Originalidade apesar das dificuldades

Devotos e Via Sat driblam a falta de dinheiro com garra e um som que mistura influências diversas, tanto universais quanto regionais

Silvio Essinger
11/08/2000
Banda punk (gênero que era mais comum em São Paulo), nascida na favela recifense do Alto José do Pinho (área sofrida, onde hoje convivem bandas dos mais variados gêneros pop-rock, como o Faces do Subúrbio, de rap), o Devotos festeja o seu segundo disco (lançado pela Rock It!) por razões bem óbvias. "Esse CD está em todo canto. O da BMG (o disco de estréia, Agora Tá Valendo, de 1997) era pé de cobra", diz o baixista e vocalista Cannibal. Depois de 12 anos de batalha (à margem do mangue beat), só agora o trio (completado pelo guitarrista Neilton e o baterista Celo) começa a colher dos louros: em outubro, vai a Lisboa, para tocar em festival dos 500 anos do Descobrimento no Parque das Nações.

É a primeira vez que os músicos saem do Brasil. Contatos diversos foram feitos, mas ainda não foi fechado nenhum contrato com selos estrangeiros para lançamento do disco. De qualquer forma, os Devotos receberam recentemente uma carta com elogios do dono da gravadora punk americana Alternative Tentacles: ninguém menos que Jello Biafra, vocalista da lendária banda de San Francisco Dead Kennedys.

Cannibal conta que em Devotos a banda buscou manter a energia do primeiro disco, mas mostrando as outras influências sonoras que não estavam tão evidentes. "Bom que o Dado (Villa-Lobos, guitarrista da Legião Urbana, dono da Rock It! e produtor do disco) entendeu nossa intenção", diz. Quem conhece os Devotos vai se surpreender de cara com Meu País, uma balada pesada. "Sempre gostei de melodia. Só que não achava que tivesse condição de se fazer punk rock melódico", conta Cannibal. Já A Vida Que Você Me Deu mistura punk hardcore com reggae – fórmula que o baixista foi pegar dos americanos do Bad Brains. E teve até uma regravação de Selvagem, dos Paralamas do Sucesso, com participação vocal do próprio líder da banda homenageada, Herbert Vianna. "A letra fala de uma coisa que acontece até hoje. A gente quis fazê-la mais pesada, mas sem tirar o lance do reggae", diz Cannibal

A mudança do nome só para Devotos, segundo o baixista, foi para poder entrar em programas de TV e rádios que antes não abriam espaço, "furando o bloqueio das bandas de pagode". Mas foi a única concessão: as letras continuam fortemente políticas, denunciando a pobreza e o caos social no país – só que de forma muito mais punk que o Mundo Livre. "Dá para se contar nos dedos [as bandas que ainda escrevem letras contestadoras]", alerta Cannibal. "Desde 1988 a gente vem fazendo isso. A motivação política política é mais forte do que a música."

Música de rua
Outra banda de Recife que enfrentou muitas dificuldades mas seguiu em frente foi o Via Sat. "A musicalidade em Pernambuco é muito grande, mas não rola grana", conta o vocalista Pácua. Foram sete anos apurando o som e juntando dinheiro até que a banda conseguisse chegar ao disco de estréia, Via Sat, que está sendo editado pela Morango Music (contatos com André Duarte nos telefones 81 439 8592 / 9963 7545). O isolamento, conta Pácua, dificultou as coisas para a banda, destaque no festival pernambucano Abril Pro Rock. "Até hoje a gente não tocou nem no Rio nem em São Paulo", diz.

Apesar de ter nascido de ex-integrantes do Lamento Negro (que, além de acompanhar Chico Science, deu para o Nação Zumbi os percussionistas Gilmar Bola 8, Toca Ogã e Gira), o Via Sat não é mangue beat. "Só o Nação é mangue", diz Pácua. O negócio da banda é música de rua. Tem o soul, o funk e o rap do Nação Zumbi. Só que o Via recorre mais ao frevo que ao maracatu e incorpora a batida eletrônica do jungle, além de ter uma estética musical mais aberta. Maureliano, percussionista do Via Sat, constrói seu próprio jogo de tambores. "A idéia é usar essas percussões com ritmos universais", diz Pácua.

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