Querosene Jacaré volta a queimar

Grupo recifense dribla dificuldades para lançar seu segundo álbum, Fique Peixe

Marco Antonio Barbosa
18/06/2001
Os inteirados na cena pernambucana pós-manguebeat devem estar se perguntando que fim levou o Querosene Jacaré, grupo que despontou na edição 1998 do Abril Pro Rock, lançou o álbum Você Não Sabe da Missa Um Terço, também em 98, e depois... bem, depois sumiu. Ou não?! O "fim" que o QJ levou é o álbum Fique Peixe, que o grupo acaba de lançar de forma 100% independente após um verdadeiro turbilhão de contratempos - abandono da gravadora, troca de vocalista, falta de retorno da mídia e até mesmo a morte de um de seus componentes, o baixista Gordinho.

"Não paramos em momento algum. Em 1999, participamos do festival Rec Beat Carnaval e depois continuamos a fazer shows pelo Recife e outras cidades do Nordeste, ao mesmo tempo em que rolava o processo de composição das novas músicas", explica o baterista Adelson Luna. Ele também dá uma geral sobre as mudanças na formação do grupo: "No final de 98, o antigo vocalista, Ortinho, resolveu sair da banda - um episódio que foi muito positivo para os dois lados. Então o baixista Alfaia foi para os vocais e o Gordinho foi 'reconvocado'; ele já tinha sido baixista do Querosene, antes do lançamento do primeiro CD." O atual line-up conta com Adelson, Alfaia (agora baixista e vocalista), Tonca (guitarra) e Cinval (percussão).

Desde o começo do ano passado, o Querosene Jacaré batalhava para gravar seu segundo álbum, apesar das dificuldades financeiras: a Paradoxx, gravadora que lançou o álbum Você Não Sabe..., deixou o grupo na mão em termos de divulgação e distribuição. "Nosso contrato com a Paradoxx venceu em junho de 2000, graças a Deus!. A gravadora pôs os pés pelas mãos: contratou muita gente e não conseguiu dar conta do recado. Não fomos só nós que saímos prejudicados com problemas de divulgação, entre outras coisas, há também o pessoal do Ratos de Porão, Ira!, Skamoondongos... Eles prometeram várias coisas e não cumpriram - clipe, shows de lançamentos. Mas, foi bom! Aprendemos muito com essa experiência", acredita Adelson.

O pior ainda estava por vir: em 30 de abril do ano passado, o baixista Aílton Gordinho foi assassinado em uma tentativa de assalto no Recife. Fique Peixe já estava em pleno processo de gravação, sendo que, das 11 faixas do disco, seis ainda contam com o baixo de Gordinho. "De forma alguma cogitamos em parar com a morte dele", diz Adelson sobre a tragédia ocorrida com o colega de banda. "Aí é que tivemos mais força para ir em frente: era uma questão de honra terminar o último trabalho musical em que ele participou. Inclusive pedimos emprestado o instrumento dele para sua mãe para garantir a identidade sonora. A sonoridade da banda não mudou com sua saída, porque a sua alma está presente em 90% das músicas novas. Às vezes, não acreditamos que ele não está mais entre nós."

Mesmo com todos esses contratempos, Fique Peixe (o título vem de uma expressão tipicamente recifense, algo como "fique tranqüilo") ficou pronto. E o que se ouve no álbum é bem diferente do som do Querosene de três anos atrás. O grupo agora passeia com ecletismo por várias praias diferentes do arquétipo sonoro do manguebeat, flertando com drum'n'bass (Não Leve Meu Samba Embora), rap (Aonde Ninguém Vê), funk (Problema de Visão, A Banana Elétrica) e até influências caribenhas (Boca de Oro), além de terem aberto os ouvidos para o samba (especialmente a vertente gerada por Jorge Ben). Mas também não perderam de vista as referências regionais, como a ciranda e o maracatu.

"A mudança no som é um reflexo do que todos tem escutado nestes últimos três anos: música brasileira em geral, música eletrônica, rock anos 90, funk setentão e um balaio de outros sons, além da vontade de sempre se reinventar", diz Adelson. "Nos nossos aparelhos de som tem rolado ciranda, passando por drum'n'bass e Jorge Ben até Rage Against The Machine. É muito bom não ser radical!"

A "descoberta" do samba a la Jorge Ben, bandeira também levantada por grupos recifenses como o mundo livre S/A e Nação Zumbi, veio de forma natural, como explica Adelson: "Bem, todo mundo aqui sempre escutou samba. A entrada desse ritmo no novo disco aconteceu de maneira natural e até experimental. Em Andando de Kombi, por exemplo, sugerimos a Cinval (o percussionista) tocar uma levada do ritmo em cima de um funk pra ver como ficava e acabou dando certo. Teve um americano que escutou esse som e quase enlouqueceu!"

Esse "novo" Querosene Jacaré agora se relança ao mercado com a cara e a coragem, além de exemplares de Fique Peixe debaixo do braço. "Primeiramente, não teríamos saído do canto sem a ajuda do músico e produtor Zé da Flauta", conta Adelson, referindo-se a uma das figuras-mestras da cena musical recifense nos últimos anos. "Ele nos 'emprestou' seu estúdio para gravarmos o disco e estamos lhe pagando com a venda dos CDs. A distribuição está sendo feita de forma independente, mas se aparecer alguma proposta decente de alguma gravadora, podemos pensar no assunto", diz o baterista. Um detalhe curioso sobre o novo disco é que a própria banda distribuiu as faixas do álbum pela Internet, em formato MP3, no final do ano passado.

Indagado se ainda sai caranguejo do mangue(beat) recifense, Adelson é contundente: "As pessoas devem saber que o mangue não é um ritmo musical, mas simplesmente uma forma de pensar - que, aliás, trouxe uma série de mudanças ao Recife em termos musicais, culturais, sociais e até econômicos. O buraco é mais fundo!" Quanto ao futuro da nova música pernambucana, o músico aponta a contradição: "Acho que estamos chegando numa etapa de amadurecimento. E há muitos grupos novos interessantes como o Bonsucesso Samba Clube, por exemplo. O grande problema continua sendo a ausência de música pernambucana nas rádios locais. Isto é um grande paradoxo!"