Os dez anos dos grandes marcos do mangue beat
Há uma década, eram lançados Da Lama ao Caos (Chico Science) e Samba Esquema Noise (mundo livre S/A)
Marco Antonio Barbosa e Mônica Loureiro
03/09/2004
Há alguns anos, em Recife (PE), Fred Rodrigues Montenegro se encantava
com Jorge Ben e sua mistura de samba, rhythm'n'blues e baião. Ainda
adolescente, foi convidado para tocar guitarra. Seu primeiro grupo, ainda
no início dos anos 80, chamava-se Trapaça. Influências de bandas
paulistas provocaram o surgimento de uma segunda banda, a Serviço Sujo,
em cuja formação Fred atendia pelo codinome "Rato". Em 1984, dos restos
das bandas punks, surge o mundo livre S/A e seu codinome definitivo: Zero
Quatro.
Enquanto isso, na mesma cidade... Francisco de Assis França era daqueles músicos que não estudaram em conservatórios, mas que ouviam de tudo. Freqüentava bailes funk e seus ídolos eram James Brown, Grandmaster Flash e Kurtis Blown. Nos anos 90, Francisco, ou melhor, Chico Science, descobriu o Lamento Negro, um grupo de samba-reggae. Impressionado com o som, chamou dois colegas do Loustal, sua banda anterior de hip hop e funk, para formar, o Chico Science e Lamento Negro no início de 1991.
Aí, começa a história...
No início da década de 90, Zero Quatro, Chico Science e amigos em comum - entre eles futuros integrantes da Nação Zumbi - se encontravam com regularidade. Foi este convívio que deu origem ao movimento que ficou conhecido como mangue beat, que está completando 10 anos de chegada ao mercado fonográfico. Em 1994 foram lançados os discos Da Lama ao Caos , de Chico Science & Nação Zumbi (selo Chaos/Sony Music), e Samba Esquema Noise , do MLS/A (selo Banguela). O famoso manifesto dos "Caranguejos com cérebro" foi escrito por Zero Quatro. Segundo o jornalista e escritor Renato L, o texto era, na verdade, um release, um "book do mangue" para acompanhar os shows. Quando chegou à imprensa, passou a ser considerado um manifesto.
Talvez eles não imaginassem que aquele texto, utópico, iria mudar a cara da música pernambucana e elevar o estado nordestino a um dos mais criativos e efervescentes da cultura brasileira. Passada mais de uma década, o mangue beat continua influenciando novas gerações com seu som e sua ideologia.
Comemorações e lançamentos
Para comemorar os 10 anos do mangue, está sendo organizada uma exposição com acervo de Chico Science, que morreu em fevereiro de 1997 em um acidente de carro. Passada a morte do vocalista, a banda Nação Zumbi ficou parada por um tempo e voltou, com Jorge Du Peixe nos vocais. Estão sendo preparados ainda para este ano o lançamento de um livro alusivo à data e ao movimento, seminários e um grande show. Em setembro, no entanto, a banda lançará seu primeiro DVD. "É uma síntese de nossos 10 anos, como uma carteira de identidade da Nação Zumbi. O show foi gravado em dezembro no DirecTV Hall em São Paulo. Tem extras, cenas de nossa turnê na Europa em 2002, além de um documentário dissecando a banda e que também esclarece mais sobre a cultura popular pernambucana", conta o guitarrista Lúcio Maia.
Já o mundo livre S/A (MLSA) ganhará, também no próximo mês, via Deck Disc, uma caixa reunindo seus quatro primeiros discos (eles estão no mercado com o quinto, O Outro Mundo de Manuela Rosário) e um DVD, com direito a um livreto sobre a banda e que inclui fotos dos músicos, excursões, etc. "O DVD bônus tem clipes e participações especiais. A caixa virá simultanemante à comemoração dos 10 anos da chegada dos `caranguejos com cérebro' ao mercado fonográfico. Estamos também com outro projeto, que começamos a ensaiar este ano, voltado para o mercado externo, mas sobre o qual ainda não posso dar detalhes", conta Fred Zero Quatro, líder do MLSA, formado por mais Bac, Xef Tony, Areia e Marcelo Pianinho.
"Parada conceitual"
Na opinião de Lúcio Maia, da Nação Zumbi, o mangue beat foi "uma parada mais conceitual, com aquele intuito de `faça por você mesmo'. Deu uma perspectiva legal pra molecada e acabou transformando Pernambuco em um novo pólo musical". E para quem acha que o movimento esfriou, o músico lembra que, se não há nenhuma banda vendendo milhões, Recife ainda é a cidade que mais "exporta" bandas para festivais europeus. "É uma forma de compensar a falta de apoio", diz.
