O Maranhão de Zeca Baleiro e Mano Borges
Conterrâneos lançam discos simultaneamente; Zeca, consagrado, participa do trabalho de Mano, artista em ascenção
Marco Antonio Barbosa
16/09/2002
A pauta de exportações do Maranhão não se limita a ex-candidatas à presidência da República; desde o surgimento de Zeca Baleiro, em 1995, o estado nordestino tem sido observado mais atentamente por quem busca renovação no panorama da MPB. Essa atenção se viu redobrada há pouco, com o lançamento quase simultâneo de dois discos que levantam a suspeita de que o Maranhão ainda tem lenha (musical) para queimar. Mais evidente foi o ressurgimento do já citado Baleiro, com seu quarto trabalho, Pet Shop Mundo Cão . Menos óbvio, igualmente porém digno de nota, é o despontar de Mano Borges, que com seu Passagem Franca Pra Caro Custou arrisca-se na seara da nova MPB com a benção do próprio Zeca. Ambos os discos têm lançamento do selo MZA (distribuído pela Abril Music), administrado por Marco Mazzola -, por sinal, responsável também por lançar a conterrânea (de Zeca e de Mano) Rita Ribeiro.
Visto por boa parte da crítica (e do público "antenadinho") como ponta-de-lança da nova MPB, Zeca Baleiro já começa a conversa rejeitando o título. "Sempre vi com desconfiança essa coisa de estar entre os 'queridinhos', de ficar entre os melhores, os maiores. Nem sequer me considero parte da MPB. A música que tem se feito aqui no Brasil nos últimos anos é muito mais diversa do que aquilo que se convencionou como MPB", fala o maranhense. Sua contundência no discurso espelha-se no clima de Pet Shop Mundo Cão, sem dúvida seu disco mais ácido e sardônico. "Tem a ver com a canseira que venho sentindo em relação ao mundo. Isso me dá um certo ar de mau-humor. Mas nada foi pensado, premeditado, por mais que as pessoas acabem achando isso. O disco sempre ganha vida própria e também aconteceu com Pet Shop", reflete o cantor.
As letras, afiadas, falam desse cansaço que Zeca vem sentindo. Que pode se refletir no isolamento de Minha Tribo Sou Eu, no clamor "socialista" de Eu Despedi o Meu Patrão e no desencanto de Meu Nome É Nelson Rodrigues ("Sou do tempo em que até os canalhas choravam", diz Zeca na faixa, que encerra o disco). "Estou mais cético, inconformado com o mundo", fala o cantor. "Fico preocupado com o futuro, com o mundo que meus filhos terão. Mas, como digo no encarte do CD, não passa pela minha cabeça morrer tão cedo. Então, no fim, o disco não é tão negativo assim."
Musicalmente, Zeca Baleiro aprofunda a estratégia de atirar em múltiplos alvos. "Não queria que o disco ficasse assim. Pensei em fazer um trabalho mais coeso, homogêneo. Ainda vejo isso nas canções, uma mesma alma que as liga", fala o compositor. Entretanto, a produção a oito mãos (Ramiro Musotto, Érico Theobaldo, Jongui e o próprio autor) acabou guiando Pet Shop a paragens inesperadas. Tem samba, nordestinidade, pop-rock, reggae, rap, música eletrônica e até brega no caldeirão. "Tudo foi feito a muitas mãos, cheio de interferências, e mesmo o trabalho final dos produtores acabou divergindo para lados quase opostos", conta Zeca, que além disso ainda trouxe para o estúdio nomes como Elba Ramalho, Totonho, Carlos Dafé, o grupo Karnak e o mítico mutante Arnaldo Baptista. "Usar a eletrônica sempre foi uma idéia que me norteou. Entretanto, não queria perder a característica de ser um compositor de verdade, baseado em letras e melodias, sem me perder em afetações experimentais", resume Zeca.
