Pato Fu descarta o lado fofinho

Em seu sexto disco, Ruído Rosa, a banda de Belo Horizonte aposta num som mais sujo, que foi quase todo gravado na casa do guitarrista e acabou sendo mixado em Londres

Silvio Essinger
11/04/2001
Não é segredo: ruído rosa é aquele barulho intermitente, como o de uma televisão fora do ar, usado em testes com equipamentos de som. O que tem tudo a ver com o conceito que o Pato Fu quis imprimir a este, que é seu sexto disco em uma carreira de quase 10 anos. "Mesmo o que é mais radiofônico nele é barulhento", conta o guitarrista John. Ruído Rosa amostras de 30s é o sucessor de Isopor amostras de 30s, de 1999, o disco mais bem-sucedido do Pato Fu até hoje. A primeira música de trabalho, Depois, que trouxe a cantora Fernanda Takai num de seus momentos mais fofinhos, tocou a valer nas rádios e TVs (graças ao videoclipe mais fofinho ainda), cativando um público que muitas vezes não sabia que a banda já tinha outros quatro álbuns pelas costas.

"Depois, foram procurar o outro Depois do disco. E não tinha", recorda-se John. Mas não teve jeito: em seguida, Isopor estourou com Made In Japan (um rock retrô cantado em japonês) e a triste Perdendo Dentes. Ruído Rosa chega agora sem nada parecido com qualquer uma dessas músicas. Algumas das novas canções já estão sendo apresentadas ao vivo, mas, segundo o guitarrista, o novo show (com novo cenário) já está sendo preparado para estrear mês que vem no Rio, no palco do Canecão. "A gente não tem talento para fazer sempre a mesma coisa", reconhece John. Eis uma postura natural do Pato Fu que, segundo ele, pode não favorecer o sucesso imediato, mas é bom para a carreira num longo prazo. "A gente nunca vai vender mesmo um milhão de cópias...", desdenha.

Ruído Rosa é o primeiro disco que o Pato Fu faz inteiro em casa, no computador de John. "No Isopor, a gente ainda usou o estúdio caseiro só para fazer as demos", conta. Apenas algumas vozes e baterias tiveram que ser gravadas em São Paulo, no estúdio Dr. Dd Eletromúsica, de Dudu Marote (produtor deste, de Isopor, e do disco anterior do Pato Fu, Televisão de Cachorro amostras de 30s, de 98). Com isso, a parte brasileira do disco, segundo John, ficou mais barata, o que possibilitou que a mixagem fosse feita em Londres, no estúdio Strongroom. "O orçamento desse disco foi o mesmo do anterior", informa o guitarrista. "A gente não quer dar um passo maior que as pernas."

A experiência com Clive Goddard, técnico de som em discos de alguns expoentes do Britpop, como o Placebo e o Pulp, valeu a pena para o Pato Fu. "Os técnicos lá não são melhores que os brasileiros. Os daqui entendem tanto de compressores e noise gates quanto eles", conta John. "A diferença é que os ingleses ouviram outros sons e entendem as referências que a gente quer." Uma delas, por sinal, era a banda galesa Super Furry Animals, com a qual o Pato Fu, por acaso, andou esbarrando lá pela Inglaterra.

Estúdio ao invés de um carro
Agora que aprendeu a mexer em todos os softwares musicais com Dudu Marote ("Além do mais, adoro ler manual de equipamento", diz), John não quer outra vida. "O novo disco é todo cheio de sons vintage (de instrumentos antigos e raros), só que criados por intermédio de software. Um órgão Hammond pesa 500 quilos e o som que a gente consegue no computador é exatamente igual!" O Pato Fu continua amigo da eletrônica, como era desde o primeiro disco, Rotomusic de Liquidificapum amostras de 30s, de 1993. "Só que a eletrônica ficou mais cara", reconhece o guitarrista. "Mas mesmo assim, ainda é mais barata do que montar um estúdio analógico. Um estúdio no computador hoje custa o mesmo que um carro." Resumo da história do guitarrista: "Ao invés de comprar um carro, a gente comprou um estúdio e agora faz os discos em casa."

Ruído Rosa, como os outros discos do Pato Fu, é uma festa de referências musicais, denunciando as predileções da banda. Além dos Super Furry Animals, são reconhecíveis alguns traços de jovem guarda ("meio misturada com Beck", observa John) e outras sonoridades roqueiras sessentistas. No novo disco, a banda voltou a gravar uma música dos gaúchos da Graforréia Xilarmônica (leia biografia), Eu ouvir 30s (originalmente do disco Chapinhas de Ouro), que será a música de trabalho (em Televisão, eles haviam gravado Nunca Diga). "É uma tentação não gravar músicas da banda", conta John. "É uma pena que, tirando um segmento de público no Sul e umas pessoas bem informadas, poucos a conheçam. Roberto Carlos deveria gravá-la!"

Já na faixa Day After Day, o Pato Fu conseguiu a façanha de reunir em estúdio uma das duplas mais cultuadas do pop paulistano dos anos 80: os Mulheres Negras (leia biografia), que se desfizeram no começo dos 90. André Abujamra (que produziu o terceiro disco do Pato, Tem Mas Acabou amostras de 30s) e Maurício Pereira se reencontraram em estúdio e fizeram a festa. "Eles eram um dos totens que a gente tinha quando montou o Pato Fu. Com uma pequena tecnologia, eles conseguiam fazer um show divertido, sem músicas conhecidas", conta John. O Ira! — outro nome de força paulistana dos 80 — também é homenageado em Ruído Rosa, com uma releitura do sucesso Tolices ouvir 30s, de seu primeiro disco, Mudança de Comportamento.

Irritante comparação
A recriação mais curiosa do disco, no entanto, é a de Ando Meio Desligado, dos Mutantes ouvir 30s, feita a pedido da Rede Globo, para a abertura da novela Um Anjo Caiu do Céu. No começo de sua carreira, o Pato Fu fugia da comparação com a banda de Rita, Arnaldo e Sérgio como o diabo da cruz. "Existem coincidências, como o fato de termos sido dois caras e uma mulher [antes da entrada do baterista Xande, a banda era formada apenas por John, o baixista Ricardo Koctus e Fernanda Takai], mas os Mutantes não são a nossa influência principal", conta o guitarrista, lembrando que costumava ficar realmente irritado com as comparações.

"Hoje em dia", continua ele, "a gente é amigo da Rita Lee e o Arnaldo Baptista mandou um monte daquelas camisas que ele pinta depois que ouviu nossa versão de Ando Meio Desligado." John e Fernanda, por sinal, compuseram a faixa O Amor em Pedaços ouvir 30s para o último disco de Rita, 3001. Não foi a única cantora a gravar recentemente uma canção de John. Ana Carolina atacou de Nada Pra Mim, em seu disco homônimo de estréia, e Zélia Duncan de Todos os Dias ouvir 30s (em seu mais novo disco, Sortimento ). "Gostaria de compor mais, mas não sou muito compulsivo", lamenta John.