Os sambas da nossa terra

Coleção de seis de CDs da BMG compila os clássicos da preferência musical brasileira por categorias: do samba-enredo ao samba de breque, passando pelo samba-canção

Rodrigo Faour
21/02/2001
A coleção Sambas da Minha Terra acaba de ser lançada pela BMG. Idealizada pelo produtor Carlos Alberto Sion, ela traz seis CDs com os diversos gêneros de nosso ritmo mais tradicional. Cinco volumes são temáticos: Samba-Enredo, Partido-Alto/Pagode, Samba-Canção, Afro/Raízes e Samba de Breque/Gafieira. O sexto disco, Eu Canto Samba, reúne clássicos do gênero. O catálogo da BMG, desde o tempo em que a fábrica respondia por RCA Victor, foi muito bem explorado. De cara, os dois volumes que soam mais convidativos aos aficionados por raridades são os dedicados ao samba de breque/gafieira e o afro/raízes. Eles trazem gravações bastante interessantes e curiosas, pouco reeditadas.

O volume Samba de Breque/Gafieira amostras de 30s traz o mestre mor do gênero, Moreira da Silva, na impagável (e rara) Esta Noite eu Tive um Sonho (em Alemão) ("Saltei em Berlim/ Entrei num botequim/ Pedi pão e manteiga para mim/ O garçom me respondeu: Não pode ser não...") e no clássico Amigo Urso - ambas gravadas na era do 78 rpm, em 1941. Prova de que música boa não envelhece. Mas outros ases do samba sincopado (e de breque), como Miltinho (Teleco-teco nº2), Jorge Veiga (Acertei no Milhar) e Cyro Monteiro (Falsa Baiana) também foram escalados. O imortal Geraldo Pereira prova ser, além de grande compositor um bom intérprete em Falso Patriota e Dama Ideal - sambas pouco conhecidos.

Enquanto a BMG não faz uma compilação digna das irmãs Batista, Linda tem mais uma canção içada do limbo de seus arquivos: Stanislau Ponte Preta, de Miguel Gustavo e Altamiro Carrilho - o primeiro, um dos grandes sambistas-cronistas do gênero breque. As dobradinhas entre Jorge Veiga e Cyro Monteiro (Café Soçaite), Miúcha e Tom Jobim (Comigo É Assim) e Dicró e Moreira da Silva (Kid Morengueira) trazem charme extra ao ótimo CD.

Outro irresistível é o volume Afro/Raízes amostras de 30s, em que os sambas aparecem com suas diversas influências ancestrais. Do batuque do candomblé africano, do maxixe, do jongo, da ciranda etc. Abrindo com o pioneiro Pelo Telefone, primeiro samba de sucesso (do carnaval de 1917), na excelente versão de Martinho da Vila, o disco repesca verdadeiras relíquias, como a única gravação existente de Pixinguinha cantando (Yaô). Também chamam a atenção o Grupo da Guarda Velha (também liderado por Pixinguinha) com a instrumental Conversa de Crioulo (32), o veterano Patrício Teixeira que defende Mulata Baiana (38) e o mestre João da Bahiana (Folha por Folha), um dos bons (e pioneiros) intérpretes do samba de terreiro.

Jongos da Serrinha
Alcione dá um show na curiosa (e rara) Que Zungu (83, de Nei Lopes, toda com rimas em "u"), Roda Ciranda (84, de Martinho, com Maria Bethânia). Beth Carvalho também é responsável por uma das faixas mais interessantes de toda a coleção, uma Seleção de jongos (da Serrinha), com participação da centenária Vó Maria Joana. Até a porção afro de Jorge Ben (que nunca gravou na BMG) está presente, via Originais do Samba, com Se Papai Gira (69).

