O forró místico de Elba Ramalho

Cantora lança novo CD, no qual resgata pérola de Vicente Celestino, e prepara tributo a Nossa Senhora com vários artistas pelo seu selo Ramax

Rodrigo Faour
19/03/2001
Elba Ramalho bem que já co-produziu alguns discos seus, como Encanto ouvir 30s e Solar, mas desta vez assina sozinha a produção de Cirandeira ouvir 30s, que acaba de lançar (leia crítica), ainda que com a ajuda do competente arranjador Marcos Farias — filho de dois ícones imortais da canção nordestina: a cantora Marinês e o sanfoneiro e compositor Abdias. "Há anos ensaio essa possibilidade de ter autonomia total em meus discos, mas às vezes ficava um pouco acomodada. Adoro todos os produtores com quem trabalhei. Eles buscam sonoridades, sempre vêm com novidades. Desta vez, decidi produzir — eu mesma — com a ajuda do Marcos, um maestro sensível e sanfoneiro de primeiro time. Ele foi meu cúmplice. O trabalho acabou feito a quatro mãos. Com isso, posso decidir sobre os arranjos, quando quero dobrar a voz na gravação, detalhes da mixagem, enfim, quando se produz você tem que decidir tudo", diz.

O resultado de tamanho empenho foi um disco de 14 faixas, a maioria inédita. Tanto de compositores tradicionais em seu repertório como Geraldo Azevedo, Lenine (que assinou a ciranda-título do CD), Nando Cordel ou Chico César, como do jovem Targino Gondim, que estourou na voz de Gilberto Gil com Esperando na Janela ouvir 30s. "Ele me deu uns discos dele e grifou o Pra Se Aninhar. Me falou: 'Minha mãe sonha ver você cantando essa música. Acho que é a sua cara’. Por isso, gravei", justifica. Mas o grande destaque do CD é a antiqüíssima Patativa, de autoria do cantor Vicente Celestino, que — por sugestão de Marcos Farias — gravou em ritmo de xote. "É minha faixa preferida. Mesmo morrendo de amores por Cirandeira, do Lenine, quando ela entra, logo em seguida no disco, a emoção que vem pela minha memória, de ouvi-la na infância, em casa, é muito forte. Fazê-la em xote foi mesmo um achado", admite.

Pescadora de pérolas
Na verdade, Patativa a remete ao gosto de seu pai, que era músico de orquestra, tocando clarinete, saxofone, tuba e violão numa orquestra de sua cidade, na Paraíba. "Ele está com 82 anos e continua ativo, é um grande ouvinte de música", conta ela, lembrando-se que o pai não entendeu nada quando ela decidiu na adolescência atuar numa banda de rock. "Ele dizia que o que eu fazia não era música", diverte-se ela, que tem ainda um irmão médico que é "um tenor fantástico" e sempre cantou canções do repertório de Vicente Celestino e Augusto Calheiros, como... Patativa.

"Como intérprete, me sinto obrigada a resgatar essas pérolas da MPB. Outra que resgatei foi o Forró de Surubim, que o Jackson do Pandeiro gravou há 40 anos. É uma música masculina, difícil de cantar, mas ficou legal", explica Elba, que ficou próxima ao rei do coco no começo dos anos 80, quando ele compôs No Som da Sanfona especialmente para ela gravar no LP Alegria ouvir 30s, em 1982. "Tanto com Gonzaga quanto com Jackson tive uma ótima relação. O Gonzaga me tinha como filha. Quando as críticas falavam mal de mim ele ficava pra morrer. Chegou até a escrever uma música respondendo aos críticos mas eu não quis gravar. E o Jackson me ensinou muito".

Um traço curioso em seu novo CD é que Elba está cantando limpo, falando pouco entre as músicas, com poucas brincadeiras. "Acho que foi pelo meu estado de espírito quando estava gravando. No palco, posso exprimir mais força e agressividade. Creio que essas músicas vão ganhar um novo impulso. Já o disco é bem acústico e tem um ar romântico. O repertório é de bom gosto e acho que é menos para dançar e mais para se ouvir", detalha. "Se eu gravasse esse repertório depois da turnê de lançamento, as músicas ficariam diferentes. O disco Solar tem uma tônica mais forte, para cima, e vários críticos torceram o nariz para isso. Já nesse alguns disseram que estou leve demais. É impossível agradar a todos, mas talvez num próximo trabalho chegue a um equilíbrio maior ainda", analisa.

Capa foi sugestão divina
Depois de divulgar o novo CD, Elba planeja dois shows. Um para ser feito na Feira de São Cristóvão (RJ), onde seria gravado um DVD ("Ainda estou tentando formar uma banda e um repertório para esse show") e outro para a turnê de lançamento de Cirandeira, previsto para estrear em julho no Canecão. Fora isso, ela concentra suas atenções para os lançamentos de seu próprio selo, o Ramax. Ela já lançou o CD de Fuba de Itaperoá, produzido pelo amigo Dominguinhos, e agora prepara-se para editar no segundo semestre um CD somente com canções sobre Nossa Senhora, intitulado Coração de Mãe, reunindo a nata da MPB. Nomes como Caetano Veloso e Maria Bethânia (juntos, homenageando Nossa Senhora da Purificação), Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Jerry Adriani, Chico Buarque, Nana Caymmi, um dueto estilo Unforgettable de Gilberto Gil com Luiz Gonzaga (Ave Maria Sertaneja), a própria Elba e uma cantora lírica baiana, Andréa Daltro.

"Sou devota de Nossa Senhora e estudo há muitos anos suas aparições na Terra. São mais de 400 aparições! Acabei entrando num santuário dela, onde há videntes que falam com ela desde criança. Inclusive a capa do disco traz um paninho com a imagem dela, que ela mesmo — através das videntes — pediu para que fosse a capa do disco. Quer dizer, é um presente dos céus", surpreende a cantora, que não renega todas as influências da cultura oriental em sua fé. "Faço meditação transcendental e ioga há 15 anos. Busco o que há de melhor nas religiões. Gosto de Buda, tiro o melhor do Mahabarata... Mas sou cristã. Acho que Maria é a arca desses tempos. Se manifestando, chamando o povo de Deus. Só que ao invés de meditar e pedir proteção às deusas budistas e indianas, peço à Virgem Maria".