O Mano desgarrado faz coro
Mano Borges, que conta com Zeca Baleiro participando da música Os Nós em seu CD Passagem Franca pra Caro Custou, tem uma trajetória que poderia, sem muito esforço, ser comparada à do conterrâneo. Assim como Zeca, Mano construiu uma sólida carreira fora do eixo RJ-SP e apenas agora - depois de lançar quatro CDs independentes - surge na mídia como "nova revelação". Ele afirma que tudo se deu no devido tempo. "O mais importante era chegar ao mercado com uma personalidade formada. Hoje, sei que encontrei minha identidade, que pode até não ser diferente, mas tem uma assinatura própria", afirma o maranhense.
Em 2000, ao ser escolhido pela imprensa musical de São Luís como "melhor compositor do ano" e vender quatro mil CDs de Lera, seu disco anterior, Mano despertou a atenção do produtor Marco Mazzola. O lançamento de Passagem Franca... coroou uma carreira que começou em 1983 (como músico de apoio no grupo Asa do Maranhão) e virou solo em 1990. "É muito gratificante ver que um produtor como Mazzola aposta em pessoas que poderiam passar a vida toda despercebidas nos grandes centros. Foi assim com Chico César, Rita Ribeiro... Até pouco tempo, eu sequer imaginava tocar fora do Maranhão. Ele me fez acreditar que o Brasil pode receber bem meu trabalho", diz Mano. Antes de Mazzola, Rita Ribeiro e Leci Brandão já haviam prestigiado as composições de Mano, gravando respectivamente Essa Dona e Lua Diamantes.
Compositor compulsivo, Mano conta que trabalhou duro para chegar ao repertório de seu novo álbum. "Quando houve o convite para gravar, resolvi utilizar o material mais recente e inédito. Chamei meu parceiro mais constante, Alê Muniz, nos trancamos num casarão em São Luís e começamos a compor. Todo dia trabalhávamos e o resultado foi que, em três meses, tínhamos feito 80 canções!", relata Mano. Do disco anterior foram regravadas quatro músicas (Bangladesh, com participação da carioca Renata Holly, Os Nós, com Zeca Baleiro, Dia Sete e Você É Tudo, a música de trabalho). "Essas músicas soam como inéditas, pois só foram consumidas mesmo no Maranhão", justifica. O disco traz também Medo de Avião (Belchior) e Maranhão, Meu Tesouro, Meu Torrão (Humberto Maracanã). "Maranhão é uma toada de bumba-meu-boi. Coloquei recursos eletrônicos, mas de forma a não ferir a coisa folclórica. Com isso, quero mostrar que tudo pode ser pop, universal", detalha.
Visto por boa parte da crítica (e do público "antenadinho") como ponta-de-lança da nova MPB, Zeca Baleiro já começa a conversa rejeitando o título. "Sempre vi com desconfiança essa coisa de estar entre os 'queridinhos', de ficar entre os melhores, os maiores. Nem sequer me considero parte da MPB. A música que tem se feito aqui no Brasil nos últimos anos é muito mais diversa do que aquilo que se convencionou como MPB", fala o maranhense. Sua contundência no discurso espelha-se no clima de Pet Shop Mundo Cão, sem dúvida seu disco mais ácido e sardônico. "Tem a ver com a canseira que venho sentindo em relação ao mundo. Isso me dá um certo ar de mau-humor. Mas nada foi pensado, premeditado, por mais que as pessoas acabem achando isso. O disco sempre ganha vida própria e também aconteceu com Pet Shop", reflete o cantor.
As letras, afiadas, falam desse cansaço que Zeca vem sentindo. Que pode se refletir no isolamento de Minha Tribo Sou Eu, no clamor "socialista" de Eu Despedi o Meu Patrão e no desencanto de Meu Nome É Nelson Rodrigues ("Sou do tempo em que até os canalhas choravam", diz Zeca na faixa, que encerra o disco). "Estou mais cético, inconformado com o mundo", fala o cantor. "Fico preocupado com o futuro, com o mundo que meus filhos terão. Mas, como digo no encarte do CD, não passa pela minha cabeça morrer tão cedo. Então, no fim, o disco não é tão negativo assim."
