O pagode recuperado para a era digital

Zeca Pagodinho, Jovelina, Almir Guineto, Fundo de Quintal, Jorge Aragão e outros têm seus álbuns clássicos, da fase RGE, relançados na coleção Bambas do Samba

Rodrigo Faour
03/11/2000
O sucesso que os títulos de samba obtiveram na série de coletânea Pérolas motivou a Som Livre – que neste ano incorporou definitivamente o acervo da gravadora RGE – a relançar em CD os álbuns originais dos grandes sambistas que, ao serem revelados nos anos 80, detonaram a onda do pagode. A coleção Bambas do Samba resgata os discos de Zeca Pagodinho, Jovelina Pérola Negra, Almir Guineto e Jorge Aragão de maior projeção na companhia, bem como os dois que Bezerra da Silva gravou lá nos anos 90 e, de quebra, traz de volta ao mercado toda a discografia dos grupos Fundo de Quintal e Raça Negra. O álbum Raça Brasileira, com vários intérpretes, incluindo as primeiras gravações de nomes como Zeca e Jovelina também está no pacote. Que ninguém se assuste com a embalagem. Apesar de ter uma capa padronizada com o título da série impresso num fundo vermelho e uma miniatura da capa original aparecendo na diagonal, felizmente, ao se abrir o livreto do CD, o consumidor encontra uma reprodução decente da capa original. Nem sempre os anos das edições vêm impressos no CD, mas a remasterização está muito bem feita.

Toda a onda de pagode que assola o país começou num disco de Beth Carvalho – De Pé no Chão (78) – quando a sambista descobriu a turma do bloco Cacique de Ramos. Dois anos depois, o grupo Fundo de Quintal gravava seu primeiro disco, com direito a aval da madrinha na contracapa. De lá para cá, eles acumularam 19 álbuns, 18 deles na RGE – todos relançados agora. São eles: Samba é no Fundo de Quintal (80), Grupo Fundo de Quintal (81), Nos Pagodes da Vida (83), Seja Sambista Também (84), Divina Luz (85), O Mapa da Mina (86), Do Fundo do Nosso Quintal (87), O Show Tem que Continuar (88), Ciranda do Povo (89), Ao Vivo (90), É Aí que Quebra a Rocha (91), A Batucada dos Nossos Tantãs (93), Carta Musicada (94), Palco Iluminado (95), Nas Ondas do Partido (96), Livre pra Sonhar (97), Fundo de Quintal e Convidados (98) e Chega pra Sambar (99).

O Fundo de Quintal foi inspiração para inúmeros grupos de pagode de sucesso, alguns nem tão de raiz assim, como o Raça Negra, que começou sua carreira em 83, mas só chegou aos estúdios em 91, e de lá para cá gravou 11 CDs na RGE, todos agora relançados. A maioria deles traz o nome da banda no título – à exceção de dois, gravados ao vivo. São os únicos do pacote fora da linha do samba de raiz e soam perfeitamente dispensáveis aos amantes do samba mais autêntico. Em contrapartida, todos os demais itens da coleção vão fazer a alegria dos fãs mais recentes de Jorge Aragão e Zeca Pagodinho, que poderão descobrir as gravações originais de alguns de seus primeiros sucessos.

Macumba da nega
Depois de dois discos na Ariola sem maior repercussão, Jorge – ex-integrante do Fundo de Quintal –, chegou com força à RGE, onde ficou entre 88 e 94 – fez bastante sucesso, embora não como agora, com seu disco ao vivo na Indie Records, que vendeu mais de 500 mil cópias. Há dois anos, sua extinta gravadora havia colocado no mercado uma caixa com os discos Raiz e Flor (88), Coisa de Pele (89), Chorando Estrelas (92) e Um Jorge (93). Agora, os quatro foram novamente reeditados, juntamente com A Seu Favor (90) – do hit Papel de Pão, regravado por Alcione neste ano – e Acena (94). Por sua vez, Zeca Pagodinho tem seus dois primeiros álbuns trazidos de volta ao mercado. O primeiro – homônimo, de 1986 – fez um sucesso estrondoso, parece até um greatest hits, contendo SPC, Quando Eu Contar, Casal Sem Vergonha, Judia de Mim, Brincadeira Tem Hora e até Macumba da Nega – cantada por Elza Soares em seu novo show, Dura na Queda. O segundo, Patota de Cosme (87), não teve a mesma sorte. Passou em branco.

Mel na Boca
Outro nome do cast da RGE, de grande sucesso nos anos 80, é Almir Guineto, que tem reeditados os quatro primeiros dos nove discos que gravou lá. Depois de dois LPs sem maior repercussão na K-Tel (81) e na Copacabana (82), o sambista estourou mesmo com o LP Sorriso Novo (85), cujas faixas Jibóia, Rendição e Insensato Destino foram amplamente executadas em todo o país. O mesmo aconteceu com seu álbum homônimo de 86, estourando Caxambu e Mel na Boca. Depois desses, as vendas diminuíram (já aparecia no mercado a lambada e os sertanejos para disputarem com os pagodeiros um lugar no cast das gravadoras). Mesmo assim, Perfume de Champanhe (87) e Olhos da Vida (88) – LPs de menor sucesso – também estão no pacote.

Há dois anos, morria uma diva do pagode. A pastora do Império Serrano Jovelina Pérola Negra era uma empregada doméstica e foi içada para os estúdios já quase cinqüentona. Teve tempo de gravar sete discos, seis dos quais agora relançados. Assim como o primeiro de Zeca Pagodinho, seu LP Pérola Negra (86) contém um monte de sucessos, como Pagode no Serrado, Boogie-Woogie da Favela, Menina Você Bebeu e outros. Luz do Repente (87) estourou a faixa-título, bem como o posterior, Sorriso Aberto (88). Amigos Chegados (89), Sangue Bom (91) e Vou na Fé (93) completam a lista.

Bezerra da Silva teve seu período áureo na BMG. Mas quando deixou a casa, registrou na RGE os CDs Contra o Verdadeiro Canalha (95) e Meu Samba É Duro na Queda (96) – com seus divertidos sambandidos, como Ele Cagüeta com o Dedão do Pé e Venta Nervosa. Encerrando a coleção Bambas do Samba, temos o álbum coletivo Raça Brasileira que revelou Zeca Pagodinho e Jovelina Pérola Negra, além de outros que não tiveram a mesma sorte de estourar, como Pedrinho da Flor, Mauro Diniz e a hoje sumida Elaine Machado. São desse disco os dois primeiros grandes sucessos da explosão do pagode, Feirinha da Pavuna (Jovelina) e Bagaço da Laranja (Zeca e Jovelina). Houve ainda um volume 2, também relançado, menos interessante, com nomes como Dhema, Eliana de Lima, Terra Samba, cujo grande destaque é um pot-pourri de Elza Soares (extraído de seu LP Voltei, de 1988), com Voltei, Bom Dia Portela e Malandro. Aviso à turma do samba: é bom tirar logo a grana da carteira, porque como está estampado nas caixinhas dos CDs, trata-se de uma "edição limitada".