Paralamas traduzidos em 352 páginas

Biografia oficial, assinada por Jamari França, reconta os altos e baixos dos 22 anos da banda

Marco Antonio Barbosa
22/10/2003
Dos primevos ensaios na casa da Vovó Ondina até o sofrido mas recompensador retorno com Longo Caminho ouvir 30s, no ano passado; não há aspecto importante na carreira do trio formado por Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone que tenha ficado de fora de Os Paralamas do Sucesso: Vamo Batê Lata, biografia oficial da banda lançada pela Editora 34. Escrito pelo jornalista Jamari França, o volume de 352 páginas tenta contextualizar a trajetória dos Paralamas - em muitos aspectos, o mais consistente e bem-sucedido grupo de sua geração - dentro da sempre acidentada estrada do rock nacional. E também não deixa de ser uma homenagem à força demonstrada na virtual ressurreição do grupo, após o acidente aéreo sofrido por Herbert em 2001.

A biografia oficial dos Paralamas foi posta em curso bem antes do acidente. Jamari, repórter e crítico musical atuante desde o começo dos anos 70 no jornalismo carioca, acha - com justiça - que sempre esteve ao nível do desafio. "Comecei a trabalhar neste livro no final de 1998 por convite de Tárik de Souza, coordenador da série Todos os Cantos", conta o autor. "Como acompanhei toda a geração 80 do rock Brasil desde o começo, me considerei credenciado a fazer a biografia e a banda concordou imediatamente". O trio tanto concordou, que colaborou não apenas cedendo longas entrevistas para recompor a história dos Paralamas, mas também mostrando diários, anotações pessoais, gravações caseiras e fotos de seus arquivos particulares. "Por exemplo, o João Fera (tecladista de apoio do trio desde 1986) tem anotado todos os shows, ensaios e programas de TV que fez com o grupo até hoje. Ele me cedeu uma cópia desses registros e nunca serei suficientemente grato a ele por isso", narra Jamari.

O resultado foi uma biografia muito além do protocolar registro de datas e fatos. Jamari credita a profundidade do livro ao fato de ter buscado apenas fontes de primeira mão, testemunhas da história dos Paralamas. Ele iniciou a pesquisa a partir de recortes de jornais guardados por dona Teresinha e dona Luciana, respectivamente mães de Herbert e Bi. "Elas tinham muita coisa guardada", diz. "O maior inimigo de um biógrafo é o tempo. A banda não lembrava de muitas coisas, então usei os recortes para avivar a memória deles, colhendo comentários sobre o passado".

Olhar a história dos Paralamas é olhar também as mudanças pelas quais o rock nacional - criativa e mercadologicamente falando - passou, desde o começo dos anos 80. A banda formada pelos amigos de infância Herbert e Bi começa sua pré-história ainda nos anos 70, se choca com a gênese do rock de Brasília e se cristaliza no Rio. Os famosos ensaios na casa de Dona Ondina (avó de Bi) e a substituição de Vital, o baterista original, por João Barone, foram fundamentais para consolidar a cara da banda naqueles primeiros anos. Revelados pela rádio Fluminense FM em 1982 (o livro inclui a transcrição da primeira entrevista dada pelo trio a uma emissora de rádio), os Paralamas embarcariam no boom pós-Blitz do rock carioca, sendo contratados pela EMI, onde estão até hoje.

Ao longo dos anos, o pop descompromissado e baseado em modelos importados (Police, Specials, Clash) dos primeiros discos iria ganhando cara própria. O sucesso de O Passo do Lui ouvir 30s (1984) não enclausurou a banda numa fórmula; em Selvagem? ouvir 30s, eles dariam a grande virada - influenciada por Gilberto Gil, world music e a conexão entre África, Jamaica e Bahia. Outro grande sucesso, o disco foi pioneiro, ao menos para a geração dos anos 80, na mescla entre brasilidade e pop. A fusão seguiria se aperfeiçoando em discos como Big Bang ouvir 30s e Bora Bora ouvir 30s. "Os Paralamas foram pioneiros em sua geração de uma música de fusão que passou a ser feita de maneira mais geral nos anos 90", acredita Jamari.

Os Paralamas também protagonizaram a (dita?) crise de sua geração, no começo dos anos 90, quando brigaram com a crítica e viram o apoio do público minguar; Severino ouvir 30s, disco experimental (termo refutado pela banda) e "difícil", não emplacou em 1994. A banda recupera o prestígio e amplia sua popularidade pela América Latina com os álbuns 9 Luas ouvir 30s (96) e Hey Na Na ouvir 30s (98), numa curva novamente ascendente que culmina com o Acústico MTV ouvir 30s, de 1999. Uma vez mais, a história dos Paralamas se encontra com as idas e vindas do pop brazuca, ajudando a consolidar o formato unplugged que hoje é disputado a tapas pelas gravadoras.

O trágico acidente de fevereiro de 2001 é descrito no penultimo capítulo. O dramático período que Herbert passou no hospital e sua recuperação - penosa, mas vitoriosa - são descritos, assim como o retorno dos Paralamas com o disco e turnê Longo Caminho. "Os Paralamas ainda demorarão para voltar a ser a banda que era. A recuperação do Herbert está indo muito bem e podemos ter toda a confiança de que ele voltará ao normal, mas não há prazos. Todo o livro foi estruturado a partir da realidade da banda pré-acidente, daí que muitas vezes faço a ressalva de que as coisas funcionavam assim até 4 de fevereiro de 2001", diz o biógrafo. O último capítulo, I Love Lucy, narra a história de amor de Herbert e Lucy Needham, sua esposa, que morreu no acidente de ultraleve. O capítulo estava pronto antes do acidente e Jamari França resolveu incluí-lo sem alterações. "Eu tinha esse material com a própria Lucy contando a história deles e achei importante deixar", conta. Completa a biografia uma recheada discografia, incluindo fichas técnicas, vídeos oficiais e relação de lançamentos no exterior.