Os sucessos inesperados da diva <i>cool</i>
Doris Monteiro confessa que nunca foi boa para prever o que seria sucesso em sua carreira e que sempre contou com a ajuda de produtores como Armando Pittigliani e Milton Miranda
Rodrigo Faour
19/01/2001
CliqueMusic - Você se considera uma mulher avançada para o seu tempo?
Doris Monteiro - Muito avançada. Eu não queria ser mãe. Nunca quis ter filhos porque era apaixonada pela minha carreira. Outro ponto interessante: casei-me, mas era tão avançada que seis meses depois que descobri meu marido com outra mulher na Boate Bacará, no Beco das Garrafas, e separei-me imediatamente. Não queria saber se ia haver escândalo. O que interessava era minha felicidade, minha maneira de ser.
CliqueMusic - Como foi seu encontro com o compositor Fernando César, que lhe deu tantos sucessos, como Vento Soprando, Dó-ré-mi, Joga a Rede no Mar, Graças a Deus, Melancolia, Chorar em Colorido e outros?
Doris Monteiro - O Chacrinha, que na época se tornou meu grande amigo, sendo até meu padrinho de casamento junto com a (sua mulher) Florinda, vivia me pedindo que eu fosse à casa do Fernando César ouvir umas músicas que ele fazia. Acontece que o Fernando tinha uma fábrica de sabonete - a Carlos Pereira Indústrias Químicas, cujo nome era em homenagem ao pai dele. E essa fábrica patrocinadora do programa do Chacrinha. Então eu dizia: "Você esta querendo fazer média com seu patrocinador! Quem faz sabonete não tem sensibilidade para fazer música!" Mas o Chacrinha tanto insistiu que um dia eu fui só para me livrar das suas cobranças. Quando cheguei lá, caí do cavalo. Mostrou-me o Dó-Re-Mi, que é linda, além disso era de um astral maravilhoso, falava de coisas boas. E isso batia com meu gosto, pois eu curtia Ella, Sarah, Bill Evans, Lúcio, Dick, Os Cariocas. Por isso que identifiquei-me mais tarde com a bossa nova.
CliqueMusic - Você nunca gostou de canções com letras muito pesadas, não é?
Doris Monteiro - Sempre impliquei com Ronda, por exemplo. Só a gravei em 1992 porque a Sony fez um projeto e fiz um CD sobre o samba-canção e os diretores me falaram que essa música era uma das mais procuradas pelo público. Aquela "cena de sangue num bar da Avenida São João" é um verso que me agride. Mas as pessoas gostam, me aplaudem quando canto essa música. Aprendi, então, que às vezes você não pode ser tão radical.
CliqueMusic - O Mocinho Bonito foi o seu trampolim para a bossa nova...
Doris Monteiro - Consegui cantar e suingar um pouquinho na gravação original. O problema é que naquela época eu gravava com grande orquestra, então não dava para fazer muita coisa. A minha divisão sempre foi intuitiva. Apesar de nunca ter estudado música, sempre tive vontade de dividir diferente. Cheguei a tentar aprender piano e violão, mas desisti. O Luiz Bonfá chegou a me dar aulas de violão, mas criei bolhas nos dedos e desisti. Hoje, me arrependo de não ter tido mais perseverança. Acho que tocaria muito bem porque eu gosto do instrumento.
CliqueMusic - Quem te levou para a bossa nova?
Doris Monteiro - Foi o Alberto Pittigliani, quando me levou apra a Philips. Ele me disse justamente: "Você, que divide tão bem, tem que gravar essas músicas!". Para mim, aquilo era fácil. Eu já acompanhava João Gilberto desde o tempo em que ele cantava no Garotos da Lua, na Rádio Tupi. Quando saiu para seguir carreira solo, ia sempre no Arpège assisti-lo. Éramos amigos, mas o João é muito louco (risos). Então, quando fui gravar essas músicas, deu certo. A receptividade foi boa. Fiz um LP só de bossa nova que tenho muita pena de não ser relançado em CD no Brasil, Gostoso É Sambar, com o Walter Wanderley. Realmente, a bossa nova é universal, senti isso quando me apresentei no Japão, em 1990. Só no Brasil é que a bossa não funciona.