Musicalmente, Zeca Baleiro aprofunda a estratégia de atirar em múltiplos alvos. "Não queria que o disco ficasse assim. Pensei em fazer um trabalho mais coeso, homogêneo. Ainda vejo isso nas canções, uma mesma alma que as liga", fala o compositor. Entretanto, a produção a oito mãos (Ramiro Musotto, Érico Theobaldo, Jongui e o próprio autor) acabou guiando Pet Shop a paragens inesperadas. Tem samba, nordestinidade, pop-rock, reggae, rap, música eletrônica e até brega no caldeirão. "Tudo foi feito a muitas mãos, cheio de interferências, e mesmo o trabalho final dos produtores acabou divergindo para lados quase opostos", conta Zeca, que além disso ainda trouxe para o estúdio nomes como Elba Ramalho, Totonho, Carlos Dafé, o grupo Karnak e o mítico mutante Arnaldo Baptista. "Usar a eletrônica sempre foi uma idéia que me norteou. Entretanto, não queria perder a característica de ser um compositor de verdade, baseado em letras e melodias, sem me perder em afetações experimentais", resume Zeca.
O Mano desgarrado faz coro
Mano Borges, que conta com Zeca Baleiro participando da música Os Nós em seu CD Passagem Franca pra Caro Custou, tem uma trajetória que poderia, sem muito esforço, ser comparada à do conterrâneo. Assim como Zeca, Mano construiu uma sólida carreira fora do eixo RJ-SP e apenas agora - depois de lançar quatro CDs independentes - surge na mídia como "nova revelação". Ele afirma que tudo se deu no devido tempo. "O mais importante era chegar ao mercado com uma personalidade formada. Hoje, sei que encontrei minha identidade, que pode até não ser diferente, mas tem uma assinatura própria", afirma o maranhense.
Em 2000, ao ser escolhido pela imprensa musical de São Luís como "melhor compositor do ano" e vender quatro mil CDs de Lera, seu disco anterior, Mano despertou a atenção do produtor Marco Mazzola. O lançamento de Passagem Franca... coroou uma carreira que começou em 1983 (como músico de apoio no grupo Asa do Maranhão) e virou solo em 1990. "É muito gratificante ver que um produtor como Mazzola aposta em pessoas que poderiam passar a vida toda despercebidas nos grandes centros. Foi assim com Chico César, Rita Ribeiro... Até pouco tempo, eu sequer imaginava tocar fora do Maranhão. Ele me fez acreditar que o Brasil pode receber bem meu trabalho", diz Mano. Antes de Mazzola, Rita Ribeiro e Leci Brandão já haviam prestigiado as composições de Mano, gravando respectivamente Essa Dona e Lua Diamantes.
Compositor compulsivo, Mano conta que trabalhou duro para chegar ao repertório de seu novo álbum. "Quando houve o convite para gravar, resolvi utilizar o material mais recente e inédito. Chamei meu parceiro mais constante, Alê Muniz, nos trancamos num casarão em São Luís e começamos a compor. Todo dia trabalhávamos e o resultado foi que, em três meses, tínhamos feito 80 canções!", relata Mano. Do disco anterior foram regravadas quatro músicas (Bangladesh, com participação da carioca Renata Holly, Os Nós, com Zeca Baleiro, Dia Sete e Você É Tudo, a música de trabalho). "Essas músicas soam como inéditas, pois só foram consumidas mesmo no Maranhão", justifica. O disco traz também Medo de Avião (Belchior) e Maranhão, Meu Tesouro, Meu Torrão (Humberto Maracanã). "Maranhão é uma toada de bumba-meu-boi. Coloquei recursos eletrônicos, mas de forma a não ferir a coisa folclórica. Com isso, quero mostrar que tudo pode ser pop, universal", detalha.