Raimundos 2.0: inteiros após a tempestade

Kavookavala é o primeiro álbum da banda com a nova formação, superando o trauma da saída do vocalista Rodolfo

Marco Antonio Barbosa
05/07/2002
Novos e velhos Raimundos: da esquerda, Fred, Digão, Marquinho e Canisso (clique para ampliar)
Nos últimos 12 meses os Raimundos viveram, literalmente, entre o céu e o inferno. Rachado pela saída do vocalista Rodolfo Abranches - que, convertido a uma religião evangélica, renegou a postura anárquica da banda - o grupo declarou seu fim, voltou atrás, cogitou a volta do cantor, e finalmente meteu o pé na estrada, repaginando-se como quarteto mais uma vez. No começo do mês de julho chegou às lojas o balanço desse atribulado período. O álbum Kavookavala ouvir 30s é o primeiro disco da "fase II dos Raimundos", ou seja, o primeiro trabalho completo com o guitarrista Digão efetivado nos vocais (no álbum anterior, Éramos 4 ouvir 30s, ele só cantava uma música; as outras ainda traziam Rodolfo). E também a estréia oficial do novo raimundo, Marquinho (guitarra), que completa a formação com os membros originais Canisso (baixo) e Fred (bateria). "Sempre fomos uma banda unida. Os Raimundos sempre existiram apenas por causa da união, da igualdade entre nós quatro. A saída do Rodolfo foi uma loucura, mas ninguém é insubstituível. Agora penso que conseguimos virar o jogo", falou Digão sobre o atual momento da banda, em coletiva concedida em São Paulo para lançar Kavookavala.

"Muita gente nem sabe que estamos aí de novo. Acho que esse disco é para mostrar a cara outra vez", completa Fred. É inevitável questionar o grupo sobre o impacto da saída de Rodolfo e como isso influenciou os rumos dos Raimundos. Canisso fala: "Imediatamente depois da saída dele o grupo tinha acabado mesmo, estava rolando um clima ruim, muita 'roupa suja' para lavar... Mas depois de um encontro em Brasília, fizemos as pazes. (O fato de) o Digão entrar para os vocais foi muito natural, ele era o vocalista original dos Raimundos. Sempre soube que ele não deixaria a bola cair". O grupo é uníssono ao afirmar que a "fase Rodolfo" já ficou para trás. "Nem gosto de falar muito sobre isso. Para nós, é página virada", diz Canisso. "Tudo o que aconteceu, tudo o que foi dito, mexeu com a nossa confiança, com a nossa auto-estima. Mas isso acabou dando uma disposição para a gente fazer este disco novo exatamente da maneira que queríamos, pela primeira vez em nossa carreira. Nem houve preocupação de olhar para trás, de comparar com a época do Rodolfo", reflete Fred.

O disco novo tem produção de Rafael Ramos e Carlos Eduardo Miranda (o descobridor da banda). "Nunca havíamos trabalhado com o Rafael e foi uma experiência muito boa. Precisávamos estar entre amigos nesse momento e, ao mesmo tempo, queríamos alguém que pudesse nos colocar no rumo certo, criticando, não deixando que viajássemos demais", explica Fred. "Ao mesmo tempo, não podia ser um disco amargo", argumenta Digão. "A questão era exorcizar os problemas e dar um sangue novo à banda." Canisso completa: "Gravar o disco foi como uma terapia, conseguimos - através da música - acertar nossos ponteiros."

Uma das armas da banda para manter a "sanidade" e os pés no chão durante o nem sempre fácil processo de gravação ("Até a metade do disco foi um parto", admitiu Canisso à Folha de São Paulo recentemente) foi apostar no som "clássico" dos Raimundos. "Na verdade, acho que desde o nosso primeiro disco, estamos repetindo uma fórmula. Até apelidamos músicas novas com nomes de sucessos antigos. Por exemplo, Boca de Lata (música de Só no Forévis, de 99), está neste CD como Pegamutukala. Fazemos releituras inconscientes de nossas próprias músicas", diz o baterista. "Não é bem fórmula. Apenas fizemos o máximo para soar como Raimundos. Nunca copiamos ninguém, temos nosso próprio caminho", fala Canisso. Basta dar uma ouvida em coisas como Mas Vó..., Fique! Fique! ou Princesinha - esta, uma possível sucessora de Selim na categoria "romantismo raimundo", para conferir isso.

O forrócore - a mistura de punk rock e forró que notabilizou a banda em seu aparecimento - está mais presente do que nos trabalhos imediatamente anteriores. Músicas como Pegamutukala mostram isso. "Caprichamos um pouco mais nessa área. Também foi um jeito de reafirmar nossa identidade", diz Digão. Entretanto, outro fator característico da banda, as letras repletas de palavrões e temáticas sexistas, foi abrandado. "O Miranda comentou que faltava putaria no disco. Mas colocar demais seria forçar. Não queríamos nos repetir", fala Canisso. "Além do mais, nosso outro lado, com letras mais sérias, sempre foi menosprezado. Não queremos mais isso, nossa vida não é mais só sacanagem como antigamente", conta Digão.

"Quando decidimos reestruturar os Raimundos, sabíamos que iríamos precisar de outra guitarra, mas naquela época, o Digão ainda estava se adaptando aos vocais e achamos que seria melhor mudar uma coisa de cada vez", conta o baterista Fred sobre a decisão de agregar o guitarrista Marquinho. O novo membro não é exatamente novo; o músico participou da última turnê dos Raimundos "tapando os buracos" entre os riffs de Digão. Marquinho conta que já entrou ajudando na composição e na produção. "Duas guitarras fizeram a grande diferença no som do CD. Fica mais cheio, mais denso. Acho que sempre que um novo integrante aparece em uma banda, acaba promovendo um mínimo de mudanças, já que cada um tem seu jeito de tocar. Eu sou mais preciso, mais técnico e o Digão toca a guitarra como se fosse um violão", explica o guitarrista.

Os Raimundos, de volta aos eixos, se dizem tranqüilos em relação ao possível sucesso de Kavookavala. "Este é um trabalho importante para gravadora. Todos tiveram muito boa vontade em continuar apostando na gente. Não fizemos um disco assim ou assado para estourar em rádios", diz o batera Fred. E também não estão nem um pouco preocupados com a possível "competição" com Rodox, a banda de Rodolfo. "Para falar a verdade, nem ouvi o CD", desconversa Canisso. "Escutei uma música na rádio e fiquei decepcionado. Eu esperava mais", completa Digão.