O Moleque de Rua está de volta

Com nova formação, banda que reúne em sua bateria garotos pobres da periferia de São Paulo lança CD independente e vê primeiro disco ser reeditado

Carlos Calado
08/03/2001
Uma década atrás, quando lançou o primeiro álbum, a banda Moleque de Rua chamava atenção com sua bateria rústica, formada por garotos pobres da periferia de São Paulo. Cantando sambas e raps, os "moleques" tocavam latões de óleo e primitivos instrumentos de percussão, que eles mesmos faziam. Desarticulado no início de 1997, depois de fazer quase 200 shows na Europa, o grupo paulistano retorna com nova formação e um CD independente, ao mesmo tempo que Moleque de Rua amostras de 30s, seu disco de estréia, volta às lojas em CD da série Columbia Raridades, lançado pela Sony.

"Fui influenciado pela idéia do Lobão. Venho tentando fazer uma ponte com alguma gravadora há quatro anos, mas não consegui nada", conta Duda, o idealizador e líder da banda, que decidiu seguir o exemplo do roqueiro carioca, distribuindo o novo trabalho em bancas de jornais, localizadas em pontos estratégicos da capital paulista, além de algumas lojas de discos.

Outra novidade no retorno do Moleque de Rua está na capa do CD Pimenta Malagueta amostras de 30s, que sai encartado com uma pequena revista: agora o nome de Duda vem estampado junto com o nome da banda. "Quando me vi sozinho, depois de liderar o grupo e ter feito tanta coisa na Europa, senti um vazio enorme", conta o compositor e guitarrista, lembrando que, logo após a dissolução, o barracão em que o grupo ensaiava, no bairro de Vila Santa Catarina, na Zona Sul paulistana, começou a ser procurado por dezenas de garotos pobres, interessados em substituir os anteriores.

"Percebi que não podia abandoná-los, porque o trabalho com o Moleque de Rua é a minha cara, mas eu não podia fazer tudo igual de novo. Decidi assumir uma carreira em que eu não tenha só a visão de agente social. Também quero falar do meu eu interior, do amor que eu sinto pela minha esposa", diz Duda, hoje com 40 anos, que acabou se casando na Europa com a inglesa Louise Robbins, produtora de um centro cultural francês.

Essa nova face da banda aparece em algumas faixas do álbum, como a balada-soul O Porto (de Duda e Oswaldo Gregário) e a romântica O Primeiro Beijo, canção inspirada no namoro de dois integrantes da banda. "Tomei um choque, quando vi um garoto e uma menina do grupo se beijando na boca, na porta do nosso barracão de ensaio. Na mesma hora lembrei do meu primeiro beijo. Essa música nasceu de uma vivência pessoal, mas também da observação do grupo", considera o compositor.

Ainda indignados
Mas não faltaram também os característicos sambas e raps da banda, como Esmola, que exibe uma letra carregada de inconformismo. "Essa música nasceu num momento de indignação muito grande. Quando chegamos no Brasil, vimos um monte de trabalhos sociais que usavam a mesma estética da gente, mas com outro objetivo", conta Duda, dizendo que fica incomodado com a instrumentalização desse tipo de trabalho social por empresas, que o utilizam para propagandear suas marcas.

"Conversamos sobre isso e os moleques lançaram os olhos arregalados para cima de mim. Essa raiva subiu e eu fiz a letra", diz, contando como nasceu o refrão "enfia essa esmola no c*". "Eu tive o privilégio de chegar à universidade, mas nasci na periferia. A relação com esses garotos tem que ser de solidariedade. São duas pessoas que interagem e se educam entre si", ensina o ex-bancário, que nos últimos anos ganhou a vida coordenando oficinas de percussão para crianças carentes.

A crise que encerrou a primeira fase do Moleque de Rua começou ainda na Europa, onde o grupo viveu e tocou por mais de dois anos, no total, durante o período 1993-1996. "Os moleques ficaram iludidos com a história do pagode. Eles achavam injusto ver caras que tocavam muito menos que eles tendo mais projeção", conta Duda, lembrando que tentou demover os garotos da idéia de se dedicarem ao pagode, mas os pontos de vista diferentes terminaram por rachar o grupo.

Além de Duda, da formação anterior só restaram o guitarrista Oswaldo Gregório e o baixista Carlinhos Alves. Gargamel virou baterista freelance e hoje dirige a bateria de uma escola de samba. Felipe saiu para tocar com os sambistas Arlindo Cruz e Sombrinha. Caio montou o grupo de samba Força de Expressão, que não chegou a decolar comercialmente. Bombinha e Jelo coordenam um projeto de percussão com crianças de rua, na cidade de São Bernardo do Campo. Pelé, justamente o mais talentoso dos garotos da primeira formação, segundo Duda, envolveu-se com crack e atualmente cumpre pena de detenção.

A nova formação conta com sete "moleques" percussionistas, além da garota Pâmela. A banda já tem convites para voltar a tocar na Alemanha, na França e na Itália, em 2002, mas Duda pensa desta vez em restringir mais o tempo em que o grupo passará fora do país. "Prefiro que a gente ganhe menos, mas construa uma estrutura aqui no Brasil. Passar tanto tempo fora deu uma visão de mundo muito ampla para os moleques, mas existe um abismo entre a Vila Santa Catarina e a Europa", argumenta.

O CD Pimenta Malagueta estará à venda a partir da próxima semana, ao preço de R$ 10 em cerca de 100 bancas de jornais da cidade de São Paulo, além das lojas Fnac, Baratos Afins e Music House. A relação com os endereços desses pontos de venda poderá ser encontrada no site da banda. O lançamento oficial do disco acontece dia 22, em show do Moleque de Rua, na Choperia do Sesc Pompéia, em São Paulo.