O violão vadio do gênio errante
Com seu toque selvagem, que uniu a tradição do choro e samba à modernidade da bossa, Baden Powell elevou a escola brasileira do instrumento ao seu ponto mais alto
Tárik de Souza
26/09/2000
Como Jimi Hendrix na guitarra, o brasileiro Baden Powell foi uma rara unanimidade em seu instrumento, o violão. É provável que tenha sido também o melhor do mundo em sua época, mas no Brasil ele, sem dúvida, bateu no topo. Com um toque selvagem de entonação afro, uniu a tradição (Meira, Dilermando Reis, João Pernambuco) ao modernismo bossa nova, do qual fez parte sem nunca ter sido um representante ortodoxo. A ortodoxia, por sinal, nunca ponteou sua carreira imprevisível de incontáveis gravações e comportamento de saltimbanco. Como aluno de Meira e estudioso dos eruditos e depois acompanhante de cantores (a princípio como guitarrista) e solista de jazz nas boates até desaguar nas primeiras composições como o clássico precoce Samba Triste (com Billy Blanco), de 1956, e as gravações inaugurais (Apresentando Baden Powell e Seu Violão, 1959, Um Violão na Madrugada, 1961) ele sempre ostentou um repertório miscigenado de quem acostumou-se cedo a cativar vários tipos de platéias.
O indomável Baden entortou a atriz alemã Marlene Dietrich e o astro violonista francês Sacha Distel quando ambos vieram ao Rio. "Depois de ouvi-lo parecia que eu tinha umas Torre Eiffel no lugar dos dedos" declarou Distel a Dominique Dreyfus, autora da biografia O Violão Vadio de Baden Powell (Editora 34). Era apenas o prenúncio de uma carreira internacional que levaria o violonista (na contramão dos colegas da bossa que emigraram para os EUA) a uma escalada de sucesso incomparável na Europa – especialmente na França e Alemanha.
Foi o encontro com Vinicius de Moraes, no começo dos 60, que colocou um pouco de ordem na polimorfia estética do futuro parceiro. Juntos (acompanhados de engradados de uísque) compuseram temas memoráveis como Samba em Prelúdio, Apelo, Formosa, Deve Ser Amor, Labareda, Deixa, O Astronauta, Tem Dó, Só Por Amor, Bom Dia Amigo, Tempo Feliz, além de uma série de composições chamada de afro-sambas, reunidas num LP de 1966, com arranjos do maestro Guerra Peixe: Canto de Ossanha, Tristeza e Solidão, Bocochê, Canto de Xangô, Canto de Iemanjá, Tempo de Amor, Canto do Caboclo Pedra Preta, Lamento de Exu. Do disco não constam três afro-sambas iniciais, Berimbau (que popularizou em definitivo o instrumento baiano com Baden imitando sua sonoridade no violão), o sincrético Samba da Benção com seus inúmeros saravás e Consolação.
A esta altura, o instrumentista já impunha sua pegada particular que aliava uma energia de violonista flamenco, técnica densa de chorão e ritmo de quem freqüentou muita roda de samba. E trilhava uma carreira de sucesso de executante & autor através de discos como Baden Powell Swings with Jimmy Pratt ao lado do baterista da cantora Caterina Valente (1962), Baden Powell à Vontade (1963), Tempo Feliz, com o gaitista Mauricio Einhorn (1966) além da estréia internacional em Le Monde Musical de Baden Powell vol. 1 (1964). Baden compunha com outros parceiros como Lula Freire (Cidade Vazia, defendida pelo iniciante Milton Nascimento num festival de 1966 e mais adiante Feitinha Pro Poeta, em homenagem a Vinicius), mas o encontro com o letrista e poeta Paulo Cesar Pinheiro, cristalizado na parceria Lapinha, que abocanhou a I (e única) Bienal do Samba, foi outro divisor de águas. Com ele, Baden faria uma coleção de sambas de grande força rítmica como Aviso aos Navegantes, Vou Deitar e Rolar (Quaquaraquaquá), É de Lei, Falei e Disse, Refém da Solidão, Samba do Perdão e o impactante Violão Vadio, todos reunidos no LP Os Cantores da Lapinha (1970).
