Primeiro LP brasileiro completa 50 anos

O pesquisador Jairo Severiano mostra a CliqueMusic o primeiro long-playing nacional, que trazia sambas e marchas para a folia de 1951. Apesar de termos sido o quarto país do mundo a adotar o formato, ele demorou bastante a se popularizar por aqui

Rodrigo Faour
26/01/2001
Os aficionados pelos velhos (e eternos) vinis precisam comemorar as bodas de ouro das bolachas pretas. É que há exatos 50 anos o long-playing — vulgo LP — chegou ao Brasil, depois de um longo período em que imperavam os frágeis 78 rpm, que arranhavam e quebravam à toa. Eles chegaram com a promessa de um formato "durável" e "inquebrável". Nos Estados Unidos, o LP já havia aparecido três anos antes, mas, segundo o pesquisador de MPB Jairo Severiano, o Brasil não ficou muito atrás do resto do mundo — foi o quarto país a aderir ao novo sistema, sendo apenas precedido pelos inventores, a Inglaterra e a França. Em janeiro de 1951, o selo Capitol/Sinter lançou Carnaval em Long-Playing, o primeiro long-playing brasileiro, no qual oito nomes de projeção nacional — Heleninha Costa, Geraldo Pereira, Os Cariocas, entre outros — entoavam sambas e marchas feitos para o carnaval daquele ano.

Foto: Rodrigo Faour
O pesquisador Jairo Severiano e
uma cópia do primeiro LP brasileiro
"Este primeiro LP brasileiro foi lançado pela Capitol, que era representada no Brasil pela Sociedade Interamericana (Sinter) e foi lançado mais para marcar ponto para o país do que propriamente para angariar consumidores: praticamente ninguém tinha aparelhos para tocá-lo. E não foi rápida a propagação do formato long-playing. O segundo disco brasileiro demorou mais de um ano para ser editado — esse já pela Sinter como gravadora", atesta Jairo Severiano, referindo-se a Parada de Sucessos (1952).

O pesquisador explica que o repertório escolhido foi carnavalesco porque naquele tempo esse tipo de disco tinha um apelo certeiro junto ao público. "Nos anos 30, 50% do faturamento da gravadora vinha do repertório de músicas feitas para o carnaval. Nesse primeiro LP, era natural que se enfocasse esse tipo de música e a Sinter convocou a parte de seu elenco que melhor se adequava ao gênero", explica.

Oscarito foi o pioneiríssimo
A faixa número um, que abre a era do LP no Brasil, é a Marcha do Neném, dos consagrados Klecius Caldas e Armando Cavalcanti, cantada por Oscarito. Explica-se: o comediante tinha feito grande sucesso no carnaval anterior com a Marcha do Gago ("Tá, tá, tá, tá na hora/ Va-va-va-le tudo agora"). A faixa não teve a mesma repercussão da anterior, mas mereceu um quadro (hoje poderia ser chamado de clipe) em Aviso aos Navegantes, uma daquelas divertidas chanchadas da Atlântida, com o ator trajando fralda, touca e uma enorme chupeta.

Depois dessa marcha, seguiam-se o raro e bom samba Ela (Arnaldo Passos/ Osvaldo Lobo), com o sambista Geraldo Pereira (que raramente gravava músicas de outros autores) e Marcha de Copacabana (na verdade, um frevo do pernambucano Claribalte Passos), interpretada com sotaque português pelas Irmãs Meireles. Fechando o lado A, uma das cantoras da MPB de maior prestígio de então, Heleninha Costa, encarava o samba Vida Vazia (grafado com "s" originalmente), de Paulo Marques e Arlindo Borges.

No lado B, mais quatro faixas. A primeira é a marcha Tamanduá (Evaldo Ruy/ Max Nunes), com outra cantora pouco lembrada hoje mas muito comentada na época, Neusa Maria. Em seguida, o samba Cuba Libre, com a cantora Marion, espécie de substituta de Carmen Miranda enquanto a Pequena Notável fazia carreira nos States. Seguiam-se Arrependimento (Roberto Faissal/ Domício Costa), com o apresentador (popularíssimo) César de Alencar e, finalmente, Meu Maior Amor (Felisberto Martins/ Vitor Simon e César Ladeira), com o grupo Os Cariocas. "Esse samba, na verdade, é um plágio descarado da música You Are Meant for Me, do filme Cantando na Chuva", acusa Jairo.

Apatia do público
Apesar de o som dos vinis ser bem superior em termos de qualidade ao dos 78 rpm, o grande público nacional demorou muito, segundo Jairo, a substituir seus aparelhos de som e discos. Ele afirma inclusive que o impacto da mudança do 78 rpm para o LP foi bem menor e muito mais lento que o do LP para o CD, a partir do final dos anos 80. De fato, a indústria nacional de vinis era incipiente. A Sinter demorou mais de um ano para lançar o segundo disco e outro bom tempo para o terceiro. Nem mesmo os esforços da fábrica Discos Rádio, radicada em Petrópolis (RJ) — outra pioneira, entrando já em 52 no mercado, gravando exclusivamente LPs, de artistas como Marília Batista, Silvio Caldas e Waldir Calmon — adiantou muito.

O pesquisador observa que a estrutura da gravadora era muito rudimentar e seus títulos também não eram prensados em grande escala. Sendo assim, não valia a pena investir em aparelhos para ter acesso a tão poucas produções no novo formato.

"Quando o LP passou a ser produzido no Brasil não houve um grande impacto na opinião pública, como aconteceu em 72, quando surgiu a TV em cores. Lembro-me que ela foi lançada no dia 31 de março e já em meados de abril fui no Rei da Voz — uma das maiores lojas de eletrodomésticos da época — para comprar minha primeira TV colorida e tive que dar um sinal e entrar numa fila enorme para esperar que a loja recebesse uma quantidade suficiente de aparelhos para atender à tamanha demanda de clientes. No caso do LP, isso não ocorreu de jeito nenhum. O pessoal continuou ouvindo rádio e disquinhos de 78 rpm por um bom tempo. Quando a gente entrava numa loja de discos nos primeiros anos da década de 50, achava basicamente LPs importados. O comércio de LP só vai firmar no Brasil por volta de 1956 e 57. Aí, praticamente todas as gravadoras já haviam aderido ao formato", testemunha.

Leia ainda sobre o primeiro LP: