Primeiros discos de Arrigo Barnabé voltam em CD

Compositor relança, pelo selo Thanx God Records, Clara Crocodilo e Tubarões Voadores, obras-primas da vanguarda paulistana dos anos 80

Carlos Calado
28/11/2000
Uma noite de autógrafos com as presenças de Arrigo Barnabé e ex-integrantes da Banda Sabor de Veneno, marca o lançamento em CD dos dois primeiros álbuns do compositor e pianista paranaense. Editados pelo selo Thanx God Records, com distribuição Eldorado, Clara Crocodilo e Tubarões Voadores são obras-primas da geração musical dos anos 80, que ficou conhecida como “vanguarda paulistana”. O evento acontece hoje, a partir das 20h, no bar Piratininga (rua Wizard, 149, Vila Madalena), em São Paulo.

Depois de gravar uma nova versão de sua peça sinfônica Clara Crocodilo (lançada no final de 1999, também pelo selo Thanx God), Arrigo conta que ficou surpreso ao reescutar a gravação original de 1980, já com um tratamento digital, no estúdio Companhia de Áudio. “O som ficou muito melhor depois da remasterização. É impressionante como essa obra foi premonitória”, diz, considerando que seus primeiros álbuns conseguiram resistir bem à ação do tempo. “O Tubarões também é uma cacetada. Acho que esses dois trabalhos tinham um nível musical muito alto”, avalia o compositor, que combinou nessas obras elementos da música dodecafônica com as linguagens das novelas radiofônicas e das histórias em quadrinhos.

Os fãs que ainda conservam as versões originais em vinil de Clara Crocodilo e Tubarões Voadores (este lançado originalmente em 1984) vão notar que a ordem das faixas foi alterada nos CDs. Durante a remasterização, Arrigo decidiu colocar as canções mais lentas ou românticas ao final dos dois discos. “Acho que a audição fica mais interessante assim. Dividi as faixas quase por gêneros. Na verdade, eu gostaria até de ter mexido mais”, admite o compositor, responsável direto pela revelação de intérpretes que continuam atuando na cena da música popular brasileira, como as cantoras Vânia Bastos e Suzana Salles.

Comparando hoje o original de Clara Crocodilo com a versão do ano passado, Arrigo reconhece que no início dos anos 80 ainda era um compositor em formação. “Minha primeira gravação é mais adolescente, ainda com aquela preocupação de se ligar à música popular brasileira. Naquela época, a gente tinha uma certa crença de que a música brasileira poderia ter um horizonte artístico mais relevante, que ela poderia vir a apontar para alguma coisa diferente”, recorda, admitindo que suas expectativas foram frustradas. “Não aconteceu nada. A música popular brasileira foi ficando cada vez mais despersonalizada, sem um programa. Comecei a perceber que não existe espaço para um caminho mais inventivo nessa área da música popular. As pessoas estão preocupadas somente com o mercado”, critica.

Diferentemente de outros artistas e grupos que foram associados à chamada “vanguarda paulistana” dos anos 80, Arrigo não reclama do rótulo. “Não tenho nada contra ser considerado vanguarda, até acho bom. Meu trabalho é de vanguarda mesmo e eu acho muito legal que seja assim. O problema é ele que não foi feito para esse mercado. Meu trabalho até tem algumas ligações com a MPB, mas não é MPB”, afirma, repensando os motivos de sua carreira nessa área ter entrado em declínio, no final dos anos 80. “Naquele momento, ainda existia um público em formação, com uma certa capacidade crítica, mas isso foi sumindo. Mesmo em meios mais oficiais, onde poderia até haver um espaço, eu também não era aceito. Um exemplo: nunca toquei em um festival de jazz no Brasil. Para não falar em figuras que detêm certas posições na cultura brasileira e que determinam o que é brasileiro ou não. Naquela época isso era muito mais forte ainda. Eu não conseguia espaço, não conseguia apoio. Era uma coisa completamente heróica. Hoje, escuto a Banda Sabor de Veneno e penso que era uma banda de heróis.”

Arrigo também tem planos de relançar em CD o álbum Suspeito (o terceiro de sua carreira, lançado originalmente em 1987, pela 3M), mas isso ainda depende de negociação. “Aquele disco é outra coisa, uma tentativa minha de entrar no mercado, fazendo canções. Eu aprendi bastante ali, embora pudesse ter aprendido tudo aquilo sem ter feito o disco”, diz, ressaltando que as dificuldades econômicas o impediram de seguir adiante, no caminho estético que traçara em seus dois primeiros discos. “O problema é que eu tinha feito o Clara e o Tubarões sem ganhar nada e vivia completamente duro. Mesmo do Tubarões, que eu gravei na PolyGram, eu não recebi nada. É inacreditável, mas minha situação econômica sempre foi muito ruim. Como tinha que pagar o aluguel e a escola dos filhos, tive até que pedir dinheiro emprestado. Então pensei que precisaria fazer um trabalho mais simples, com o qual eu pudesse cantar e tocar em bares e shows, que era um jeito de descolar um troco, um trabalho puramente profissional.”

O próximo relançamento em CD da obra de Arrigo deve ser a trilha sonora de Cidade Oculta, longa metragem que levou os prêmios de melhor filme e melhor trilha sonora no Rio-Cine Festival, em 1986. No elenco que o compositor convidou para acompanhá-lo apareciam as cantoras Tetê Espíndola, Vânia Bastos e Ana Amélia, além das bandas Sossega Leão e Patife Band. “Já estou com a gravação em casa. Pretendo lançar no ano que vem”, avisa o compositor, admitindo que hoje seu interesse se concentra quase exclusivamente na área da música erudita. “Pode ser que ainda se encontre alguma coisa na área do jazz, mas eu acho que as coisas interessantes só estão acontecendo na música erudita. Essa é uma área até exageradamente sem ligação com o mercado, mas ali você respira algo mais fresco”, compara.