Pedro Luís & A Parede: <i>tirando</i> a ordem da casa

Grupo lança Zona e Progresso, prossegue com seu liquidificador rítmico e abraça o Brasil após longa turnê européia

Marco Antonio Barbosa
29/10/2001
Pedro e sua Parede(clique para ampliar)
Muita gente que gosta de MPC - a dita "música popular carioca", termo que chegou a andar em voga por algum tempo - nem sequer sabe da existência de um pensador do século XIX chamado Augusto Comte. Pois foi este italiano, principal pensador da corrente filosófica conhecida como positivismo, quem cunhou a expressão "Ordem e Progresso". Por tabela, o retorno do grupo Pedro Luís & A Parede se dá na contramão do positivismo, misturando sociologia, batucada e carioquice de uma vez só e... Calma aí. Vamos por partes. Primeiro, PL&AP está lançando agora, pelo selo MP,B (com distribuição Universal), seu terceiro álbum. Intitulado... Zona e Progresso. No disco, o quinteto junta a seu habitual mix de samba, pop, funk, baião, influências afro (a lista é interminável...) uma visão de mundo diferente, advinda de uma mais do que proveitosa excursão à Europa. Mas que ninguém ache que, com ares de Velho Mundo e a bordo de um título como este, Pedro e sua turma estejam rasgando a bandeira verde e amarela. Pelo contrário: eles nunca foram tão brasileiros.

"O nome do disco foi sugestão do Mario Moura (baixista d'A Parede). Tem a ver com o tempo em que estamos vivendo agora, embora tenha sido pensado antes dessa confusão toda de terrorismo, guerra química... Estamos numa época de progresso tecnológico incrível, com uma zona incrível na cabeça da humanidade", reflete Pedro Luís sobre o possível significado oculto do título do novo disco. Mas o vocalista quebra a seriedade: "Também tem tudo a ver com o disco em si, que foi um progresso artístico para nós, mas também foi uma zona para concluir (risos)." Apesar da confusão, Pedro, Mário e os percussionistas Sidon Silva, C.A. Ferrari e Celso Alvin são unânimes em afirmar que Zona e Progresso é o disco mais amadurecido do grupo, desde a estréia em 1997, com Astronauta Tupy ouvir 30s Mas sem perder o rebolado. Sidon explica: "O disco novo chegou ao denominador comum do nosso som, que é o suingue. As músicas têm de fazer o povo dançar. Mas sem serem alienantes."

O processo "zoneado" começou por volta do carnaval deste ano, quando o grupo começou a pensar o novo álbum. "O Pedro montou um CD-R com umas 30 músicas, a maioria dele, mas com algumas de outras pessoas, umas inéditas, outras antigas. Fomos votando e as sugestões mais unânimes entraram no repertório final", lembra Celso. "Já tínhamos decidido fazer um disco este ano - temos um 'contrato' entre nós segundo o qual gravamos um disco a cada dois anos (risos)". O que não chegou a ser um sobressalto no caminho foi o desligamento do grupo da gravadora Warner, pela qual lançararam o álbum É Tudo 1 Real ouvir 30s , em 1999. "O negócio é que eles (a gravadora) fizeram a proposta de me lançar solo, sem A Parede", fala Pedro Luís. "Não dava, né? E além do mais para a gente não funcionava tanto ser contratado de uma grande gravadora, que tem interesses muito amplos, artistas muito diferentes para serem trabalhados... Acho que o caminho natural para grupos como o nosso é o de se juntar a selos independentes, que vão fazer o trabalho de 'direção artística', e as gravadoras ficam só com a distribuição." Foi daí que Zona e Progresso encontrou sua casa no selo MP, B. "O João Mario, do selo, pegou a gente de primeira. Quando soube que a gente estava procurando gravadora, ele disse: 'Não quero nem ouvir o disco antes, já assinei com vocês'", fala Pedro.

