Paulo Vanzolini, o samba com a cara de São Paulo

Prestes a ser homenageado junto com a comemoração do aniversário da cidade, o compositor de Ronda e Volta Por Cima diz ter perdido o interesse pela música

Carlos Calado
16/01/2001
Sempre que o assunto é o samba paulista, ele é um dos primeiros a serem mencionados, como um de seus compositores mais representativos. Autor de uma obra relativamente pequena (cerca de 60 composições), mas de alto conteúdo poético, Paulo Vanzolini ficou mais conhecido por dois sucessos: o samba-canção Ronda, item essencial no repertório de qualquer intérprete da noite paulistana, e Volta por Cima, samba que dominou as rádios do país, na gravação do cantor mineiro Noite Ilustrada, em 1963.

Por essas e outras, durante a comemoração do 447º aniversário da cidade de São Paulo (no próximo dia 25), Vanzolini será homenageado no palco do Sesc Pompéia, com outros dois notáveis compositores paulistas: Adoniran Barbosa (1910-1982) e Eduardo Gudin. "Vou ficar sentado numa mesa, só para dar um apoio aos músicos. Canto muito mal e não gosto de ensaiar", avisa o paulistano de 76 anos, que no dia 27 entrará no palco, acompanhando a cantora Ana Bernardo e um regional liderado pelo violonista Ítalo Peron. "É uma turma de músicos de primeira. Eles são meus amigos e tocam minha música do jeito que eu gosto", elogia.

Dizendo-se descontente com a grande maioria das gravações de suas músicas, mesmo sem saber ler uma nota ou uma cifra de acorde, o veterano compositor ensina a fórmula que considera ser correta, com seu jeito invariavelmente franco e ácido. "Jamais interfiro nas gravações de minhas músicas, mas penso que é preciso um pouco de cara de pau para cantá-las. Quando você bota muita emoção numa letra e ainda por cima o cantor reforça isso, o negócio acaba ficando piegas, ridículo. Minha música tem que ser cantada com compostura e, principalmente, por aquele velho chorão paulista, com aquele violão de sete cordas e aquele bandolim".

Autor de sambas originais, como Cravo Branco, Mulher Que Não Dá Samba, Samba Erudito e Samba Abstrato, Vanzolini teve entre seus parceiros mais constantes os violonistas Luís Carlos Paraná, Adauto Santos e Paulinho Nogueira, além de outros eventuais, como Toquinho e Elton Medeiros. As mortes dos dois primeiros foram decisivas, segundo ele, para que seu interesse pela música diminuísse progressivamente. Sua última canção é Quando Eu For, Eu Vou Sem Pena, de 1997. Desde então, não compôs mais nada.

"Perdeu a graça, porque a música era uma coisa que eu fazia com os amigos", explica o também zoólogo Paulo Vanzolini, um dos cientistas mais respeitados do país, que apesar de ter sido aposentado compulsoriamente de seu cargo de diretor do Museu de Zoologia, em 1993, continua trabalhando religiosamente em suas pesquisas. De segunda a sábado, das 8h30 às 19h, ele pode ser encontrado nas dependências do museu, onde começou a trabalhar em 1946, como auxiliar, e que dirigiu durante 31 anos. "A música é um caso encerrado para mim", decreta o compositor paulistano.

CliqueMusic - Segundo a Enciclopédia da Música Brasileira (Art Editora/PubliFolha), seu samba-canção Ronda estaria completando 50 anos em 2001. O senhor confirma essa informação?
Paulo Vanzolini -
Não, fiz Ronda em 1945, mas ela só foi gravada em 1953. Aliás, essa gravação foi uma maluquice. A Inezita Barroso, que era muito amiga da minha mulher, estava se preparando para a carreira artística, fazendo shows em salas de visitas de gente rica. Até que o Paulo e o Alberto Ruschel, dois atores de cinema, arrumaram para que ela gravasse a Moda da Pinga. Como ela ia gravar no Rio, num sábado à tarde, minha mulher e eu fomos junto para fazer companhia. Chegando lá, perguntaram a ela que música seria gravada no lado B do disco, mas a Inezita não tinha pensado nisso. Ela sabia muitas músicas que poderia gravar, mas onde conseguiria a autorização do autor num sábado? Foi por isso que ela gravou Ronda. E ainda errou a letra na gravação.

CliqueMusic - É verdade que, apesar de Ronda ser sua canção mais popular, o senhor não gosta dela?
Paulo Vanzolini -
É uma besteira que fiz aos 21 anos. Não gosto dela porque é uma música muito piegas. Minha filha sempre fala: "Fez, agora agüenta" (risos).

CliqueMusic - Mas e o fato de Ronda ser uma das músicas mais pedidas até hoje na noite paulistana?
Paulo Vanzolini
- Acho que é a mais pedida, segundo o Ecad. Essa música escapou da minha mão, tem vida própria. Não tenho mais nada a ver com isso. Claro que eu recebo o dinheiro que entra de bom coração. Toda a minha biblioteca de Zoologia, que é uma das melhores do mundo na área de répteis e anfíbios da América do Sul, foi comprada por causa de Ronda e Volta Por Cima. O sucesso de Volta Por Cima foi mais condensado, mas Ronda continua rendendo dinheiro até hoje. Japonesa fica com dor de corno e vai ao karaokê cantar Ronda (risos).

CliqueMusic - O que o inspirou a compor essa canção?
Paulo Vanzolini
- A coisa mais engraçada é que o povo acha que Ronda é um hino a São Paulo, mas na verdade ela é sobre uma mulher da vida (risos). Naquela época, servindo o Exército, eu patrulhava o baixo meretrício. Uma noite, na saída, eu estava tomando um chope ali pela avenida São João, quando vi uma mulher abrindo a porta do bar e olhando para dentro. Imaginei que ela estava procurando o namorado. Ele pensava que era para fazer as pazes, mas o que ela queria era passar fogo nele (risos).

CliqueMusic - Por que o senhor parou de compor?
Paulo Vanzolini
- Não tenho ambição de ser compositor. Fui perdendo a vontade de fazer música depois que o Paraná e o Adauto morreram. Para mim, isso era uma coisa de rodinha. O que mais me tirou a graça foi a morte do Paraná, que era muito meu amigo. Foi uma morte imbecil, de caipira mesmo. Teve uma hepatite quando era menino, que nunca foi tratada, e aos 40 anos teve cirrose hepática. Ele nunca bebeu na vida e morreu de cirrose.

CliqueMusic - O ponto de encontro de vocês era o bar Jogral, no centro de São Paulo...
Paulo Vanzolini
- Sim, o Jogral era do Paraná, mas eu também fui fundador. Teoricamente, eu tinha 5% do Jogral. Às vezes, quando faltava o garçom, eu botava o paletó branco e até lavava uns copos (risos). O Jogral lançou dois dos maiores músicos do Brasil: Martinho da Vila e Jorge Ben.

CliqueMusic - O sr. chegou a ter alguma relação com Jorge Ben?
Paulo Vanzolini
- Sim, o Jorge é muito simpático e inteligente. Fui eu que mandei buscar o Nereu, do trio dele, no Rio. Eles queriam um pandeirista que fizesse malabarismos para formar o Trio Mocotó, então pedi a meus amigos que arranjassem alguém. Aí veio o Nereu.

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