O disco-festa em tributo a Humberto Teixeira

Constelação de grandes nomes da MPB se reúne em O Doutor do Baião, homenagem ao autor de Asa Branca

Marco Antonio Barbosa
01/04/2003
Não é possível que, a esta altura do campeonato, ainda se pense em Humberto Teixeira como mero parceiro à sombra (grandiosa, é certo) de Luiz Gonzaga. Mas, para dirimir quaisquer dúvidas sobre a luz própria de Teixeira, o homem por trás de dezenas de clássicos da música nordestina - ao lado de Gonzagão ou só - é favor prestar atenção no álbum O Doutor do Baião, que a gravadora Biscoito Fino pôs nas lojas semana passada. No disco, 14 nomes mais do que consagrados da MPB prestam reverência ao repertório legado por Teixeira (1915-1979); um cearense formado em Medicina e Direito mas que acabou eternizado por seus dotes musicais.

O "núcleo" do disco foi gravado ao vivo em agosto do ano passado, no Teatro Rival BR (RJ), em uma noite muito especial feita em tributo a Teixeira. Tratava-se da entrega do primeiro Prêmio Rival BR de Música, que tinha como homenageado especial o parceiro de Gonzagão. O show (com a participação de Gilberto Gil, Lenine, Elba Ramalho, Rita Ribeiro, Carmélia Alves, Zeca Pagodinho, Sivuca e o grupo Cordel do Fogo Encantado) foi um dos pontos culminantes do esforço da atriz Denise Dumont - filha de Humberto - para resgatar a importância da obra do pai para o ouvinte contemporâneo. Além de ter seu áudio registrado, o evento também foi filmado para ser incluído num documentário que Denise está finalizando sobre a vida e a carreira de seu pai.

Não faltaram clássicos, nem interpretações emocionadas e emocionantes, àquela noite de 2002 no Rival, que teve direção musical de Wagner Tiso. A veterana Carmélia Alves entra em cena já acompanhada pela banda de Tiso (Lula Galvão, violão; Jorge Helder, baixo; André Boxexa, bateria; Robertinho Silva e Mingo Araújo, percussão; Marcos Nimrichter, teclados; Zé Américo, sanfona; Marcio Malard, cello; Cristiano Alves, sopros; e o próprio Tiso no piano e acordeom), cantando Baião, acompanhada por Sivuca.

Depois foi a vez do Cordel do Fogo Encantado, que dispensou a banda de apoio e veio apenas com seus tambores, violão e a performance sempre impactante do vocalista Lirinha. Ao repassar de forma visceral Mangaratiba, o grupo pernambucano arrancou aplausos entusiasmados. A banda de Wagner Tiso retornou para que Rita Ribeiro cantasse Sinfonia do Café (esta vindo numa bela interpretação vocal, ajudada pelo cello). A faixa nunca havia sido regravada desde seu lançamento, em 1945. Gilberto Gil entrou logo depois, para mandar Juazeiro (esta com Wagner Tiso ao acordeom) e No Meu Pé de Serra.

Lenine, o próximo convidado, foi muito aplaudido ao fazer uma versão mais suingada de Qui Nem Jiló, depois de apresentar Respeita Januário. Zeca Pagodinho empresta ar malandro a Deus Me Perdoe. Fagner, em seguida, foi quem cantou mais. Apresentou Dono dos Teus Olhos, em versão suave, depois Xanduzinha; e encerrou sua participação num dueto com Elba Ramalho, em Légua Tirana. Sozinha, Elba cantou Paraíba e Assum Preto - que ganhou uma introdução solene e dramática, com cello e clarineta. A tristeza foi espantada pela reunião de todos os convidados (menos Pagodinho) retornando para cantar uma festiva Asa Branca.

Completando os registros feitos ao vivo, Chico Buarque, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa gravaram participações feitas em estúdio, separadamente. Asa Branca coube à Bethânia. Adeus Maria Fulô foi interpretada por Gal (no show do Rival, quem cantou foi Carmélia Alves), com a participação de Sivuca. Caetano preferiu Baião de Dois e a sempre doce Kalu ficou com Chico. Assim como o espetáculo no Rival, a direção musical das faixas em estúdio foi assinada por Tulio Feliciano.

A Biscoito Fino também pretende lançar um DVD com a íntegra da festa no Rival, o que pode tornar O Doutor do Baião ainda mais apetitoso de se apreciar na TV - pois várias canções, como Zé de Salina (com o Cordel do Fogo Encantado) e Kalú (na voz de Fagner) foram cortadas do CD.