A parceria não ficaria nisso. Teria ainda temas como Até Eu, Cai Dentro, Pai, Mesa Redonda, Pra valer. Mas aos poucos, Baden foi abandonando o lado autoral que sacava em improvisos de temas instrumentais a cada disco para pagar dívidas em sua trajetória de gênio errante. Nos últimos anos, associado aos filhos Philippe e Louis Marcel (com que fez parcerias como Atravessado, Prelúdio Pra Mão Esquerda, Tributo ao Blues), ele enfatizou seu lado de concertista, um mestre das seis cordas que elevou a escola brasileira do violão a seu ponto mais alto.
O indomável Baden entortou a atriz alemã Marlene Dietrich e o astro violonista francês Sacha Distel quando ambos vieram ao Rio. "Depois de ouvi-lo parecia que eu tinha umas Torre Eiffel no lugar dos dedos" declarou Distel a Dominique Dreyfus, autora da biografia O Violão Vadio de Baden Powell (Editora 34). Era apenas o prenúncio de uma carreira internacional que levaria o violonista (na contramão dos colegas da bossa que emigraram para os EUA) a uma escalada de sucesso incomparável na Europa – especialmente na França e Alemanha.
Foi o encontro com Vinicius de Moraes, no começo dos 60, que colocou um pouco de ordem na polimorfia estética do futuro parceiro. Juntos (acompanhados de engradados de uísque) compuseram temas memoráveis como Samba em Prelúdio, Apelo, Formosa, Deve Ser Amor, Labareda, Deixa, O Astronauta, Tem Dó, Só Por Amor, Bom Dia Amigo, Tempo Feliz, além de uma série de composições chamada de afro-sambas, reunidas num LP de 1966, com arranjos do maestro Guerra Peixe: Canto de Ossanha, Tristeza e Solidão, Bocochê, Canto de Xangô, Canto de Iemanjá, Tempo de Amor, Canto do Caboclo Pedra Preta, Lamento de Exu. Do disco não constam três afro-sambas iniciais, Berimbau (que popularizou em definitivo o instrumento baiano com Baden imitando sua sonoridade no violão), o sincrético Samba da Benção com seus inúmeros saravás e Consolação.
A esta altura, o instrumentista já impunha sua pegada particular que aliava uma energia de violonista flamenco, técnica densa de chorão e ritmo de quem freqüentou muita roda de samba. E trilhava uma carreira de sucesso de executante & autor através de discos como Baden Powell Swings with Jimmy Pratt ao lado do baterista da cantora Caterina Valente (1962), Baden Powell à Vontade (1963), Tempo Feliz, com o gaitista Mauricio Einhorn (1966) além da estréia internacional em Le Monde Musical de Baden Powell vol. 1 (1964). Baden compunha com outros parceiros como Lula Freire (Cidade Vazia, defendida pelo iniciante Milton Nascimento num festival de 1966 e mais adiante Feitinha Pro Poeta, em homenagem a Vinicius), mas o encontro com o letrista e poeta Paulo Cesar Pinheiro, cristalizado na parceria Lapinha, que abocanhou a I (e única) Bienal do Samba, foi outro divisor de águas. Com ele, Baden faria uma coleção de sambas de grande força rítmica como Aviso aos Navegantes, Vou Deitar e Rolar (Quaquaraquaquá), É de Lei, Falei e Disse, Refém da Solidão, Samba do Perdão e o impactante Violão Vadio, todos reunidos no LP Os Cantores da Lapinha (1970).
A parceria não ficaria nisso. Teria ainda temas como Até Eu, Cai Dentro, Pai, Mesa Redonda, Pra valer. Mas aos poucos, Baden foi abandonando o lado autoral que sacava em improvisos de temas instrumentais a cada disco para pagar dívidas em sua trajetória de gênio errante. Nos últimos anos, associado aos filhos Philippe e Louis Marcel (com que fez parcerias como Atravessado, Prelúdio Pra Mão Esquerda, Tributo ao Blues), ele enfatizou seu lado de concertista, um mestre das seis cordas que elevou a escola brasileira do violão a seu ponto mais alto.