Zero Quatro, do mundo livre, percebe influências do movimento até hoje nas novas gerações de músicos. "Se pelo Brasil afora a gente percebe a referência ao mangue, em Pernambuco é muito mais claro, óbvio. Porém muito mais forte no pessoal daqui é a vontade de fugir da padronização. Diferente do que acontece em Salvador, onde o que está dando certo é o que se segue, é tudo pasteurizado. Aqui é uma coisa quase doentia cada um optar por sua própria linguagem. Então, a gente não se preocupa se o fulano que está surgindo vai ter esta ou aquela referência. O legal é essa diversidade", elogia.
Ao que Lúcio completa: "A atitude influenciou mais. O mangue foi um gancho para o nosso movimento sair de Recife. Hoje, vejo mais como uma cena produtiva, não só na música, mas nas artes plásticas, no grafite e no cinema".
Público com auto-estima Se o mangue mudou a cara das bandas, também deu uma reviravolta também no público local: "É interessante ver que houve uma grande mudança de postura dos recifenses. Se antes se valorizava as coisas que vinham de fora, agora é o contrário. O pessoal faz questão de pagar os shows, os festivais e valorizar as bandas locais. É muita auto-estima", analisa Zero Quatro.
Lúcio observa outra característica importante: "Hoje é muito fácil encontrar em Recife ensaios de blocos de maracatu. Há 10, 15 anos, era uma cena mais restrita ao Carnaval. O Brasil é conduzido pelos meios de massa, então é muito difícil furar o bloqueio. Essa movimentaçao cultural fez com que as pessoas sobrevivessem, porque Recife começou a consumir. Agora, vemos playboys indo à sambadas de maracatu. Esse quadro se estendeu à política, os governantes atuais enxergam mais seriamente a questão cultural".
A Nação Zumbi está em meio à turnê de seu disco homônimo, lançado em 2002. "Houve um grande hiato entre lançamento do disco e o show de lançamento - foram uns seis meses até ir para a estrada. Agora estamos em pleno trabalho, mas iremos no mês que vem ao Rio para um show no Circo Voador. Disco novo, só no próximo ano, mais ou menos na época da turnê no exterior", adianta Lúcio.
O mundo livre S/A também está rodando o País com seu quinto disco. "A gente já esperava que este disco tivesse um ritmo de assimilação lento por ser o mais conceitual de nossa carreira. Se os outros já não eram tão fáceis de digerir, este é menos ainda! Fomos consolidando o trabalho enquanto rodávamos o País e, desde o início do ano, temos percebido uma redescoberta. Apesar de que no Rio, por exemplo, a aceitação do público e crítica foi quase imediata ao lançamento", garante o vocalista Zero Quatro.
Enquanto isso, na mesma cidade... Francisco de Assis França era daqueles músicos que não estudaram em conservatórios, mas que ouviam de tudo. Freqüentava bailes funk e seus ídolos eram James Brown, Grandmaster Flash e Kurtis Blown. Nos anos 90, Francisco, ou melhor, Chico Science, descobriu o Lamento Negro, um grupo de samba-reggae. Impressionado com o som, chamou dois colegas do Loustal, sua banda anterior de hip hop e funk, para formar, o Chico Science e Lamento Negro no início de 1991.
Aí, começa a história...
No início da década de 90, Zero Quatro, Chico Science e amigos em comum - entre eles futuros integrantes da Nação Zumbi - se encontravam com regularidade. Foi este convívio que deu origem ao movimento que ficou conhecido como mangue beat, que está completando 10 anos de chegada ao mercado fonográfico. Em 1994 foram lançados os discos Da Lama ao Caos , de Chico Science & Nação Zumbi (selo Chaos/Sony Music), e Samba Esquema Noise , do MLS/A (selo Banguela). O famoso manifesto dos "Caranguejos com cérebro" foi escrito por Zero Quatro. Segundo o jornalista e escritor Renato L, o texto era, na verdade, um release, um "book do mangue" para acompanhar os shows. Quando chegou à imprensa, passou a ser considerado um manifesto.
Talvez eles não imaginassem que aquele texto, utópico, iria mudar a cara da música pernambucana e elevar o estado nordestino a um dos mais criativos e efervescentes da cultura brasileira. Passada mais de uma década, o mangue beat continua influenciando novas gerações com seu som e sua ideologia.
