O showman

Ícone da bossa nova, Vinicius teve na música popular o trampolim para a consagração, graças às escolhas acertadas que fez de seus parceiros

Nana Vaz de Castro
07/07/2000
É público e notório que a primeira música que leva a assinatura Vinicius Moraes (sem o "de") é o fox Loura ou Morena, composta em 1932 em parceria com o amigo Haroldo Tapajós. Depois de algumas investidas musicais com Haroldo e seu irmão Paulo, Vinicius só foi se meter com música outra vez em 1953, quando fez Quando Tu Passas por Mim ao lado de Antônio Maria.

Em seguida, Vinicius foi para a França em missão diplomática, onde ficou até 1957, voltando no entanto brevemente em 1956, quando montou a peça Orfeu da Conceição (escrita dois anos antes). Na busca de um parceiro para musicar essa montagem conhece Tom Jobim, iniciando a parceria mais fecunda da bossa nova. No início dos anos 60, surgem Carlos Lyra e, mais tarde, Baden Powell na vida do poeta, completando a sua "Santíssima Trindade".

Cada um deles trouxe uma bagagem diferente, acrescentando diversos elementos musicais nas letras que Vinicius colocava. Tom traz consigo o espírito do pianista "da noite", ligado ao jazz, às harmonias requintadas, às aulas com o mestre dodecafônico Koellreuter. Além dos fundamentos da bossa nova (Garota de Ipanema, Chega de Saudade etc.), os dois criam outras obras-primas como Água de Beber, O Morro Não Tem Vez, Olha Maria (parceria a três, com Chico Buarque), Lamento e muitas outras.

Carlinhos Lyra foi o mais singelo e lírico, autor de bossas para o musical Pobre Menina Rica (A Primavera, Sabe Você) e de outras canções francamente românticas, como Você e Eu, Coisa Mais Linda e Minha Namorada.

Baden Powell fecha a trinca logo depois de Lyra. Por volta de 1962 Baden e Vinicius começam a compor juntos. O violonista, um virtuoso inovador no instrumento, aproxima o poeta e diplomata de terrenos musicais mais próximos à tradição africana, principalmente na antológica série de afro-sambas que inclui Canto de Ossanha, Canto de Xangô, Samba de Oxóssi e Canto de Iemanjá. Mesmo outras composições como Berimbau, Samba da Bênção, Samba em Prelúdio e Formosa levam a poesia de Vinicius para o terreno do ritmo, do violão sincopado, quase rasgueado, de Baden.

Até Bach virou parceiro
O quarto parceiro, o jovem Toquinho, 33 anos mais novo, deu novo fôlego à produção musical de Vinicius nos anos 70, época em que os outros parceiros já tinham tomado outros rumos e na qual o diplomata, então compulsoriamente aposentado, podia dedicar-se a excursionar pela Europa e América Latina acompanhado de Toquinho e novas intérpretes como Maria Creuza, Marília Medalha, Clara Nunes e Joyce. Da relação quase paternal que existiu entre os dois saíram belas canções como Mais um Adeus, Tarde em Itapuã, Regra Três, paródias como A Tonga da Mironga do Kabuletê e até um infantil, o especial A Arca de Noé, que embalou uma geração no início dos anos 80.

Toquinho foi o parceiro mais próximo nos últimos anos de vida do poeta. Na noite de 8 para 9 de julho de 1980, os dois estavam acertando detalhes da Arca de Noé. O poeta morreu em seus braços, estabelecendo uma ligação para o resto da vida do jovem Toquinho.

A lista de parceiros de Vinicius é extensa. Passeia pela raiz do choro, com Pixinguinha, pelo samba-canção do veterano Ary Barroso (Rancho das Namoradas), pelas melodias inspiradas de Chico Buarque (Valsinha, Desalento) e Edu Lobo (Arrastão). O poeta ainda compôs com Carlinhos Vergueiro (Por Que Será?, em trio com Toquinho), Moacyr Santos (Se Você Disser que Sim), Francis Hime (Sem Mais Adeus, Maria) e com o maestro Claudio Santoro (treze canções de câmara). Até parcerias póstumas inventou. Uma com o violonista Garoto (1915-1955), colocando letra em Gente Humilde em 1970. A autoria é dividida entre Garoto, Vinicius e Chico Buarque, mas sabe-se que Vinicius quis "dar" a parceria a Chico, que só fez um ou dois versos. Outro que não ficou sabendo da honra de ter Vininha como parceiro foi Johann Sebastian Bach (1685-1750). O poeta letrou Jesus, Alegria dos Homens e tascou o título Rancho das Flores.

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