

O fato de ser nordestino, branco e ter olhos claros rendeu a ele uma considerável dose de preconceito, 18 anos atrás, quando tentou ingressar na ala de compositores da Vai Vai, escola de samba paulistana. "Passei seis meses, indo e voltando todas as quartas e domingos, mas eles não deixavam que eu mostrasse meu trabalho. Tentaram me matar de canseira, mas fui eu que os cansei", conta. Finalmente, ao ser ouvido pelo compositor Mário Sérgio (hoje integrante do grupo Fundo de Quintal), Chapinha foi aprovado na hora.

Influência do pai
Enfrentar preconceitos também virou rotina para os paulistanos Magno e Maurílio, irmãos que diferentemente dos jovens de sua faixa etária, cresceram ouvindo muito samba tradicional, por influência do pai. "Quando a gente chegava numa roda de samba, era menosprezado pelos garotos da nossa idade. Eles diziam que esse tipo de samba não tinha futuro nenhum, mas a gente sempre acreditou nele", lembra Magno.

Graças a essa defesa apaixonada do samba tradicional, nos últimos três anos, como integrantes com Quinteto em Branco e Preto, os dois têm sido requisitados com freqüência pelos sambistas cariocas da velha guarda, quando estes se apresentam em São Paulo. Entre outros, já acompanharam Dona Ivone Lara, Nei Lopes, Nelson Sargento, Wilson das Neves e Jamelão.

Paulistano nascido no próprio bairro de Santo Amaro, onde vive até hoje, Paqüera tem 42 anos. Além de participar por 10 anos da Vai Vai, chegou a ser integrante dos grupos de samba Sensação e Katinguelê, como músico e compositor. "Eu acabei me afastando porque essa não era a minha linha de samba. Quando esse tipo de pagode entrou na moda, eu caí fora", diz o compositor, que não esconde a emoção ao se referir ao Samba da Vela. "Essa espiritualidade, esse clima que cresce a cada noite, é maravilhoso. Quanto mais a comunidade participa, mais bonito fica".

Samba da Vela

(Magno de Souza e Maurílio de Oliveira)

A Vela é um reduto de aprendizes
Procedentes de várias matizes
Em seu modo de pensar
Às vezes surgem uns com vaidade
Despertando disparate
Sem saber o que se passa no lugar
Outros reclamam insanamente
E se perguntam
Porque não podem conversar
E respondemos tão francamente
Samba da Vela
É pra quem gosta de escutar
Se não for bom
A intenção é o que convém
Estamos fazendo história
Sem falar mal de ninguém

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