CliqueMusic - Outro samba sincopado marcante de sua carreira foi Palhaçada...
Doris Monteiro - Quando eu gravava na Philips, ela se situava na Avenida Rio Branco, próximo à Erasmo Braga. Um dia, ali próximo, me encontrei com o (compositor) Miguel Gustavo. Quando ele me viu, disse que eu tinha que gravar uma música que ele tinha acabado ver o Miltinho gravando num estúdio. Eu disse a ele que se o Miltinho já estava gravando, por que é que eu iria gravar também? "Mas essa música é para você!", insistiu. Então cantou a música inteirinha para mim: "Cara de palhaço/ Pinta de palhaço/ Roupa de palhaço/ Foi este o meu amargo fim"... batucando no capô de um carro, no meio da Avenida Rio Branco, num dia de verão em que fazia um calor desgraçado. Eu disse a ele que tinha gostado mas não ia gravar na memoria. Resultado: ele me fez ir até o estúdio da Philips, mostrou a música para o Armando Pittigliani, que adorou. Sabe o que aconteceu? Em 48h, o meu compacto estava na rua. Saiu na frente da gravação do Miltinho. Não houve briga porque as duas gravações foram sucesso.
CliqueMusic - Quem escolhia seu repertório, ao longo de sua carreira? Eram os produtores ou você era do tipo que batia o pé para gravar as músicas que queria?
Doris Monteiro - Sempre fui muito anti-comercial. Quase todas as músicas do meu repertório que fizeram sucesso eu gravei por imposição. Quando fui para a Odeon, o Milton Miranda era o diretor artístico, um cara espetacular. Entre as músicas que eu escolhia para gravar, ele não via nada que poderia acontecer. Então, dizia: "Você tem 12 músicas para gravar. Você é minha amiga, confia em mim? Então grave 11 que você adore e deixe só uma faixa para eu escolher." Eu concordava, é lógico. E a que ele escolhia era justamente a que fazia sucesso. Eu não queria gravar Mudando de Conversa. Porque me foi mostrada numa fita ruim, com três pagodeiros batendo num pandeiro. Aquilo era um pavor! Eu dizia: "Pelo amor de Deus, você não vai me fazer gravar isso!" E ele me acalmava, dizendo que quando eu a ouvisse com um novo arranjo, eu iria gostar. Olha, eu tinha rejeição até para aprendê-la. Mas ele insistiu, apostou comigo um almoço como essa música iria acontecer. Perdi a aposta, graças a Deus! (risos) Porque foi essa música que me levou de novo para as paradas de sucesso.
CliqueMusic - Você sempre foi uma mulher muito bonita. Como foi o assédio sobre você no decorrer de sua carreira?
Doris Monteiro - Tinha uma época que eu usava cabelo curtinho que me comparavam até a Brigite Bardot... Realmente, havia um assédio. Tive muitos problemas com mulheres enciumadas porque maridos me viam na TV e falavam: "Pára tudo para a gente ver a Doris!". Elas ficavam loucas (risos)! Uma vez estava num salão de beleza e uma mulher disse que me odiava porque o marido dela lhe disse que havia sido meu namorado. Quando ela me disse o nome, respondi que jamais havia namorado o cara. Aí, ela ficou mais furiosa. Disse que o marido dela era riquíssimo, lindíssimo e que eu era muito besta, isso sim, de negar o romance.
CliqueMusic - O que para você sempre foi mais importante na música nesses 50 anos?
Doris Monteiro - O palco para mim é uma vida. Quando subo nele sou a Doris Monteiro - só, mais nada! Meu coração bate forte, tenho taquicardia, é como se fosse a primeira vez. Minha única insatisfação é não ter mais tanto espaço para cantar na minha terra. Se o Frank Sinatra fosse daqui, estaria morando em Cabuçu, num quarto, e ninguém iria reconhecê-lo.
