Paulo Moura: do popular ao erudito e vice-versa

Ao mesmo tempo em que lança disco com músicas de Gershwin e Jobim, o instrumentista e compositor comemora o Grammy Latino, prepara gravação de um disco só com clarineta e percussão e revela planos de escrever mais peças sinfônicas

Nana Vaz de Castro
25/09/2000
Paulo Moura é um dos monstros sagrados da música brasileira. Dono de uma biografia notável, capaz de um dia estar com a Orquestra Sinfônica de Moscou e no outro com a turma da bossa nova no Beco das Garrafas, com escala na mais típica gafieira carioca, o compositor-clarinetista-saxofonista-maestro de São José do Rio Preto (SP) não descansa. Acaba de lançar o CD Paulo Moura Visita Gershwin & Jobim (Pau Brasil), dias depois que Pixinguinha, gravado por ele com o grupo Os Batutas, com músicas não só do grande mestre do choro mas de seus contemporâneos como Donga e João da Baiana, recebeu o Grammy Latino.

Na verdade, Pixinguinha se trata da segunda gravação do mesmo repertório. "Primeiro lançamos esse disco pela Velas (recebendo dois prêmios Sharp em 97), depois excursionamos, fizemos vários shows, a música foi ficando mais livre, e aí regravamos pela Rob Digital", explica Moura, comemorando o fato de o disco (lançado lá fora pela Blue Jackel Records) figurar entre as indicações da loja virtual Barnes & Noble depois do Grammy.

Tudo bem que o prêmio recebido no último dia 13 tenha sido numa categoria no mínimo curiosa – Melhor Disco de Música Regional (ou de Raiz) –, mas não deixa de ser um reconhecimento mais que merecido por parte da crítica internacional. "O Grammy me deu muita alegria, eu acho que sempre fui uma espécie de Quixote da música instrumental, e o prêmio me deu fôlego para outros trabalhos", diz Moura.

E haja fôlego. Chega agora às lojas Paulo Moura Visita Gershwin & Jobim, gravação ao vivo de um show realizado em junho de 1998 no Sesc Vila Mariana (SP), por ocasião da inauguração do teatro. Por sinal, um teatro de 900 lugares que lotou nas oito noites em que Paulo Moura e sua banda (Jerzy Milewsky, violino; Jota Moraes, piano; Cliff Korman, teclados; Nelson Faria, violão e guitarra; Rodolfo Stroeter, baixo; e Pascoal Meirelles, bateria) se apresentaram tocando clássicos daqueles que o músico considera os dois maiores melodistas do século, dois "brancos de alma negra" (leia crítica). O intervalo de mais de dois anos entre o show e o disco se deveu, segundo o clarinetista, a problemas de direitos autorais.

Peças sinfônicas
Agora, o maestro volta suas atenções para um disco que pretende gravar ainda este ano com três percussionistas (Pascoal Meirelles, Jovi e Carlos Negreiros) e clarineta, uma formação inédita no Brasil. Ao mesmo tempo, empolgado com o fato de sua Fantasia Urbana para Saxofone e Orquestra Sinfônica – apresentada em junho no Teatro Municipal do Rio de Janeiro – estar sendo editada nos Estados Unidos, Paulo Moura se diz motivado para escrever outras peças sinfônicas. Nada mais natural para um músico que desde o início da carreira transitou com naturalidade pelos universos erudito e popular – como Gershwin e, de certa forma, Jobim.

No entanto, ainda que o reconhecimento no exterior esteja cada vez maior, no Brasil a coisa é diferente. Moura diz ter ficado no mínimo surpreso quando, no início de setembro, o Concerto Negro realizado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro não fez qualquer menção à sua atuação. "O próprio maestro Leonardo Bruno, que regeu o evento, me disse que foi inspirado no Concerto da Abolição, que eu regi no dia do centenário da Abolição, 13 de maio de 1988, e que depois apresentamos na Bahia, Rio Grande do Sul e Espírito Santo, só com músicas de compositores brasileiros negros. Por isso achei estranho não haver qualquer menção a esse trabalho", lamenta o maestro.