Pérolas saindo do baú afetivo de Zélia Duncan
Bancando a intérprete, cantora refaz a trajetória musical de sua vida no álbum Eu me Transformo em Outras
Marco Antonio Barbosa
16/05/2004
Cantora que sempre distinguiu de suas contemporâneas por seu trabalho marcadamente autoral, Zélia Duncan escolheu um caminho diferente para seu mais novo trabalho. Eu me Transformo em Outras traz Zélia escarafunchando sua memória afetiva, em uma espécie de disco-tributo à própria formação musical. Associada ao longo dos anos a uma sonoridade difícil de categorizar (meio pop, meio folk, com um pé na tradição mas afeita a experimentalismos), a cantora fez um álbum que, paradoxalmente, soa mais pessoal que todo o resto de sua obra.
O paradoxo se completa quando se observa a unidade que o trabalho atingiu, mesmo tendo fontes tão diversas quanto o samba-canção da era do rádio, a bossa nova e a vanguarda paulista. Muito integrada a um quarteto instrumental - Marco Pereira (violão de 8 cordas), Hamilton de Holanda (bandolim), Marcio Bahia (bateria e percussão) e Gabriel Grossi (gaita) - Zélia conseguiu, dentro do refinamento econômico dos arranjos, espaço para sua peculiar voz, numa parceria bem-tramada com a arranjadora Bia Paes Leme. Mesmo o retorno a canções muitas vezes já regravadas soa legítimo, justo por se tratar de uma reavaliação pessoal e pela já citada "organicidade" que Zélia, banda & repertório atingiram.
O grupo conseguiu cristalizar uma MPB idílica em seus delicados arranjos de cordas e percussão, tudo caindo muito bem na recriação de pérolas ancestrais como Quando Esse Nego Chega (Haroldo Barbosa), Sábado em Copacabana (Guinle/Caymmi) ou Renúncia (Roberto Martins/Mario Rossi). Mas a coisa funciona igualmente bem em paragens tão distintas quanto Dream a Little Dream (famosa com o grupo hippie The Mamas and The Papas, aqui com um belo arranjo vocal sublinhando o doce balanço da harmonia), Tô, o clássico de Tom Zé (com direito a citação de Corta-jaca, de Chiquinha Gonzaga) ou O Habitat da Felicidade (a menos conhecida do disco, composta pelo pernambucano Lula Queiroga).
Nas entrelinhas, evidenciam-se as matrizes da sonoridade que Zélia vem forjando ao longo dos anos. A paixão pela dita vanguarda paulista está na inclusão de Quem Canta seus Males Espanta (Itamar Assumpção), Capitu (Luiz Tatit) e Presente (Zé Miguel Wisnik), todas despidas de qualquer "cabecice" e resumidas às belas melodias. E também em Eu Não Sou Daqui (Wilson Batista/Ataulfo Alves), que fala à alma da niteroiense Zélia ("Eu não sou daqui / Eu sou de Niterói (...) Juro, tenho compromisso / Seu moço, preste atenção / do outro lado da Baía / empenhei meu coração"). Disco de clima leve e suave, no qual a peteca não cai nem na um tanto deslocada faixa-bônus (Jura Secreta, incluida no CD a pedido da rede Globo, que destoa da unidade sonora com seu arranjo de cordas um tanto plastificado).
O paradoxo se completa quando se observa a unidade que o trabalho atingiu, mesmo tendo fontes tão diversas quanto o samba-canção da era do rádio, a bossa nova e a vanguarda paulista. Muito integrada a um quarteto instrumental - Marco Pereira (violão de 8 cordas), Hamilton de Holanda (bandolim), Marcio Bahia (bateria e percussão) e Gabriel Grossi (gaita) - Zélia conseguiu, dentro do refinamento econômico dos arranjos, espaço para sua peculiar voz, numa parceria bem-tramada com a arranjadora Bia Paes Leme. Mesmo o retorno a canções muitas vezes já regravadas soa legítimo, justo por se tratar de uma reavaliação pessoal e pela já citada "organicidade" que Zélia, banda & repertório atingiram.
O grupo conseguiu cristalizar uma MPB idílica em seus delicados arranjos de cordas e percussão, tudo caindo muito bem na recriação de pérolas ancestrais como Quando Esse Nego Chega (Haroldo Barbosa), Sábado em Copacabana (Guinle/Caymmi) ou Renúncia (Roberto Martins/Mario Rossi). Mas a coisa funciona igualmente bem em paragens tão distintas quanto Dream a Little Dream (famosa com o grupo hippie The Mamas and The Papas, aqui com um belo arranjo vocal sublinhando o doce balanço da harmonia), Tô, o clássico de Tom Zé (com direito a citação de Corta-jaca, de Chiquinha Gonzaga) ou O Habitat da Felicidade (a menos conhecida do disco, composta pelo pernambucano Lula Queiroga).
Nas entrelinhas, evidenciam-se as matrizes da sonoridade que Zélia vem forjando ao longo dos anos. A paixão pela dita vanguarda paulista está na inclusão de Quem Canta seus Males Espanta (Itamar Assumpção), Capitu (Luiz Tatit) e Presente (Zé Miguel Wisnik), todas despidas de qualquer "cabecice" e resumidas às belas melodias. E também em Eu Não Sou Daqui (Wilson Batista/Ataulfo Alves), que fala à alma da niteroiense Zélia ("Eu não sou daqui / Eu sou de Niterói (...) Juro, tenho compromisso / Seu moço, preste atenção / do outro lado da Baía / empenhei meu coração"). Disco de clima leve e suave, no qual a peteca não cai nem na um tanto deslocada faixa-bônus (Jura Secreta, incluida no CD a pedido da rede Globo, que destoa da unidade sonora com seu arranjo de cordas um tanto plastificado).