Do tal CD-R lotado de músicas, uma incrível variedade acabou chegando ao disco (gravado no estúdio caseiro do produtor Tom Capone). Tem desde Candeia (Saudação a Toco Preto, sugerida por Pedro) a uma música inédita de Lula Queiroga (Morbidance), passando por... Wando. "Tinha essa música, Nêga de Obaluaê, na lista, e todo mundo gostava da música mas a gente simplesmente não lembrava de quem era..." recorda Mario. "Nós achávamos que era do Jorge Ben, do Bebeto, sei lá. É uma obra da fase Wando A.C., ou seja, Wando Antes da Calcinha", diverte-se Ferrari. "Pois é, o Wando já foi samba-rock", diz Pedro. Canções alheias como Ciranda e Do Leme ao Leblon acabam ganhando a cara do quinteto. As criações próprias do grupo vão do samba carioca (Parte Coração) ao Nordeste ( 10 de Queixo), incluíndo até um "punk de raiz" ( Não ao Desperdício). Ligando tudo, está a potente batucada do trio de percussionistas, que incorpora sambão, maracatu, afoxé e o que mais vier.

"Somos ruins de enquadramento", fala Pedro Luís sobre o clima "tudo-ao-mesmo-tempo-agora" da mistura sonora do PL&AP. "Quero dizer, não nos restringimos só a um ritmo, a um gênero. Interagimos com os diversos estilos, com outros compositores. Vamos da escola de samba ao pop. O que importa é a música ser boa." Mario completa: "No disco novo, só uma música, Parte Coração, não tem tanta mistura de ritmos - é um samba mais tradicional. O resto é tudo embolado. Tanto que tem algumas músicas que surgem nos ensaios que, de repente, ficam malucas demais - aí a gente tem que parar, para ver onde é que aquilo vai dar." Outro dado forte que continua presente é a notória carioquice do grupo, que fez com que fossem apontados como cabeças da tal MPC (junto ao Farofa Carioca, Forroçacana, Bangalafumenga e poucos outros). Poderia a temática soar, a longo prazo, como uma camisa de força estética? O vocalista teoriza: "Já impliquei mais com este rótulo, agora nem tanto. É sempre uma coisa redutora. Mas por um lado foi bom, pois colocou luz sobre uma galera que estava produzindo muita coisa boa e trocando idéias entre si. Só que nunca houve um manifesto, ou uma organização das pessoas. Isso é coisa da imprensa."

Cariocas, mas mais universais que nunca, visto o sucesso que Pedro e A Parede fizeram em uma recente excursão à Europa. Foram 58 dias entre junho e julho, tocando em vários festivais e testando o novo repertório ao vivo. A experiência foi inestimável para a carreira da banda. "Rodamos só na França uns seis mil quilômetros, todo mundo enfiado dentro uma van", fala Mario. "Nunca tínhamos feito nada parecido no Brasil, sempre ficávamos assustados na hora de viajar; era preço de passagem, de transporte... Agora queremos aplicar este método ao nosso dia-a-dia aqui." Ferrari acrescenta: "Em dois meses, tocamos em mais cidades na Europa do que em cinco anos no Brasil. Sem contar que fizemos shows radicalmente diferentes: num lugar na França tocamos para umas vinte pessoas, e num festival na Alemanha encaramos mais de dez mil de uma vez só." Sidon conta: "Um grande momento foi quando participamos de um festival só de percussão na França. Terminamos nosso show e saimos batucando pela praça, juntando gente, e aí foi chegando mais público e mais músicos, que iam saindo de outros shows que estavam rolando... foi uma união incrível."

O passeio europeu acabou deixando Pedro Luís & A Parede com fome de bola para abraçar o país. Apesar do discurso ainda carioquíssimo. "Agora queremos correr o Brasil todo", diz Pedro. "A viagem foi ótima para abrir nossa cabeça neste sentido. Mas o interessante é que, para o povo que nos ouve, o fato de sermos cariocas não pesa em nada. Já vi gente achando que nós éramos de Minas, de São Paulo. Em Recife me elogiaram dizendo que nós éramos a melhor banda de Pernambuco!" Para confundir mais ainda a cabeça dos fãs, o grupo decidiu que o alter-ego do PL&AP, o bloco carnavalesco Monobloco, agora terá vida própria. "Vamos alternar um ano de trabalho como A Parede e um ano com o Monobloco. Foi uma forma de arrumar serviço para o Carnaval", brinca Sidon. A batucada não pode parar.