Paula Lima: o funk-samba-soul brasileiro em superprodução

Em seu primeiro disco solo, a vocalista-revelação do Funk Como Le Gusta realiza o sonho de reunir um elenco estelar de músicos

Silvio Essinger
12/04/2001
Quando começou a pensar em seu primeiro disco solo, a cantora paulistana Paula Lima queria um estúdio bom, um produtor legal e uns músicos bacanas. Mas É Isso Aí ouvir 30s, que chega às lojas pelo recém-fundado selo Regata, do letrista e produtor Bernardo Vilhena, acabou superando todas as suas expectativas. Gravado em alguns dos melhores estúdios do país (entre eles, o AR e o Nas Nuvens, no Rio), com produção do mais-do-que-emergente Max de Castro, participações especiais de Ed Motta, Gerson King Combo, Seu Jorge (ex-Farofa Carioca), Don Betto (do hit Pensando Nela) e Ivo Meirelles com seu Funk'n Lata, a vocalista revelada na banda Funk Como Le Gusta chega o mais próximo possível do que se poderia chamar uma superprodução do funk-samba-soul brasileiro. "É uma história de sonho", diz. "Achei que isso só fosse se realizar aos poucos..."

Aos 30 anos de idade, Paula acredita que tudo na vida tem o seu momento. "Poderia ter feito um disco solo antes", conta, confidenciando que algumas gravadoras nem a procuravam mais porque achavam que ela já estava contratada. Sua carreira começou em 1992, quando ela estava no terceiro ano de Direito na Mackenzie, e entrou para o coletivo de dança-música-atitude Unidade Móvel. Este daria origem à banda de acid jazz Unidade Bop, que lançou em 94 (com participação de Paula) o disco Quebrando o Gelo do Clube ouvir 30s . Ao mesmo tempo, a cantora participava do Grêmio Recreativo Amigos do Samba, Rock, Funk e Soul, liderado por Skowa (ex-Skowa e a Máfia). Com eles, gravou em 1993 duas faixas no disco 23, de Jorge Ben Jor: o hit Engenho de Dentro ouvir 30s e Princesa ouvir 30s. Só anos mais tarde ela reencontraria o mestre, que lhe deu a música A Paz Dançando na Avenida, que entrou em É Isso Aí.

Em 1996, Paula gravou com o grupo de Thaíde & DJ Hum um de seus maiores sucessos, Sr. Tempo Bom ouvir 30s, do disco Preste Atenção (96). Foi uma das várias participações em discos alheios (principalmente de rap) que ela faria nos anos seguintes. "Uma vez ouvi uma música e pensei: 'Nossa, essa voz parece a minha...' E era!", conta. Logo em seguida ao trabalho com Thaíde, ela entrou para a banda de funk Zomba ("Foram três anos de muito aprendizado"), que chegou a gravar um disco ouvir 30s. Nessa mesma época, conheceu o guitarrista e produtor BiD, que dava a partida no projeto Funk Como Le Gusta. "Comecei com umas canjas e acabei virando integrante fixa", conta. Paula gravou no primeiro (e até agora único) disco da banda, Roda de Funk ouvir 30s, de 1999. "Ela me deu projeção e muita experiência de improviso, de trabalhar com pessoas diferentes", diz. Num tempo vago do Funk, ela fez a sua primeira investida solo: a música Margem da Pele ouvir 30s, que entrou na recentemente lançada trilha do filme Amores Possíveis, da diretora Sandra Werneck.

Gravações em São Paulo e no Rio
Paula Lima conheceu Bernardo Vilhena ainda na época do Unidade Móvel - ele a convidou de imediato para participar, cantando sozinha, no programa de TV Companhia da Música. "Bernardo sempre teve essa vontade de me ver como cantora solo", conta. Depois de uma experiência na Trama, o produtor resolveu sair para formar sua Regata - e a primeira coisa que fez foi chamar Paula para gravar seu solo, dando liberdade para que ela escolhesse produtor, repertório e estúdios. Ela resolveu então que deveria gravar tanto em São Paulo quanto no Rio, onde havia feito amizades com músicos como Seu Jorge - que acabou entrando no disco com as músicas Tive Razão, Mangueira e Quero Ver Você No Baile (parceria com Gabriel Moura, do Farofa) -, Zé Ricardo (que viraria parceiro de Paula em É Tão Bom), Max Vianna (guitarrista, filho de Djavan e autor de Sai Daqui Tristeza) e Sandra de Sá.

Ed Motta, um ídolo que a cantora só veio a conhecer mais recentemente, abrilhantou É Isso Aí em duas músicas: Perdão Talvez (dele com Paula e Bernardo Vilhena) e em As Famosas Gargalhadas do Yuka (sua, em homenagem ao baterista do Rappa), que não tem letra, só vocalises. Outro mestre do soul brasileiro, Gerson King Combo, duetou com Paula em É Tão Bom. Na parte instrumental, um verdadeiro quem-é-quem da música brasileira. Comparecem os tecladistas William Magalhães (atual Banda Black Rio, onde tocava seu pai, o falecido Oberdan Magalhães) e Fábio Fonseca (na faixa-título, samba de Sidney Miller, já gravado por Doris Monteiro), o baixista Arthur Maia, Paulinho Guitarra, o guitarrista e cantor Don Betto (autor, com Carlos Rennó, da faixa Vem Amor), Claudio Zoli (tocando guitarra em Tive Razão e Mangueira) e o violonista de sete cordas Josimar Monteiro (no samba Cirandar, de Martinho da Vila e João de Aquino).

No meio da festa de É Isso Aí, sobrou espaço até mesmo para uma composição só de Paula, Sem Pressa. "É uma música totalmente feminina, estava encanada de colocá-la. Mas o Max e o Bernardo insistiram...", conta ela, que estudou piano dos sete aos 17 anos de idade. O processo de feitura do disco, por sinal, trouxe muitas novidades para a cantora. "Como sempre participei de bandas, era muito poupada - o trabalho de pedreiro era só dos homens. Já no meu CD participei de tudo, inclusive das mixagens e da masterização." Paula admite que, no meio do caminho, não tinha a menor idéia de como o disco iria sair. "Não fizemos pré-produção, ele foi totalmente concebido em estúdio."

Com É Isso Aí, chegou para Paula Lima a hora de assumir a música de vez. "Formei-me em Direito em 1996 e fiquei só na tendência. Minha família é supertradicional e a maior parte das minhas primas trabalha com advocacia. Ninguém queria que eu seguisse carreira como cantora", conta. "Nunca cantei na noite ou em barzinho, sempre fui mais ligada à parte intelectual da música. Tive muita sorte com as pessoas que fui conhecendo." A casa de Paula sempre foi muito musical: os pais ouviam Glenn Miller e Martinho da Vila, um tio a aplicava de Isaac Hayes e Beth Carvalho e um primo mais velho trazia Kool & The Gang e Commodores.

Mas a grande descoberta da cantora na infância foi Michael Jackson - Off The Wall é, até hoje, o seu "CD das manhãs". Já na adolescência, ela começou a ouvir samba-rock e a freqüentar os bailes do gênero. "Agora o samba-rock tá virando cult, as pessoas estão perguntando 'Que ritmo é esse?', mas para mim não era nenhuma novidade. Fico feliz de ele estar voltando com glamour total", diz. Paula assume sem problemas a reverência à old school (velha escola) da música pop brasileira: "Na música tudo se transforma, nada se cria, são apenas sete notas musicais. Mas a gente sempre acrescenta alguma coisa."