Patife, nosso novo embaixador eletrônico

DJ paulistano lança segundo CD apostando no sucesso no exterior com a mistura de MPB e batidas dançantes

Marco Antonio Barbosa
18/10/2001
Música eletrônica brasileira é pura patifaria, poderia pensar - com razão - algum desavisado que soubesse que um dos principais expoentes brazucas do gênero (com presença assegurada no cenário internacional) é um patife. Não um, e sim o; é o paulistano Wagner Ribeiro de Souza, vulgo DJ Patife, o "bola da vez" do selo Sambaloco na cena mundial de drum'n'bass. O jovem discotecário está prestes a seguir os passos de um colega, amigo e conterrâneo bem mais famoso, o DJ Marky, primeiro astro brasileiro do d'n'b com status internacional. A "trapaça" que o Patife dos breakbeats está armando para isso é o álbum Cool Steps, Drum'n'bass Grooves (Sambaloco/Trama), seu segundo álbum (e primeiro como produtor e não apenas como DJ), que tem tudo para consolidar a posição privilegiada que o Brasil ocupa no cenário d'n'b inglês (leia-se mundial).

Patife é DJ há sete anos e presenciou, junto com Marky e os artistas do selo Sambaloco, o nascer e o crescer do drum'n'bass brasileiro. Em fevereiro do ano passado lançou seu primeiro disco, a compilação Sounds of Drum'n'bass ouvir 30s (Trama), reunindo suas faixas prediletas para as pistas. Com Cool Steps, Patife dá um passo maior e consolida seu nome como produtor de d'n'b. "Sou um bebê ainda nessa área de produção", diz Patife. "Comecei em 1999, ainda muito timidamente." O DJ se refere aos primeiros remixes que produziu para artistas como a cantora Fernanda Porto e Max de Castro, que formaram a base do EP Brazil - lançado na Europa este ano e que projetou o nome de Patife como nova revelação do drum'n'bass brasileiro.

Em Cool Steps, Patife investe mais no estilo que o consagrou como DJ: um d'n'b mais melódico e sofisticado, ainda que bastante dançante. Agora, com um elemento a mais: fusões com a música brasileira. Só Tinha de Ser com Você (de Tom Jobim) e Sambassim, ambas com vocal de Fernanda Porto, dão a tônica do estilo do DJ como produtor. "Desde que comecei no (selo) Sambaloco tive muito contato com músicos e compositores de verdade, gente não necessariamente ligada à música eletrônica, como o Max e a Fernanda. Daí eu resolvi ir para esse lado, mostrar que a electronica também pode ter melodia, harmonia. Não quero ser embaixador de tendência alguma - mas saquei que a galera gosta de ter o que cantar junto com as músicas. A melodia e o vocal são importantes", explica Patife. Além das faixas com Fernanda, o DJ incluiu outras produções de sua lavra (como Torch of Freedom, feita em conjunto com o inglês Cleveland Watkiss) e faixas de outros artistas, todos no mesmo clima mais melódico e relaxado.

O DJ aponta os precedentes para sua mistura sonora: "Gente como o Xerxes (do projeto XRS Land), o M4J (grupo do DJ Mau Mau) e o (produtor croata radicado no Brasil e falecido em 1999) Suba já tinham mostrado o caminho. Mas eles enfrentaram um certo preconceito. Sempre é difícil misturar coisas tão diferentes." Ironicamente, o contato de Patife com a música brasileira se deu em Londres - uma das mecas da caça a vinis raros de MPB atualmente. "Aqui é difícil encontrar os discos bons, por isso eu só fui ouvir mesmo quando viajei pela primeira vez para o exterior. Fiquei impressionado. Percebi o quanto eu cresci limitado em termos de conhecimento de MPB, porque não havia o que se escutar", fala o DJ, que agora é fã de João Gilberto e de jazz brasileiro.

Uma mudança e tanto para um cara que sempre foi ligado à música negra importada e à dance de maneira geral. "Comecei ouvindo hip hop, fui DJ de um grupo de rap (o Fatos Reais) e trabalhei em bailes com várias equipes de som", lembra Patife. "Foi em 1995 - quando eu já era amigo do Marky, que na época era só Marquinho ainda - que o drum'n'bass me chapou. Nós já gostavámos das batidas quebradas, os breakbeats, mas quando surgiu o Goldie (astro inglês do d'n'b), com um som mais melódico, aquilo foi um choque." Junto a Marky, Patife (e outros DJs como Anderson Noise e Koloral) criou a fortíssima cena drum'n'bass paulistana. "É complicado ficar falando nesses termos: 'ah, eu criei isso...'", fala o DJ, modestamente. "Mas nós batalhamos um bocado. As pessoas vinham ouvir a gente tocando e levavam o d'n'b para outros lugares, outros clubes."

Depois da compilação Sounds of Drum'n'bass, Patife resolveu assumir o desafio de criar seus próprios temas. "Não sei nada de teoria musical, estou começando a pegar noções no teclado agora", fala o DJ. "Eu tenho uma idéia para a melodia e cantarolo para os músicos que me acompanham. O (produtor e artista da Sambaloco) Mad Zoo me orienta um pouco e a gente vai indo", narra Patife, que agora se dedica a montar seu estúdio caseiro. Uma amostra do lado criativo do DJ pode ser ouvido no novo disco de Edson Cordeiro: o DJ fez bases para algumas faixas de Dê-se Ao Luxo. "Foi um caso no qual eu tive de separar meu ouvido de DJ do ouvido de produtor. O disco do Edson não é para pista, é para se ouvir em casa. Quando faço minhas próprias músicas, penso diretamente em como aquilo vai soar num clube", explica Patife.

No vácuo do EP Brazil, Patife está de malas prontas para partir à Europa. Ele já mantém uma "residência" fixa como DJ no clube londrino Movement e tem compromissos agendados em toda a Europa até o fim do ano - começando pela Espanha, onde aterrissa no dia 3 de novembro. "Atualmente venho ficando dois meses na Europa e dois meses no Brasil. Pelo menos três ou quatro vezes por semana eu ponho som em algum lugar. Só tenho tempo agora para cochilar", brinca o DJ. Ele ressalta o estouro do drum'n'bass brasileiro na Inglaterra: "Muita gente tentou entrar naquele mercado antes de nós, e ninguém conseguiu. E de lá saimos para o mundo. Já vi neguinho com cópias do Brazil compradas em Nova York, Tóquio e Budapeste." Antes de partir para o Velho Mundo, Patife ainda vai se apresentar no palco Cream do Free Jazz Festival, nos dias 27 (no Rio) e 29 (SP). "Quero fazer uma surpresa no Free Jazz. Provavelmente vou levar um ou mais vocalistas, para cantar ao vivo junto com a discotecagem", revela o DJ.

Atingido prestígio a nível mundial - ainda que num meio relativamente restrito como o da música eletrônica - Patife se diz um cara simples e nada deslumbrado (assim como Marky). "Só gosto mesmo é de ver a galera dançando, entrando na minha enquanto toco. Lutei muito para conseguir chegar onde estou - apesar de discotecar desde os 16 anos (hoje tem 25), só no ano passado pude abandonar os empregos diários para me dedicar à música. Tive uma infância díficil na periferia de São Paulo, mas sempre fui um cara feliz e satisfeito. Só preciso do básico, e o que estou ganhando agora em termos de grana é mais do que o suficiente. O importante é estar fazendo o que eu gosto e ter amigos sinceros", afirma. Um Patife gente-fina, afinal.

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