Quarteto em Cy é redescoberto por Sean Lennon

Em sua passagem pelo Brasil, o filho de John foi assistir a um show fechado de Cynara, Cybele, Cyva e Sônia e gravou com elas uma música do pai. Ano passado, ele havia distribuído 80 CDs do grupo entre os amigos

Rodrigo Faour
13/11/2000
Formado há 36 anos, exatamente no dia 30 de junho de 1964, no Beco das Garrafas, em Copacabana (RJ), o Quarteto em Cy passou pela bossa nova, os festivais e a partir daí tentou sempre se manter gravando o melhor da MPB. Apesar de continuar lançando CDs anualmente, o grupo há muito tempo não era alvo de uma tietagem tão intensa quanto a do cantor Sean Lennon, filho de John e Yoko. Vindo de Nova York para participar do Free Jazz Festival, no mês passado, ele fez questão de conhecer o quarteto e de com ele gravar.

"A gente soube que o Sean era nosso fã através do produtor Marcelo Fróes. Ele ligou para o escritório que cuida da obra do Vinicius de Moraes, que conhece bem a gente, e falou que o Sean estava vindo ao Brasil para fazer o Free Jazz, que adorava a gente que queria que a gente mandasse outros discos nossos que ele não tinha achado nos Estados Unidos e no Japão", conta, animada, Cynara que imediatamente pegou todos os CDs disponíveis do grupo – boa parte deles editados apenas no Japão – e enviou para o filho de John Lennon.

Na semana seguinte, o mesmo Fróes convidou o Quarteto em Cy para participar do Tributo aos Beatles cantando Julia, uma das mais belas canções de Lennon e McCartney, em homenagem à mãe de John. O que nenhuma delas esperava é que Sean, ao saber disso, decidisse participar da faixa, já que ele vinha evitando até mesmo falar sobre o pai, às vésperas dos 20 anos de seu assassinato (que se completam no próximo dia 8). "Na véspera da gravação, a gravadora Geléia Geral, do Gilberto Gil, que está bancando o disco, ligou para a gente e houve a surpresa: ele iria gravar conosco. Daí em diante, foi uma felicidade só. Passamos três dias com ele. E foi incrível a afinidade que tivemos. No primeiro dia, fizemos um ensaio que durou das 11h da manhã até as seis da tarde. Ele acabou assinando o arranjo geral, fizemos uma confraternização e soubemos que, no ano passado, ele comprou 80 CDs nossos para dar de presente aos seus amigos. Ficamos muito comovidas", conta.

Inspiração em Antonio Maria
No segundo encontro, no dia da gravação propriamente dito, Cynara, Cyva, Cybele e Soninha pensavam que o arranjo vocal da faixa seria assinado por Daniel Jobim ou por Celso Fonseca – que também estão à frente do CD – mas, qual nada, Sean chegou no estúdio avisando que o tinha todo na cabeça. "Foi lindo, porque ele entrou e disse que gostaria de preparar nossa gravação. Colocou na vitrola o disco de que ele mais gosta, Antologia do Samba-Canção (do Quarteto), tocou a faixa Se Eu Morresse Amanhã, de Antonio Maria, e pediu silêncio. Ao final, disse que queria fazer a gravação com esse espírito. E foi exatamente o que a gente fez."

Como se não bastasse, no dia seguinte, ao saber que o Quarteto faria um show fechado para ortopedistas no Rio da Unimed, no Hotel Intercontinental, ele fez questão de ir até o local, ao lado da esposa, a tecladista e compositora Yuka. "Era um show fechado, com cadeiras na platéia, para 1.700 pessoas e ele fez questão de ir e ficou sentadinho lá na frente. Ele só pediu para que não divulgássemos antes porque ele é um pouco paranóico com segurança. Acha que está sempre na mira de alguém, como seu pai. Depois, foram ao camarim, e nos rendeu homenagens, forneceu seus contatos e no dia seguinte, levamos para ele de presente a única coisa que ainda não tínhamos lhe dado: uma caixa de quatro CDs nossos que saiu pela Universal há quatro anos."

Cynara diz estar muito honrada com a admiração de Sean. "Isso dá muita força para a gente, e não só por ser filho de quem é, e sim porque ele é preparadíssimo. Emocionou-me ver um garoto com esse background. Soube fazer um arranjo vocal na hora de gravar e com humildade. Dizia para a gente: ‘Não sei se vocês estão gostando’. Tudo de uma maneira muito respeitosa. Ele faz uma música totalmente diferente da nossa, mas tem as mesmas propriedades. Ouvi o novo CD dele e adorei. É um disco harmonioso, com letras muito bonitas. Ele tem uma índole tão maravilhosa, que chega a dizer que é um componente da banda da mulher", vibra ela.

Um ano intenso, com Vinicius por perto
O ano 2000 foi muito intenso para o Quarteto. Além de ter sido redescoberto por Sean Lennon, Cynara afirma que outro ponto altíssimo do ano foi ter participado na última sexta-feira do projeto O Grande Circo Místico, com canções de Edu Lobo e Chico Buarque, em SP no Via Funchal, cantando Oremos e Opereta do Casamento. "Esse show foi gravado e será editado em forma de CD, como brinde de fim de ano Caixa Econômica, e como especial de TV, a ser exibido no SBT. Adoramos participar porque foi com uma grande orquestra, com arranjos fenomenais, regido pelo Nelson Ayres, e ao lado de gente como Arnaldo Antunes, Cássia Eller, Daniela Mercury, Nando Reis... enfim, uma patota que não é a nossa mas com quem a gente está se integrando. Foi uma coisa muito Primeiro Mundo. Nunca vi um espetáculo daquele porte aqui no Brasil", elogia.

Para completar, o grupo nesse ano já lançou dois CDs no mercado brasileiro: Vinicius: A Arte do Encontro, ao lado de MPB-4 e Quarteto em Cy – Bossa Nova, gravado em 1992 para o selo Nanã, de Lisa Ono, e agora lançado aqui via DeckDisc/Abril Music na série MPB no Japão. Agora, as cantoras aguardam o lançamento de mais dois. O primeiro, que está em na boca do forno é o CD Falando de Amor pra Vinicius, gravado ao vivo em 1981, no Teatro Paiol (Curitiba), ao lado do violonista Luiz Cláudio Ramos, retirado de uma fita cassete que Cynara guardava há anos. O segundo é um álbum inédito que o Quarteto gravou ao lado de Vinicius de Moraes em Barcelona no começo dos anos 70, que vai integrar uma caixa com toda a obra do Poetinha, que completou 20 anos de morto em julho passado (daí ele ser o tema de três dos quatro discos do quarteto que chegam ao público este ano).

Tudo isso que vem acontecendo Cynara credita ao amigo Vinicius de Moraes. "Tivemos grandes encontros no decorrer de nossa carreira. O primeiro deles foi com Vinicius, que batizou o grupo. Eu disse ao Sean que quando cheguei aos Estados Unidos, em 67, vi um espetáculo dos Beatles, quando o pai dele tinha a mesma idade que ele tem hoje. E agora, 33 anos depois, estou aqui confraternizando com o filho daquele cara. Vincius tinha razão quando dizia que a vida é a arte do encontro", resume.