Doris Monteiro - Muito avançada. Eu não queria ser mãe. Nunca quis ter filhos porque era apaixonada pela minha carreira. Outro ponto interessante: casei-me, mas era tão avançada que seis meses depois que descobri meu marido com outra mulher na Boate Bacará, no Beco das Garrafas, e separei-me imediatamente. Não queria saber se ia haver escândalo. O que interessava era minha felicidade, minha maneira de ser.
CliqueMusic - Como foi seu encontro com o compositor Fernando César, que lhe deu tantos sucessos, como Vento Soprando, Dó-ré-mi, Joga a Rede no Mar, Graças a Deus, Melancolia, Chorar em Colorido e outros?
Doris Monteiro - O Chacrinha, que na época se tornou meu grande amigo, sendo até meu padrinho de casamento junto com a (sua mulher) Florinda, vivia me pedindo que eu fosse à casa do Fernando César ouvir umas músicas que ele fazia. Acontece que o Fernando tinha uma fábrica de sabonete - a Carlos Pereira Indústrias Químicas, cujo nome era em homenagem ao pai dele. E essa fábrica patrocinadora do programa do Chacrinha. Então eu dizia: "Você esta querendo fazer média com seu patrocinador! Quem faz sabonete não tem sensibilidade para fazer música!" Mas o Chacrinha tanto insistiu que um dia eu fui só para me livrar das suas cobranças. Quando cheguei lá, caí do cavalo. Mostrou-me o Dó-Re-Mi, que é linda, além disso era de um astral maravilhoso, falava de coisas boas. E isso batia com meu gosto, pois eu curtia Ella, Sarah, Bill Evans, Lúcio, Dick, Os Cariocas. Por isso que identifiquei-me mais tarde com a bossa nova.
CliqueMusic - Você nunca gostou de canções com letras muito pesadas, não é?
Doris Monteiro - Sempre impliquei com Ronda, por exemplo. Só a gravei em 1992 porque a Sony fez um projeto e fiz um CD sobre o samba-canção e os diretores me falaram que essa música era uma das mais procuradas pelo público. Aquela "cena de sangue num bar da Avenida São João" é um verso que me agride. Mas as pessoas gostam, me aplaudem quando canto essa música. Aprendi, então, que às vezes você não pode ser tão radical.
CliqueMusic - O Mocinho Bonito foi o seu trampolim para a bossa nova...
Doris Monteiro - Consegui cantar e suingar um pouquinho na gravação original. O problema é que naquela época eu gravava com grande orquestra, então não dava para fazer muita coisa. A minha divisão sempre foi intuitiva. Apesar de nunca ter estudado música, sempre tive vontade de dividir diferente. Cheguei a tentar aprender piano e violão, mas desisti. O Luiz Bonfá chegou a me dar aulas de violão, mas criei bolhas nos dedos e desisti. Hoje, me arrependo de não ter tido mais perseverança. Acho que tocaria muito bem porque eu gosto do instrumento.
CliqueMusic - Quem te levou para a bossa nova?
Doris Monteiro - Foi o Alberto Pittigliani, quando me levou apra a Philips. Ele me disse justamente: "Você, que divide tão bem, tem que gravar essas músicas!". Para mim, aquilo era fácil. Eu já acompanhava João Gilberto desde o tempo em que ele cantava no Garotos da Lua, na Rádio Tupi. Quando saiu para seguir carreira solo, ia sempre no Arpège assisti-lo. Éramos amigos, mas o João é muito louco (risos). Então, quando fui gravar essas músicas, deu certo. A receptividade foi boa. Fiz um LP só de bossa nova que tenho muita pena de não ser relançado em CD no Brasil, Gostoso É Sambar, com o Walter Wanderley. Realmente, a bossa nova é universal, senti isso quando me apresentei no Japão, em 1990. Só no Brasil é que a bossa não funciona.
