O mítico disco de Tim Maia

Raridade nos sebos, os dois volumes do LP que o músico gravou nos 70 para a seita Universo em Desencanto viraram objeto de culto no Brasil e na Inglaterra.

Silvio Essinger
03/05/2000
O que há em comum entre um rapper carioca e o filho de um ex-piloto escocês de Fórmula 1? Marcelo D2, vocalista do Planet Hemp, e Paul Stewart, filho de Jack Stewart, são alguns dos fãs de Tim Maia que compraram a preço de ouro os poucos exemplares disponíveis dos dois volumes do disco Tim Maia Racional. Lançados em 1975 e 1976 (pelo selo Seroma, abreviação de seu nome, Sebastião Rodrigues Maia), durante a fase mais obscura do cantor, os álbuns ainda não foram relançados em CD, mas podem ser encontrados em sebos e feiras por até R$ 250,00 (o preço pago pelo emissário de Stewart, o piloto brasileiro Luciano Burti). São dois deliciosos discos de Tim, que na época mergulhou fundo nos ensinamentos da seita Universo em Desencanto, liderada por Manuel Jacinto Coelho, uma espécie de Edir Macedo da ufologia.

As letras, que divulgavam a filosofia "Racional", são confusas e bizarras, mas passam desapercebidas diante do talento musical de Tim, que se encontrava no auge. Pode-se ouvir funk e soul de primeira qualidade em faixas como Imunização Racional (Que Beleza) (gravada por Gal Costa no disco Aquele Frevo Axé, de 1998), Rational Culture (sampleada por D2 na música Fazendo Efeito, do seu disco solo, Eu Tiro É Onda, também de 98), Bom Senso, You Don’t Know What I Know, (todas do Volume 1), Quer Queira Quer Não Queira e Que Legal, do Volume 2.

Motel de extraterrenos
Não se sabe muito por que uma figura como Tim Maia, que sempre alimentou a fama de polêmico e rebelde, saiu por aí cantando coisas do tipo "Já não dependo das loucuras/ Já encontrei o que fazer/ Agora sei outra verdade/ Estou vivendo com prazer/ De viver" (trechos da faixa Paz Interior). Durante sua fase messiânica, que durou cerca de seis meses, Tim deixou de usar drogas, teve um filho (Carmelo Maia), mas percebeu que não iria tão cedo trocar figurinha com seres de outros planetas, que era o seu grande objetivo ao entrar para a seita.

"Quando cheguei lá, vi que o negócio era umbanda, candomblé, baixo espiritismo (...) "Ele (Jacinto Coelho) passou 15 anos com seu Sete da Lira e tinha uma propriedade enorme em Nova Iguaçu, que incluía até um motel para extraterrenos", afirmou o cantor, em entrevista à revista Playboy, em 1991. Tim nunca mais quis saber daqueles dois discos. Em entrevista recente ao jornal Estado de S. Paulo, Marisa Monte contou que, quando resolveu gravar Que Beleza, foi desaconselhada pelo cantor. "Pô, mas por que que tu não esquece isso, Marisa Monte? Deixa isso para lá, Marisa Monte!", disse ele. Tim Maia não foi o único artista a se seduzir pelos dogmas do Universo Desencanto – Jackson do Pandeiro, o lendário ritmista paraibano, andou compondo algumas emboladas em homenagem à seita.

Paulinho Guitarra, que hoje toca com Ed Motta e com a reformada Banda Black Rio, participou das gravações dos dois Tim Maia Racional. Ele se espanta com a notoriedade tardia dos discos: "Eles viraram culto agora, porque na época a crítica execrou". As bases, conta ele, foram gravadas no final de 1974, nos antigos estúdios da RCA (hoje Companhia dos Técnicos), em Copacabana. Ou seja, antes de Tim entrar para a seita, levado pelo músico Tibério Gaspar. Uma vez convertido, o cantor mudou as letras e os títulos das músicas. Adios San Juan de Puerto Rico, por exemplo, virou Quer Queira Quer Não Queira.

Serginho Trombone, que trabalhou nos dois volumes do Tim Maia Racional junto com músicos como Paulinho, Robson Jorge (guitarras e teclados) e Oberdan Magalhães (sax e flauta, que mais tarde fundaria a Black Rio) tem poucas lembranças daquela época, mas se diverte ao lembrar algumas histórias. "Foi uma fase muito doida. O Tim vivia olhando para o céu procurando disco voadores. O pior de tudo é que ele convenceu a banda inteira a entrar para a seita. Pintamos todos os instrumentos de branco, até a bateria", lembra. "Ele acabou sendo o grande prejudicado, pois teve de se livrar de todos os produtos materiais de seu apartamento. Jogou fora fogão, geladeira e até o carpete da sala."

Foi para lançar os dois Tim Maia Racional que o cantor fez sua primeira incursão pelo mercado independente, fundando a Seroma. Difícil, porém, foi fazer a distribuição e divulgação dos discos. "Era a gente mesmo que levava os discos às lojas", conta Paulinho Guitarra. "Quando as pessoas procuravam pelo novo disco do Tim Maia e viam aquela capa ficavam assustadas." O resultado foi que, exceto por Que Beleza (a música menos explicitamente doutrinária do disco), as faixas não tocaram no rádio e os discos pouco venderam. Os shows do Tim Maia Racional eram feitos a título de "divulgação da Cultura Racional", sendo acompanhados quase que exclusivamente por seguidores do Universo em Desencanto que vinham em caravana. Apesar disso, tudo foi bem, mas só até Tim se desiludir com Manuel. Quando isso aconteceu, segundo Paulinho, o cantor armou um verdadeiro escândalo, gritando pela janela, para os que passavam na rua, que tudo aquilo do Universo era mentira.

Relançamento barrado

O filho de Tim, Carmelo, adiantou que várias gravadoras mostraram interesse em relançar os dois discos, que só não chegaram às lojas por causa de brigas judiciais entre herdeiros do cantor. Enquanto isso, os álbuns são disputados a tapa até no exterior. Paul Stewart praticamente intimou Luciano Burti, piloto de teste da equipe Jaguar, que pertence ao seu pai (o tricampeão de Fórmula 1) a conseguir um dos dois exemplares do Tim Maia Racional.

Depois de uma peregrinação pelos sebos brasileiros, Burti acabou encontrando o disco por R$ 250,00 (chegaram a lhe oferecer por R$ 1 mil) e garantiu o seu emprego na equipe. Marcelo D2, que nunca escondeu sua admiração por Tim Maia, conseguiu o mesmo disco por um preço mais barato (pagou R$ 80). Além de samplear a música Racional Culture, D2 ainda citou o "som de Tim Maia Racional" na música O Império Contra-Ataca.