O samba sincopado (e esquecido) de Germano Mathias

Cantor e compositor paulistano, que será personagem de livro, luta para sair do ostracismo e diz que se gravasse pagode estaria milionário

Tom Cardoso
28/11/2000
“Germano Mathias, às suas ordens”. É assim que o sambista paulistano atende o telefone de sua casa, localizada na Vila Brasilândia, um dos bairros mais violentos de São Paulo. Apesar da vida dura, dos poucos shows e dos raros convites para gravar discos, o autor de Minha Nêga na Janela ainda conserva a simpatia e o charme dos bons malandros. Herdeiro e hoje legítimo representante do samba sincopado - gênero em que Cyro Monteiro foi rei e com o qual João Gilberto aprendeu a dividir seu canto - , Germano luta para sair do ostracismo.

“Hoje em dia o samba, o forró, a música em geral, está tudo muito ruim. O público quer ouvir pagode, dançar, não tem mais paciência para ouvir um samba sofisticado como o meu”, lamenta o cantor, que espera o ano que vem iniciar dois grandes projetos: um disco em parceria com o compositor Elzo Augusto e outro só de cocos e emboladas, “para o público nordestino matar saudades de Jackson do Pandeiro, o maior de todos os cantores”, diz Germano.

Atualmente não existe um só disco de Germano Mathias nas lojas, o que chega a ser constrangedor para alguém que tem mais de 40 anos de carreira e dezenas de LPs e compactos gravados. “O Germano já fez muito sucesso, principalmente no começo dos anos 60, quando era um dos astros da gravadora Odeon. Brilhou interpretando sambas de Zé Keti (Malvadeza Durão) e de Nelson Cavaquinho (História de um Valente)”, diz o escritor e advogado Caio Silveira Ramos, que está preparando um livro sobre a malandragem paulista, com Germano como principal personagem, ao lado de Caco Velho e Jorge Costa.

Com o título de Barra Funda, Bacanaço e Outros Desabrigos, a obra será lançada pela Editora Vitale e contará de forma romanceada a vida do “catedrático do samba”, um dos epítetos favoritos de Germano Mathias. Nascido no bairro do Pari, em 1934, o cantor conviveu com grandes nomes do samba paulista e carioca e sempre levou uma vida simples, sem luxo. Foi expulso do exército, teve várias mulheres e nunca abandonou o samba que aprendeu com malandros engraxates da Praça da Sé, no início dos anos 50.

“Se eu gravasse pagode estaria milionário, garante Germano. “Mas prefiro ser fiel ao meu estilo, ao velho e bom samba sincopado. Para a molecada de hoje eu não passo de um vendedor de cebolas. Fazer o quê? Deus quis assim”, conforma-se o cantor, que atualmente sobrevive fazendo shows esporádicos, a maioria pelo Sesc, financiados pelo Estado. Recentemente, trocou um show numa escola particular da Zona Norte por uma bolsa de estudo de um ano para o neto.

Germano Mathias pode ser ouvido em raras coletâneas lançadas no mercado, como o primeiro volume da História do Samba Paulista I (CPC-Umes). Espera-se agora por um volume dedicado à sua obra na série Raizes do Samba (EMI). O sambista conta que ficou feliz ao saber que numa nova coletânea de Gilberto Gil (a E-Collection, da WEA), seu disco feito em parceria com o baiano em 1978 (Antologia do Samba-Choro), seria reeditado. Frustou-se ao perceber que nenhuma das seis músicas da coletânea tinha sua participação. “Já estou acostumado, é assim mesmo”, resigna-se.