Comemorações e lançamentos
Para comemorar os 10 anos do mangue, está sendo organizada uma exposição com acervo de Chico Science, que morreu em fevereiro de 1997 em um acidente de carro. Passada a morte do vocalista, a banda Nação Zumbi ficou parada por um tempo e voltou, com Jorge Du Peixe nos vocais. Estão sendo preparados ainda para este ano o lançamento de um livro alusivo à data e ao movimento, seminários e um grande show. Em setembro, no entanto, a banda lançará seu primeiro DVD. "É uma síntese de nossos 10 anos, como uma carteira de identidade da Nação Zumbi. O show foi gravado em dezembro no DirecTV Hall em São Paulo. Tem extras, cenas de nossa turnê na Europa em 2002, além de um documentário dissecando a banda e que também esclarece mais sobre a cultura popular pernambucana", conta o guitarrista Lúcio Maia.
Já o mundo livre S/A (MLSA) ganhará, também no próximo mês, via Deck Disc, uma caixa reunindo seus quatro primeiros discos (eles estão no mercado com o quinto, O Outro Mundo de Manuela Rosário) e um DVD, com direito a um livreto sobre a banda e que inclui fotos dos músicos, excursões, etc. "O DVD bônus tem clipes e participações especiais. A caixa virá simultanemante à comemoração dos 10 anos da chegada dos `caranguejos com cérebro' ao mercado fonográfico. Estamos também com outro projeto, que começamos a ensaiar este ano, voltado para o mercado externo, mas sobre o qual ainda não posso dar detalhes", conta Fred Zero Quatro, líder do MLSA, formado por mais Bac, Xef Tony, Areia e Marcelo Pianinho.
"Parada conceitual"
Na opinião de Lúcio Maia, da Nação Zumbi, o mangue beat foi "uma parada mais conceitual, com aquele intuito de `faça por você mesmo'. Deu uma perspectiva legal pra molecada e acabou transformando Pernambuco em um novo pólo musical". E para quem acha que o movimento esfriou, o músico lembra que, se não há nenhuma banda vendendo milhões, Recife ainda é a cidade que mais "exporta" bandas para festivais europeus. "É uma forma de compensar a falta de apoio", diz.
Zero Quatro, do mundo livre, percebe influências do movimento até hoje nas novas gerações de músicos. "Se pelo Brasil afora a gente percebe a referência ao mangue, em Pernambuco é muito mais claro, óbvio. Porém muito mais forte no pessoal daqui é a vontade de fugir da padronização. Diferente do que acontece em Salvador, onde o que está dando certo é o que se segue, é tudo pasteurizado. Aqui é uma coisa quase doentia cada um optar por sua própria linguagem. Então, a gente não se preocupa se o fulano que está surgindo vai ter esta ou aquela referência. O legal é essa diversidade", elogia.
Ao que Lúcio completa: "A atitude influenciou mais. O mangue foi um gancho para o nosso movimento sair de Recife. Hoje, vejo mais como uma cena produtiva, não só na música, mas nas artes plásticas, no grafite e no cinema".
Público com auto-estima Se o mangue mudou a cara das bandas, também deu uma reviravolta também no público local: "É interessante ver que houve uma grande mudança de postura dos recifenses. Se antes se valorizava as coisas que vinham de fora, agora é o contrário. O pessoal faz questão de pagar os shows, os festivais e valorizar as bandas locais. É muita auto-estima", analisa Zero Quatro.
Lúcio observa outra característica importante: "Hoje é muito fácil encontrar em Recife ensaios de blocos de maracatu. Há 10, 15 anos, era uma cena mais restrita ao Carnaval. O Brasil é conduzido pelos meios de massa, então é muito difícil furar o bloqueio. Essa movimentaçao cultural fez com que as pessoas sobrevivessem, porque Recife começou a consumir. Agora, vemos playboys indo à sambadas de maracatu. Esse quadro se estendeu à política, os governantes atuais enxergam mais seriamente a questão cultural".
A Nação Zumbi está em meio à turnê de seu disco homônimo, lançado em 2002. "Houve um grande hiato entre lançamento do disco e o show de lançamento - foram uns seis meses até ir para a estrada. Agora estamos em pleno trabalho, mas iremos no mês que vem ao Rio para um show no Circo Voador. Disco novo, só no próximo ano, mais ou menos na época da turnê no exterior", adianta Lúcio.
O mundo livre S/A também está rodando o País com seu quinto disco. "A gente já esperava que este disco tivesse um ritmo de assimilação lento por ser o mais conceitual de nossa carreira. Se os outros já não eram tão fáceis de digerir, este é menos ainda! Fomos consolidando o trabalho enquanto rodávamos o País e, desde o início do ano, temos percebido uma redescoberta. Apesar de que no Rio, por exemplo, a aceitação do público e crítica foi quase imediata ao lançamento", garante o vocalista Zero Quatro.