Programe-se para o novo Lulu Santos

Álbum que marca os 20 anos de carreira do cantor traz a primeira gravação de Herbert Vianna depois de sua recuperação

Marco Antonio Barbosa
06/06/2002
Lulu Santos apresenta Programa (BMG) seu 17º álbum, como a "coleção do ano". Coleção de canções, claro. O disco marca o reencontro de Lulu com a trajetória regular de sua carreira, três anos após seu último disco de inéditas (Calendário ouvir 30s ) e ainda no rescaldo do bem-sucedido Lulu Acústico ouvir 30s, de 2000.

Programa mostra o Lulu de sempre, artífice de melodias pop certeiras, que sabe bem o que faz. Como se fosse uma produção dos velhos tempos do vinil, o CD se divide em duas metades bem distintas, cada qual com seu clima. “Antes de juntar as peças dentro de um disco, você precisa ter uma visão de fora, analisar o acabamento final das canções. O disco me ‘contou’ tudo depois de pronto”, diz Lulu. O roqueiro elabora mais ainda suas viagens: “Programa é como um fractal da minha carreira, é como se o ouvinte tomasse uma cápsula e tudo passasse rapidamente diante dos olhos.”

Lulu acaba admitindo a existência de um “lado A” e um “lado B” em Programa. O roqueiro explica: “As seis primeiras canções são como fórmulas, moldes de música pop. Tudo formatado com base nas excelentes músicas que ouvi por esses 40 anos.” O compositor não admite baixar seus standards e prefere nivelar-se por cima. “Meu padrão de referência é o 1, dos Beatles”, fala Lulu, referindo-se à coletânea com as canções mais famosas do quarteto de Liverpool. “Pop tem que ter aquele fator ih (treme, como se tivesse um grande arrepio), tem que causar histerias, frisson. Como quando se ouve Beatles. Queria saber o quanto me aproximo dessa sensação.”

É fácil confirmar isso. Basta conferir a meia-dúzia de canções que abre o álbum, começando por De Outro Mundo (com um riff 100% “lulusantista”) e seguindo pela batida funkeada de Amém, o pique suingado de Todo Universo, a acelerada e engraçada Figurativa e Tempo Real e A Mensagem, mais lentinhas. Esta seção do disco entra para reafirmar a arte de Lulu como grande compositor de nosso pop. É puro feijão-com-arroz, mas feito com arte e capricho.

A coisa se “complica” a partir da faixa 7, Salto Fino por motivos que Lulu esclarece: “Essa música começa torta, a partir daí entra o suingue, a música negra. É quando (os percussionistas) Marçal e Chocolate começam a aparecer.” De fato, o disco fica mais sinuoso e percussivo até o final, com maior molejo rítmico. Vide Walkpeople, quase-bossa composta em parceria com Marcos Valle e Ed Motta, ou a irônica marchinha (!) Eros e Tânatos. Há também espaço para experimentos menos ortodoxos, como em Luca, unindo guitarras e vocal distorcidos a texturas eletrônicas.

Lulu conta que as músicas desta segunda metade do disco têm origens bem variadas. “Algumas são antigas, como Salto Fino, feita por mim e Bernardo Vilhena em 1979, e Compaixão, que era para ter entrado no disco Popsambalanço ouvir 30s (de 1989)”, explica ele. “Mas também há coisas bem recentes; Eros e Tânatos foi a primeira canção que fiz logo depois de gravar o Acústico”, completa.

Obviamente, chama a atenção a canção 4 do 5, a apregoada gravação que marcou a volta de Herbert Vianna aos estúdios, após o acidente de ultraleve que o deixou em coma. “É minha homenagem ao Herbert. Depois do acidente acabei descobrindo que tinha muito mais coisas em comum com ele do que eu supunha”, fala Lulu. A música é um número instrumental de batida funkeada, adornada pelos desenhos das guitarras de Lulu e Herbert. De bônus, vem uma segunda versão da faixa logo em seguida (subintitulada Sub Dub do Bi & D Ba, referindo-se ao baixista Bi Ribeiro e ao baterista João Barone, que acompanham Herbert e Lulu na música). “Eu, Barone e Bi gravamos ao vivo. Herbert gravou no dia seguinte. O Sub Dub funciona como uma continuação do tema. O primeiro número é a homenagem clara a ele (Herbert), o segundo passa toda aquela sensação de dúvida que tínhamos em relação a ele.” esclarece Lulu.

Completando duas décadas de carreira solo, Lulu não se furta a tecer paralelos entre o momento atual e outros pontos de sua trajetória. “Já falaram de um possível ciclo de 20 anos em minha carreira, começando com o Tempos Modernos (1982) e terminando agora”, fala Lulu. “Mas são momentos distintos. Ali eu era um compositor pleiteando uma trajetória própria, ainda sem uma idéia clara. Foi mais por vontade do Liminha do que por uma iniciativa pessoal. Aliás, devo minha carreira a Liminha pelo fato dele querer fazer o Tempos”, diz o compositor, referindo-se ao produtor e baixista . Lulu prefere buscar referências em outro trabalho, que remeteria a um ciclo de dez e não 20 anos: Mondo Cane, de 1992. “Aquele disco era uma revolução que implantei em mim mesmo”, fala o cantor. “Ele acaba sendo mais próximo de Programa porque estou inteiro e sozinho em ambos os discos; no Mondo, apenas duas das letras não são minhas.”