Racionais MCs: na contramão a toda velocidade

Afastados da mídia e sem divulgação alguma, os rappers lançam primeiro CD ao vivo já com 200 mil cópias vendidas

Marco Antonio Barbosa
27/12/2001
Quando trata-se de lidar com a mídia, os Racionais MC's definitivamente negam o próprio nome e fogem completamente do padrão ditado pelo mercado. Lançam discos pela própria gravadora, a Cosa Nostra; se recusam a dar entrevistas e não aparecem em programas de TV; não enviam CDs de divulgação às rádios, ou às redações; e parecem não fazer questão alguma que o dito grande público fique sabendo de seus passos. Irracional ou não, a postura rendeu a eles o status de mais importante artista hip hop brasileiro, com vendas (mais de um milhão do último álbum, Sobrevivendo no Infernoouvir 30s) que comprovam isso. O paradoxo da independência radical (racional?) ganhou mais um capítulo na semana passada, com o lançamento de Racionais ao Vivo, quinto álbum do grupo e primeiro registro alive. Não se trata do esperadíssimo - desde 1998 - disco de estúdio com faixas inéditas, prometido para este mesmo mês de dezembro e que teria o título de Vida Lôca. Trata-se de um registro da turnê de Sobrevivendo..., que foi lançado oficialmente pelo grupo na festa de entrega do Prêmio Hutus 2001 (no Rio de Janeiro, em novembro). Para quem fala em crise da indústria fonográfica e dificuldade de distribuição para os independentes, um lembrete: ...Ao Vivo chega às lojas com 200 mil cópias antecipadas. Sem TV, sem rádio, sem jornais, sem Casa dos Artistas.

Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay apresentam no CD ao vivo apenas canções de Sobrevivendo... - Capítulo 4 Versículo 3, Qual Mentira Vou Acreditar, Tô Ouvindo Alguém Chamar, Mágico de Oz, Rapaz Comum, Diário De Um Detento, Fórmula Mágica da Paz. As faixas são entremeadas com vinhetas instrumentais conduzidas pelo DJ KL Jay e falas dos rappers registradas em estúdio, com toques para os manos das quebradas paulistanas. O disco foi gravado em apresentações ao longo do ano em Jundiaí, Mauá e no autódromo de Interlagos. O disco tem valor para os fãs, deseperados por material novo da conjunto; e também é um serviço para os próprios Racionais, que estão cientes do valor das suas gravações ao vivo piratas no mercado paralelo. CDs e fitas cassete com registros de shows do grupo podem ser encontrados há uns bons três anos nos camelôs de São Paulo, alguns atingindo preços bem altos.

Analisando friamente, Racionais ao Vivo não ficou um trabalho à altura do grupo. O som é achatado, baixo - ruim mesmo. A catarse dos shows não se traduz no disco, apesar da força do público, que canta de cor as intermináveis letras. Falta peso às bases e as músicas acabam parecendo cópias meio raquíticas das potentes versões de estúdio. Vale notar a marra dos rappers em relação ao repertório: negaram o caminho fácil do greatest hits (Mano na Porta do Bar, Fim de Semana no Parque, Homem na Estrada...) e só ficaram com as músicas mais recentes. Não fosse a independência total do grupo em relação a esquemas mercadológicos, pareceria um disco tapa-buraco, para aguardar o próximo lançamento de estúdio.

Lançamento este de parto complicado. Vida Lôca (título provisório e especulativo, visto que o grupo não abre a boca para falar do disco) sairia, a princípio, com distribuição da Sony Music. As negociações entre os rappers e a major deram em nada e eles ficaram com a Zambia, com quem já trabalhavam há tempos. O segredo sobre o novo álbum é tamanho que, apesar do grupo já vir cantando músicas inéditas em seus shows ao longo do ano, nenhuma delas foi incluída em Racionais ao Vivo. Vida Lôca está cotado para sair em março de 2002. E os Racionais MC's seguirão distantes da mídia e vendendo como nunca.