O rock da perseverança

Depois de comer muita poeira na estrada e de alguns discos de sucesso regional, os mineiros do Tianastácia e os gaúchos do Cidadão Quem lançam discos por grandes gravadoras

Silvio Essinger
13/09/2000
Ao contrário do que reza a mitologia, a vida de uma banda de rock não é só sexo e drogas. No Brasil, principalmente, os componentes trabalho e perseverança têm se revelado tão importantes quanto o som, a imagem e a fama. Que o digam os mineiros do Tianastácia e os gaúchos do Cidadão Quem, que chegam ao mercado respectivamente com os discos Tá N4 Boa (EMI) ouvir 30se Soma (Warner) ouvir 30s. Em comum, além do fato de estarem de chegada a gravadoras multi, há um passado de muita ralação – o Tianastácia está há sete anos na estrada, o Cidadão, há dez –, alguns discos por pequenos selos no currículo – cujas músicas foram reembaladas nesses novos lançamentos – e, tragicamente, a perda de bateristas. Cadu, do Tia, se foi em 1997, de causas que a banda prefere não comentar, sendo substituído por Glauco. Já Cau Hafner, que ocupava as baquetas do trio gaúcho, morreu ano passado num acidente de paraquedismo – em seu lugar, entrou Paula Nozari, ex-Defalla. A vida, nos dois casos, seguiu seu curso e cá estão as bandas para mais um round na guerra pelo sucesso.

Muitos devem ter tido seu primeiro contato com o Tianastácia duas semanas atrás, na segunda eliminatória do Festival da Música Brasileira. A banda acompanhou o compositor José Carlos Guerreiro na canção Morte no Escadão, uma das classificadas para a final, que se realiza neste sábado. Foi apenas uma das várias etapas na árdua escalada desta banda, que mistura hard rock, folk e ritmos brasileiros. "A gente passou por todo tipo de coisa...", conta o baixista Beto Nastácia.

Em 1996, a banda lançou seu primeiro disco, Acebolado, pela Cogumelo (selo de Belo Horizonte que revelou o Sepultura). Depois de abrir alguns shows de artistas como Raimundos e Planet Hemp, lá estavam eles na edição de 1997 do Abril Pro Rock, em Recife. Parecia que a carreira do Tianatácia ia deslanchar. Mas no meio da viagem, o então vocalista André avisou que estava deixando a banda. Logo depois, morreria o baterista. Para muitas bandas, seria motivo suficiente para pendurar as chuteiras e voltar às profissões originais – no Tianastácia tem psicólogo, administrador, relações públicas, médico, dentista... Mas com os reforços de Podé e Maurinho (vocais e violões) e Glauco, o grupo foi em frente, confiando em seu público. Lançou mais um disco pela Cogumelo, Tianastácia (1998), e acumulou hits: Mestre Jonas e Fazedora de Anjos, além de Cabrobó e Imperativo (de Acebolado).

Todas essas músicas estão em Tá N4 Boa, que nasceu como um CD que seria apresentado às grandes gravadoras. A banda chegou a gravar com o produtor Marcelo Sussekind uma primeira versão cheia de samples. No meio do caminho, decidiram remixá-la para devolver a sujeira rock. Empresariados desde o ano passado por Marcelo Pianetti, da equipe do Skank, a banda resolveu apresentar às gravadoras não só o seu CD demo, mas uma fita de vídeo, que continha depoimento de Samuel Rosa, líder da consagrada banda mineira. O expediente chamou a atenção da EMI, que contratou a banda de imediato. "Nas outras gravadoras, a gente não passava nem da porta", diz Beto.

Pés no chão
De grandes gravadoras, o Cidadão Quem já tem alguma experiência a mais que o Tianastácia. Banda escolhida para abrir os shows brasileiros de Bob Dylan em 1992 ("Ele era um cara bem reservado, mas com a gente era na boa", diz o guitarrista e vocalista Duca Leindecker), ela gravou seu disco de estréia, Outras Caras, em 1993, de forma independente. Sucesso no Rio Grande do Sul, com um rock caprichado e melódico, o CD levou à contratação do Cidadão por uma grande gravadora, a PolyGram, que lançou em 1996 o seu segundo disco, A Lente Azul. A banda foi morar no Rio de Janeiro, mas nada aconteceu. Segundo Duca, o trio foi abandonado pela gravadora em meio à enxurrada do pagode e axé.

Livre da PolyGram, o Cidadão voltou para Porto Alegre e gravou, no ano passado, mais um disco: Spermatozoon, que foi bem no estado e chamou de novo a atenção de uma multi, a Warner, que chamou a banda para lançar Soma, cujo título vem justamente do fato de juntar músicas dos três discos anteriores (retrabalhadas em estúdio para eliminar os desníveis de gravação) e algumas inéditas. Será que dessa vez vai, Duca? "A gente não tem muita gerência sobre isso, mas agora o executivo da gravadora é o Tom Capone (diretor artístico da Warner e produtor de discos de Carlinhos Brown, Skank e Raimundos). Foi ótimo ter aparecido uma nova oportunidade. Agora a gente tem os pés no chão, não fica mais iludido"