O drum’n bass brasileiro do Drumagick

Em seu disco de estréia, Aí Maluco!, irmãos de São Paulo tentam fazer uma "mesclagem justa" do samba e da bossa nova com os beats britânicos

Silvio Essinger
23/10/2000
Nem só dos badalados DJs Marky e Patife vive o drum’n bass brasileiro. Alguns anos depois do estouro mundial desse gênero de música eletrônica (caracterizado pelas batidas quebradas, linhas de baixo treme-terra e teclados espaciais), começam a surgir os discos genuinamente nacionais – quer dizer, não somente coletâneas de faixas estrangeiras mixadas pelos nossos craques dos pick ups. Os irmãos Jr.Deep (23 anos de idade) e Guilherme Lopes (19) iniciaram carreira da mesma forma que Marky e Patife, girando seus discos em festas. Mas logo estavam fazendo suas próprias músicas sob o nome de Drumagick, projeto que, depois de alguns remixes (como o de Renault/Peugeot, que acaba de sair no disco do pernambucano Otto, Changez Tout) e de participações em coletâneas, chega ao seu primeiro álbum, Aí Maluco! (Trama). Desde 1996 os irmãos estão pesquisando e fazendo drum’n bass, paralelamente ao trabalho como DJs (eles normalmente tocam juntos, com dois toca-discos cada um), o que, segundo eles, acabou sendo muito importante para o desenvolvimento do trabalho como produtores. "Isso nos deu uma bagagem boa, nos deixou antenados", conta Guilherme.

Os irmãos estão ligados na cena drum’n bass desde 1993, quando ela ainda atendia pelo nome de hardcore. "Passamos por todas as suas transformações", diz o caçula, que aos 12 anos de idade começou a discotecar, na cola do irmão, e aos 15 já produzia. "Não é a idade que importa, é o feeling", ensina. Em casa, quando era criança, Guilherme ouvia muita MPB, Ray Conniff e Beatles, por causa dos pais. Já Jr. Deep preferia o skate à música. Aos 12 anos, num dos rolês, foi atropelado e acabou passando um mês e meio internado no hospital e quatro meses se recuperando em casa. "Era ou estudar ou ouvir música", conta. O rádio tocava grupos como Information Society, Depeche Mode e New Order, que acabaram fazendo sua cabeça. "O dance-pop era o mais acessível na época", lembra. Resultado: logo que se sarou, Jr. foi fazer curso de DJ e passou a mergulhar cada vez mais fundo na música eletrônica.

Guilherme admite a admiração por produtores britânicos de drum’n bass como Ed Rush, Optical, DJ Hype e Roni Size. Mas as faixas do Drumagick, segundo ele, surgem a partir de muita pesquisa de música brasileira. "Mas não é só pegar uma MPB e misturar com os beats", diz. Num processo que ele define como "mesclagem justa", a dupla incorpora principalmente o samba e a bossa nova, os mais adequados ao drum’n bass. Para fazer suas músicas, Guilherme e Jr. usam basicamente programas de computador e um sampler – eles dividem com o produtor Ramilson Maia o Hangar 15, misto de estúdio e escola para DJs em Jabaquara (Zona Sul de São Paulo).

"Não quero praia pra sofrer"
No entanto, aqui e ali no disco, o Drumagick usa vozes ou instrumentos de verdade. Lika Marques, por exemplo, cantou em Face (Improove Your Life) e Max de Castro, em Funquiada (onde também tocou violões e guitarras). Paulo Casale tocou sax em A Maré (que tem piano de Max) e Xande Bonfimm, trompete em Na Praia. Nesta última, por sinal, ouve-se Guilherme cantar, em ritmo de bossa, a enigmática frase: "Ê, não quero praia pra sofrer". Ele conta que a idéia veio numa madrugada, quando estava no estúdio e alguns amigos resolveram se martirizar, acordando cedo para encarar o engarrafamento a caminho do litoral. "Estava pensando nesse assunto e acabei cantando", conta.

Guilherme acha que o drum’n bass vive uma fase ascendente no Brasil "pelo fato de estarem surgindo produtores", como Xerxes de Oliveira (o XRS Land, que remixou Metromorfose para o disco) e Ramilson Maia, ambos artistas do selo Sambaloco, da Trama (que lançou Aí Maluco!). "Os DJs têm mais espaço porque estão aí há mais tempo", diz o caçula, lembrando que o remix de Marky para a faixa-título acabou entrando também no mais recente disco do DJ, Audio Architecture. Só falta agora as músicas do Drumagick caírem nas graças do público inglês, assim como os nossos DJs caíram. "Logo, logo deve rolar um intercâmbio", acredita Guilherme.

Por enquanto, a dupla segue pelo Brasil com um show no qual cada um dos irmãos controla um toca-discos, acompanhados de baixista, baterista, tecladista (que dispara os samples), percussionista, saxofonista e trompetista. "A gente não se prende a uma seqüência, o que não é comum na música eletrônica. A gente quer mudar um pouco isso, fazer música mais espontânea", conta Jr.Deep. Mas, segundo ele, ainda resta uma velha dificuldade neste Projeto Rondon: "Há capitais que não têm sequer um início de cena drum’n bass."