Os gloriosos anos 80

Com seus discos lançados pelo selo americano Milestone, o Azymuth passou a década surfando na crista da onda das paradas de jazz e conquistando o respeito do público ao longo do mundo

Silvio Essinger
02/03/2001
Os anos 70 terminaram muito bem para o Azymuth. Em 78, Bertrami, Alex e Mamão acompanharam Flora Purim em uma turnê americana que foi de costa a costa. No ano seguinte, eles lançaram Light As a Feather, que com o sucesso de Jazz Carnival, abriu caminho para uma série de LPs de boa repercussão internacional pela Milestone: Outubro (80), Telecommunication (82, do sucesso Estreito de Tarumã), Cascades (de 82, um lamento pelo fim das Sete Quedas, que foram inundadas para a construção da hidroelétrica de Itaipu) e Rapid Transit (83). Apesar de sempre bem posicionados nas paradas internacionais de jazz, esses discos só saíam no Brasil por iniciativa dos músicos. "Quase decidimos morar nos Estados Unidos", conta Mamão. "Mas o máximo que a gente conseguiu ficar lá foi seis meses, em San Francisco. Não dá, a gente sempre estava indo e voltando. Aqui é que está a onda legal."

Bertrami, porém, não esconde a saudade desses tempos de grande sucesso no exterior: "Dizem que os 80 foram uma década perdida - para nós, pelo menos, não foi." Ele lembra bem de certa vez, quando o Azymuth tocou em Detroit, para uma platéia predominantemente negra - eles conseguiram a façanha de serem convincentes fazendo funk (departamento dos negões americanos) com pitadas de música brasileira. "Brasileiro quase nunca vai ver o Azymuth", fuzila o tecladista. "E houve shows em que, de brancos, só tinha nós os três."

Em 1989, porém, encerrou-se contrato do Azymuth com a Milestone. Os três foram para a Enigma Records, mas a magia não era a mesma. Logo em seguida, José Roberto Bertrami, assoberbado por seus trabalhos solo, deixou a banda - "um desquite amigável", nas palavras de Mamão -, sendo substituído por Jota Moraes, que, mais tarde deu lugar a Marinho Boffa. Ainda durante a ausência de Bertrami, por um breve período, Alex Malheiros chegou a sair do grupo, que passou a contar, provisoriamente, com o baixo de Adriano Giffoni. "Mas aí já não era mais o Azymuth", protesta Mamão. "Sair um de nós, acaba. É igual a casamento." Casamento sim, mas com muitas puladas de cerca, é claro. Na época da Milestone, cada um gravou lá seus discos solo: Blue Wave e Dreams Are Real (de Bertrami, que foram reunidos em 1999 num só CD amostras de 30s), Atlantic Forest (Alex) e The Human Factor (Mamão).

O primeiro contato com Joe Davis, segundo o baterista, se deu em 1989, quando o Azymuth se apresentou em Londres, ainda com Bertrami. "Ele disse que estava começando uma gravadora e queria que a gente estivesse nela", conta. A Inglaterra sempre foi um país especial para a banda, como revela Alex: "A gente tocou muito nos Estados Unidos, mas foi em Londres, em 1986, que a gente viu que a coisa não era brincadeira." Bertrami, por sua vez, se recorda que em Liverpool, terra dos Beatles, eles foram tratados como o "legendário Azymuth". E muito por causa do arrasador êxito nas paradas de Jazz Carnival, reconhecido como um clássico por bandas como Jamiroquai, Brand New Heavies e Incognito, que lançaram mundialmente, no começo dos 90, o chamado Acid Jazz.

"Jazz Carnival foi uma super surpresa", conta Alex. "A gente gravou a música aqui, no Brasil, sem muitas pretensões. A gente gostava de experimentar e tinha mania de gravar com percussionistas de samba - eles não entendiam, diziam 'Vamos gravar esse rock aí!' Ela era uma música instrumental em estilo discoteque na qual a gente resolveu colocar um surdo e aí rolou uma batucada. Foi uma fusão legal que os estrangeiros entenderam, mais até do que eles entenderiam um artista tradicional de samba." De contatos por fax com Joe Davis, em 1994, no calor da explosão do Acid Jazz, veio o acerto para que o Azymuth começasse a gravar para a Far Out. E o melhor - com José Roberto Bertrami de volta à banda. O primeiro disco foi Carnival, seguido por Woodland Warrior e Pieces of Ipanema amostras de 30s (de 99).

Simpatia pelos remixes
Hoje em dia, o Azymuth tem tido experiências cada vez melhores com as platéias inglesas. "Em Manchester, a garotada vinha com vinis e CDs da gente debaixo do braço", conta Mamão, que incrementa os shows com um pandeiro cheio de efeitos eletrônicos. O grande hit da banda nos palcos de lá, como não poderia deixar de ser, é o Jazz Carnival. Mas também têm apelo músicas como Partido Alto, Estreito de Tarumã, Last Summer e algumas faixas de Pieces of Ipanema e de Before We Forget. De vez em quando, o Azymuth toca até Woodland Warrior a partir do remix feito pelo projeto eletrônico London Eletricity. "Ele tem uma certa riqueza", analisa o baterista. "Mas a garotada que chega para a gente diz: 'Vocês fazem coisas que o DJ aqui não faz.'"

As turnês internacionais do Azymuth, nos dias de hoje, não têm durado mais do que um mês. No começo do ano, o trio percorreu a Inglaterra e a Escandinávia (onde Marcos Valle também tem tido penetração). Daqui a três meses, ele parte para sua segunda incursão no Japão (a primeira com Bertrami). O próximo disco para a Far Out começa a ser gravado mês que vem, com produção da própria banda. Enquanto isso, os trabalhos solo proliferam. O novo do tecladista, Things Are Different, está pronto para sair pelo selo inglês. Alex também tem um, Vôo Solo, que gravou em casa, no computador - falta uma gravadora. Já Mamão (que participa com o baterista Wilson da Neves do projeto Batuque, que já tem disco lançado pela Far Out) prepara com um produtor inglês Roc Hunter (que fez programações eletrônicas para discos do Azymuth e Marcos Valle) um CD com influências de drum'n'bass. Este também sairá pelo selo de Joe Davis.

No Brasil é que a coisa não engrena. Segundo Alex, conversas com a Trama para o lançamento nacional dos discos do Azymuth para a Far Out não evoluiram. Em edição nacional, o único álbum da banda que está em catálogo é o primeiro, reeditado ano passado pela Som Livre. Uma lástima, pois quem ouvir trabalhos recentes de Ed Motta, Max de Castro, Doctor MCs e mesmo de produtores de música eletrônica, como o DJ Patife e XRS Land perceberá a permanência do som do Azymuth. "Outro dia, o Ed me chamou para cantar uma música minha de que eu nem lembrava mais", conta Betrami. Alex Malheiros está otimista: "Vai chegar a hora em que as pessoas vão entender o que o Azymuth fez." No que completa Mamão: "Se fizer uma midiazinha boa, a gente estoura de novo."

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