Picassos Falsos, mas muito valorizados
Cult-band carioca dos anos 80 faz show no Rio com sua formação clássica para marcar seu retorno
Marco Antonio Barbosa
30/11/2001
O quarteto hoje (clique para ampliar) e, à esquerda, há 13 anos |
"Tínhamos esse receio, de sermos incluídos nessa onda do revival. Não é um revival, é uma continuidade natural das referências que vínhamos trabalhando quando paramos. Não é uma volta, e sim um passo adiante", afirma Humberto. Por isso mesmo, o grupo batalhou para retornar com sua formação "clássica" (Effe, Luiz "Minhoca" Romanholli no baixo, Gustavo Corsi na guitarra e Abílio Azambuja, bateria). "Esse reagrupamento dos Picassos é algo sério, que vem sendo pensado e trabalhado com vista a formar um novo repertório, um prosseguimento de carreira, e não apenas fazer meia-dúzia de shows."
Ao longo dos últimos 12 meses, o quarteto vem se encontrando para ensaiar os velhos números e as novas composições, todas assinadas apenas por Humberto. "Nos últimos anos, vim tendo contato com o Gustavo, fazendo alguns trabalhos com ele", conta o vocalista. "Começaram a surgir algumas especulações na imprensa, causadas mesmo pela onda de revival, e nós passamos a nos ver esporadicamente, a retomar a vontade de tocar... Sinto que agora temos um entrosamento musical ainda maior do que antes", revela Humberto. Os novos shows terão um repertório baseado nas canções antigas, mais quatro músicas inéditas. "Eu já tinha um certo número de canções prontas, que tinha feito por conta própria. Daí reformatei-as para os Picassos, para dar uma direção ao rumo do grupo agora. Mas posso dizer que estamos partindo do ponto onde o Supercarioca parou", diz o cantor.
Humberto refere-se ao segundo álbum do grupo, de 1988. Se no primeiro disco (Picassos Falsos, 87) a banda transitava entre o pós-punk com pendores funkeados e uma quedinha para a MPB (o hit Carne e Osso continha citações a Se Você Jurar, de Noel Rosa, e Cristina, de Tim Maia), o conceito foi explicitado no trabalho seguinte. A banda tinha pulso roqueiro fundamentado nos anos 60 - em especial o guitarrista Gustavo, discípulo de Hendrix - mas dialogava brilhantemente com os alicerces do samba carioca. O resultado era acachapante, passando do Noel soturnamente revitalizado (Marlene) ao baião injetado de ácido (Retinas); seguia com rock pesado (Sangue, Wolverine) e leve (O Homem que não Vendeu Sua Alma, Supercaricoca) e se acabava no sambinha (Rio de Janeiro).
"O Supercarioca nos eternizou", reconhece Humberto. "Foi o ápice de uma mistura que para nós era muito natural; ouvíamos Joy Division e Smiths, mas também - e principalmente, acho - Alceu Valença, Tim Maia e Luiz Melodia." O vocalista acha um modo peculiar de classificar os Picassos: "Somos uma banda de MPB, desde aquela época. Nunca me senti confortável no papel do roqueiro ortodoxo. Nossa cultura musical é a de uma geração que tinha ao mesmo tempo os Jetsons na TV, Gilberto Gil e o movimento punk."
Nos anos 90, a explosão do rock brasileiro capitaneada por Raimundos, Chico Science e outros mostrou que não havia nada de errado em mesclar tradição e pop. No fim dos anos 80, não foi bem assim. "Sinto-me bem ao saber que realizei uma obra que conseguiu dizer algo para as pessoas, apesar da frustração comercial", fala Humberto. Ele refere-se ao naufrágio comercial de Supercarioca, incompreendido pelas rádios num momento que calhou de ter também (mais uma) grave crise econômica no país. Sem retorno comercial - e dispensado do selo Plug, gerido pela BMG - o grupo se dispersou, apesar dos aplausos da crítica. Mas a "lenda" cresceu, assim como o número de grupos novos que, inconscientemente ou não, repisavam os passos dos Picassos.
"Não somos arrogantes a ponto de dizer que 'inventamos' essa coisa de rock misturado com outros ritmos. Para nós, era só a ansiedade de buscar sons novos. É claro que depois essa estética se banalizou um pouco, mas acho que iria acontecer com ou sem a existência dos Picassos. A música brasileira é muito rica, a mistura iria prevalecer alguma hora", teoriza Humberto. Num mercado já mais disposto a aceitar uma banda como os PF, não seria a hora de investir em um terceiro disco, afinal? Humberto diz que os fãs não perdem por esperar. "Não teria cabimento voltar para valer e não pensar em gravar. Estamos ensaiando há três meses e temos várias músicas novas", fala o vocalista, mesmo adiantando que ainda não há perspectiva de contrato com alguma gravadora.