Raimundos: três é bom, quatro é demais

Digão, Fred e Canisso lançam Éramos 4, primeiro disco sem o cantor Rodolfo, e apostam no futuro como trio

Marco Antonio Barbosa
11/10/2001
Fred (no alto) e Digão com Canisso; agora apenas em três(clique para ampliar)
Por motivos que escaparam completamente à vontade de seus integrantes, os Raimundos foram a banda brasileira mais comentada deste ano. Isso por causa, todo mundo lembra, da inesperada saída do vocalista Rodolfo Abrantes (apenas dois dias depois da banda lançar o DVD MTV Ao Vivo) e de sua mais inesperada ainda conversão a uma igreja protestante. Bate-bocas vários entre membros da banda, fãs e imprensa se desenrolaram enquanto a poeira subia. Quando a poeira desceu, constatou-se que os Raimundos vão seguir adiante sim, reduzidos a um trio (Digão, agora vocalista e guitarrista, Canisso no baixo e Fred na bateria). E mais: num tempo que pode ser considerado recorde, o grupo põe na rua o CD Éramos 4 (Warner), que, mais do uma espetada irônica no ex-vocalista, é uma declaração de fé no futuro dos Raimundos como trio.

"Depois do baque que foi a saída do Rodolfo, eu, o Canisso e o Fred - cada um em seu canto - pensamos a mesma coisa: 'Pô, o que eu vou fazer da vida agora?!'" É assim, desencanado, que Digão resume em entrevista a Cliquemusic sua disposição e a dos companheiros após a saída de Rodolfo, em junho último. "Ficamos mais ou menos um mês sem nos vermos, só falando de vez em quando por telefone. Daí eu e o Fred resolvemos continuar juntos, fazer outra banda, e então o Canisso também ficou a fim... Mas porque inventar um novo grupo? Não tinha porque destruir tudo que a gente construiu como Raimundos. O grupo não acabou, foi só o Rodolfo que saiu."

O novo disco dos Raimundos não é exatamente novo. O núcleo do álbum (dez em 14 faixas) é de músicas do grupo novaiorquino de punk rock Ramones, ídolos máximos dos brasilienses e inspiradores do nome da banda. Trata-se de um show gravado no ano passado para o aniversário da Rádio 89 FM (SP), com o baterista Marky - "emprestado" pelos próprios Ramones - substituindo Fred. "Aquilo foi um momento bem especial", lembra Digão, afirmando que sequer sabia que o show estava sendo gravado. "Mas o ensaio que fizemos com o Marky, antes do show, foi muito melhor. Para nós, foi como ir à 'Disneylândia do punk rock' (risos), só que fechada só para nós quatro."

A batelada de covers dos Ramones faz parte do tal baú de registros, digamos, "alternativos" que a Warner guarda dos Raimundos. O acervo ainda inclui o áudio do programa Balada MTV - um especial "quase-acústico", gravado em 1998 pelo grupo. Digão analisa com reservas o material estocado. "Sempre ficamos com o pé atrás em relação a essas gravações. Mesmo esses covers dos Ramones não eram para sair assim, porque seria uma pá de terra em cima de nosso trabalho. Os Raimundos não se limitavam a fazer cover dos Ramones, a gente tem toda uma história própria. Além do mais, nem tem o Fred tocando." Digão também implica com o Balada: "Aquilo foi tudo improvisado, não ficou legal. Sonho em fazer um Acústico decente, bem puxado para o forró - com o Zenilton (sanfoneiro que tocava com o grupo no começo da carrreira), uma viola mais caipira. Mas isso é para daqui a uns anos. Os Raimundos têm muito o que tocar de pé ainda (risos)."

Para complementar o repertório de covers (que ainda inclui a balada Desculpe Mas Eu Vou Chorar, de Leandro & Leonardo, e a popular cantiga Nana Neném), os Raimundos gravaram Sanidade, única inédita do disco e estréia oficial de Digão nos vocais. A letra é de Rodolfo. "Na verdade é uma música velha, de 1992 - e era eu quem fazia o vocal na versão original. Foi como ressuscitar um morto-vivo, porque já vinhamos usando idéias de Sanidade em outras composições nossas ao longo dos anos - por exemplo, a música tinha um riff inicial que acabou indo parar em Tora Tora 30'' excerpts (do segundo disco, Lavô Tá Novo ouvir 30s). Fomos canibalizando a música com o tempo." A primeira gravação do grupo como trio apenas reforçou a certeza nos novos rumos. "Tudo rolou sem estresse algum, exatamente como era antes - como se, por exemplo, o Rodolfo não pudesse participar da gravação por algum motivo. Estrear no vocal foi lindo (risos)!", diz Digão.

Com a poeira assentada, o velho guitarrista e novo vocalista diz-se à vontade como frontman do trio. "Até porque com os Raimundos nunca teve essa, véio. A gravadora às vezes forçava a barra para que o Rodolfo ficasse mais em evidência, mas para os fãs nós quatro tínhamos força igual. Acho que é porque temos personalidades fortes, bem marcadas", fala Digão. E a banda pretende testar efetivamente a reação dos fãs aos novos/velhos Raimundos no começo do ano que vem, com o lançamento do quinto disco de estúdio do grupo. "Já tenho umas oito canções que fiz sozinho, algumas prontas, outras precisando de acertar detalhes", conta Digão, também revelando que apenas ele tem pensado em novas composições por enquanto. A safra recente vai seguir a estética Raimunda de sempre, garante o guitarrista. "Queremos falar de coisas legais, sem ficar de piadinha, mas como se fosse aquele seu amigo que fica falando besteira e você acha engraçado", afirma Digão. "Esta sempre foi a nossa onda. Quando quisemos mudar nosso discurso, falar de coisas mais sérias - como no Lapadas do Povo ouvir 30s, que nós mesmos apresentamos como 'nosso disco pesado' - nos demos mal."

Os Raimundos seguirão como companheiros de selo de Rodolfo Abrantes, que toca seu primeiro álbum solo a todo vapor. Digão é reticente ao comentar sobre o antigo colega. "Ele estava cansado e queria dar um tempo das turnês, dos shows, das viagens. Mas foi um lance pessoal dele. Nós, como banda, fizemos tudo certo; não dá para querer fazer sucesso sem trabalhar para cacete, como nós trabalhamos." Para Rodolfo, Digão garante que deseja "boa sorte" e diz que, mesmo estando dentro da mesma gravadora e competindo pelo mesmo público, não vai "tentar passar a perna nele". Mais, ele não diz. "Não quero ficar falando a respeito dele. Mesmo porque não tenho o que falar: eu conheço o Rodolfo de antes, era um cara supercamarada. O novo Rodolfo eu não conheço", conclui.