CliqueMusic - Outro samba sincopado marcante de sua carreira foi Palhaçada...
Doris Monteiro - Quando eu gravava na Philips, ela se situava na Avenida Rio Branco, próximo à Erasmo Braga. Um dia, ali próximo, me encontrei com o (compositor) Miguel Gustavo. Quando ele me viu, disse que eu tinha que gravar uma música que ele tinha acabado ver o Miltinho gravando num estúdio. Eu disse a ele que se o Miltinho já estava gravando, por que é que eu iria gravar também? "Mas essa música é para você!", insistiu. Então cantou a música inteirinha para mim: "Cara de palhaço/ Pinta de palhaço/ Roupa de palhaço/ Foi este o meu amargo fim"... batucando no capô de um carro, no meio da Avenida Rio Branco, num dia de verão em que fazia um calor desgraçado. Eu disse a ele que tinha gostado mas não ia gravar na memoria. Resultado: ele me fez ir até o estúdio da Philips, mostrou a música para o Armando Pittigliani, que adorou. Sabe o que aconteceu? Em 48h, o meu compacto estava na rua. Saiu na frente da gravação do Miltinho. Não houve briga porque as duas gravações foram sucesso.
CliqueMusic - Quem escolhia seu repertório, ao longo de sua carreira? Eram os produtores ou você era do tipo que batia o pé para gravar as músicas que queria?
Doris Monteiro - Sempre fui muito anti-comercial. Quase todas as músicas do meu repertório que fizeram sucesso eu gravei por imposição. Quando fui para a Odeon, o Milton Miranda era o diretor artístico, um cara espetacular. Entre as músicas que eu escolhia para gravar, ele não via nada que poderia acontecer. Então, dizia: "Você tem 12 músicas para gravar. Você é minha amiga, confia em mim? Então grave 11 que você adore e deixe só uma faixa para eu escolher." Eu concordava, é lógico. E a que ele escolhia era justamente a que fazia sucesso. Eu não queria gravar Mudando de Conversa. Porque me foi mostrada numa fita ruim, com três pagodeiros batendo num pandeiro. Aquilo era um pavor! Eu dizia: "Pelo amor de Deus, você não vai me fazer gravar isso!" E ele me acalmava, dizendo que quando eu a ouvisse com um novo arranjo, eu iria gostar. Olha, eu tinha rejeição até para aprendê-la. Mas ele insistiu, apostou comigo um almoço como essa música iria acontecer. Perdi a aposta, graças a Deus! (risos) Porque foi essa música que me levou de novo para as paradas de sucesso.
CliqueMusic - Você sempre foi uma mulher muito bonita. Como foi o assédio sobre você no decorrer de sua carreira?
Doris Monteiro - Tinha uma época que eu usava cabelo curtinho que me comparavam até a Brigite Bardot... Realmente, havia um assédio. Tive muitos problemas com mulheres enciumadas porque maridos me viam na TV e falavam: "Pára tudo para a gente ver a Doris!". Elas ficavam loucas (risos)! Uma vez estava num salão de beleza e uma mulher disse que me odiava porque o marido dela lhe disse que havia sido meu namorado. Quando ela me disse o nome, respondi que jamais havia namorado o cara. Aí, ela ficou mais furiosa. Disse que o marido dela era riquíssimo, lindíssimo e que eu era muito besta, isso sim, de negar o romance.
CliqueMusic - O que para você sempre foi mais importante na música nesses 50 anos?
Doris Monteiro - O palco para mim é uma vida. Quando subo nele sou a Doris Monteiro - só, mais nada! Meu coração bate forte, tenho taquicardia, é como se fosse a primeira vez. Minha única insatisfação é não ter mais tanto espaço para cantar na minha terra. Se o Frank Sinatra fosse daqui, estaria morando em Cabuçu, num quarto, e ninguém iria reconhecê-lo.
Leia ainda:
|