No CD Sambas-Enredo amostras de 30s figuram gravações dos últimos 30 anos, em geral. As mais antigas são Iaiá do Cais Dourado (Martinho da Vila) e Mercadores e Suas Tradições (Jamelão), ambas de 69. Há alguns sambas que não foram necessariamente enredos de escolas, como Xingu (João Nogueira), O Mestre-Sala dos Mares (João Bosco), Vai Passar (Chico Buarque), Foi um Rio que Passou em Minha Vida (Paulinho da Viola, em versão ao vivo de 97), Academia do Salgueiro e Mangueira, Estação Primeira - essas duas últimas cantadas por Alcione, seguindo um projeto iniciado por Clara Nunes em 81 (com Portela na Avenida) de homenagear a cada ano uma grande escola do Rio.

Partido-Alto/Pagode amostras de 30s reúne alguns dos maiores bambas de todos os tempos do formato, como Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Bezerra da Silva, Paulinho da Viola, Alcione, sem esquecer os veteranos Geraldo Babão (Viola de Maçaranduba) e Jamelão (na hilária Cuidado Moço) - ambas faixas raras, bem como os belos encontros de Candeia, Nelson Cavaquinho, Elton Medeiros e Guilherme de Brito (Assim Não Dá), Dona Ivone Lara e Candeia (a patriota Sou Mais o Samba), ambos do LP Os Quatro Grandes do Samba, Marquinhos Satã e o saudoso Roberto Ribeiro (no sucesso Me Engana que Eu Gosto).

Menos raros mas não menos fundamentais são os deliciosos duos de Martinho da Vila e João Nogueira (Clube do Samba, do "Melhor é viver cantando as coisas do coração/ É por isso que eu vivo no Clube do Samba/ Nessa gente bamba eu me amarro de montão...") e de Beth Carvalho com o estreante Zeca Pagodinho (83) em Camarão que Dorme a Onda Leva ("Hoje é dia da caça/ Amanhã do caçador").

Um gênero musical à parte
O Samba-Canção amostras de 30s não poderia ser esquecido e traz tanto a geração que o firmou como gênero musical na Era do Rádio, como Cauby Peixoto (Exemplo), Orlando Silva (Amigo Leal), Carmen Costa (Quase), Nelson Gonçalves (A Noite do Meu Bem), Jamelão (a cafonérrima e dramática Caixa de Ódio) e Lupicínio Rodrigues (dando uma de intérprete no clássico Esses Moços), quanto a pós-bossa nova, que recriou ou compôs outras pérolas do gênero.

Sucessos de Dalva de Oliveira são recriados por João Nogueira (Segredo) e Maria Bethânia (Errei, Sim), assim como sambas-canções mais recentes como As Rosas Não Falam (de Cartola, com Paulinho da Viola), Samba e Amor (de Chico Buarque, com o próprio) e um sofisticado Caminhos Cruzados (Tom Jobim/ Newton Mendonça), contemporâneo à explosão da bossa nova, em interpretação renovada de Gal Costa e do próprio Tom, realizada em 1992, em clima jazzy, bem cool.

Fechando a série, Eu Canto Samba amostras de 30s traz, em sua grande maioria, clássicos do gênero, irresistíveis. Das mais novas Eu Canto Samba (Paulinho da Viola, 1989) e Um Ser de Luz (tributo a Clara Nunes, com Alcione, 83) a Aos Pés da Cruz (Orlando Silva, 42), Tenha Pena de Mim (Aracy de Almeida, 37) e O X do Problema (sucesso da mesma Aracy que Maria Bethânia releu em seu primeiro LP, de 65), o CD é uma antologia bastante agradável do catálogo da BMG. Mesmo os ícones Cartola e Nelson Cavaquinho também soltam suas vozes autorais respectivamente em Tempos Idos e A Flor e o Espinho.

De quebra, há versões curiosas como a de Na Cadência do Samba (recentemente regravada por Cássia Eller) com Nelson Gonçalves, um belo dueto de Beth Carvalho com Dona Ivone Lara (o samba-homenagem Canto de Rainha, 84) e até o Caetano Veloso inicial de Samba em Paz (65), que sentenciava: "O samba vai crescer/ Quando o povo perceber/ Que é o dono da jogada/ (...) O mundo vai mudar e o povo vai cantar um grande samba em paz".