Raul Seixas ganha relançamento histórico

Disco perdido de 1973 volta às lojas restaurado

Marco Antonio Barbosa
08/06/2001
"Rock para mim não é só ritmo, uma dança. É todo um jeito de falar, de andar, de sorrir, vestir, estalar os dedos, namorar". Esta pérola de sabedoria proferida por Raul Seixas certamente poderia passar como filosofia de vida do roqueiro, e não fica nada deslocada ao constar do encarte do CD Os 24 Maiores Sucessos da Era do Rock amostras de 30s, que a MZA Music (via Universal Music) acaba de lançar. Como assim, acaba de lançar, se o álbum saiu na verdade há exatos 28 anos (maio de 1973)? É que o relançamento do legendário álbum de Raul - editado novamente agora para lembrar o aniversário do ídolo, que completaria 56 anos dia 28 - foi objeto de um trabalho de restauração sonora e visual raro no mercado fonográfico nacional. Quem arregaçou as mangas foi o produtor Mazzola (dono da MZA), que participou da gravação original de 1973 e se dispôs a recuperar o álbum.

Outro dos eternos motes de Raul: ele sustentava que o real rock'n'roll tinha acabado em 1959, com a ida de Elvis Presley para o Exército. Tudo o que veio depois (Beatles, Stones & etc.) era apenas música pop. Em 1973, depois de ter conseguido relativa repercussão com seus dois primeiros álbuns, Raulzito e Os Panteras e Sociedade da Grã-Ordem Kavernista (este último editado sem autorização da gravadora de Raul na época, a CBS - o que lhe custou uma demissão sumária), Raul resolveu homenagear o real rock. Dispôs a regravar uma seleção de sucessos do gênero, pinçados entre clássicos americanos (todos pré-1959, claro) - Bill Haley, Carl Perkins, The Platters, Neil Sedaka - e brasileiros - Eduardo Araújo, Celi Campello, Roberto & Erasmo.

As bizarrices em torno do disco começam aí. Raul foi proibido pela gravadora (a Polyfar, selo da Phonogram) de pôr seu nome no disco de covers. "Depois da saída da CBS e de começar sua carreira solo, ele finalmente começou a fazer sucesso, com o álbum Krig-Ha, Bandolo!, que saiu em 73", lembra Sylvio Passos, presidente do fã-clube oficial de Raul. "Daí a Phonogram achou que se saísse outro disco do Raul na mesma época, iria prejudicar as vendas do Krig-Ha...". A solução foi creditar o álbum a uma certa banda chamada Rock Generation, com o nome de Raul bem pequeninho na contra-capa - como diretor de produção, cargo dividido com Nelson Motta. Raulzito se encarregou dos vocais e "regeu" a banda, composta por Jay (na época, Gay) Vaquer e Rick Ferreira (guitarras), Novelli (baixo), José Bertrami (tecladista que formaria mais tarde o Azymuth) e Bill French (bateria).

No álbum, Raul passa com desenvoltura pelo rockabilly (Blue Suede Shoes, de Carl Perkins, célebre com Elvis Presley; Bop-A-Lena, de Ronnie Self; Shake, Rattle And Roll, de Bill Haley; Tutti-frutti e Long Tall Sally, de Little Richard), baladas (Only You e The Great Pretender, famosas com os Platters, e Oh Carol, de Neil Sedaka), e acena ao rock nacional pré-Jovem Guarda (nos medleys juntando Rua Augusta e O Bom, ambos de Eduardo Araújo), terminando com Vem Quente Que Eu Estou Fervendo, da dupla Roberto & Erasmo Carlos. "Mais uma curiosidade: Estúpido Cupido e Banho de Lua (de Cely Campello), não são cantadas por Raul, e sim por um cantor cuja identidade se perdeu no tempo", diz Sylvio Passos.

Lançado sem qualquer tipo de divulgação em 1973, o álbum - finalmente intitulado Os 24 Maiores Sucessos da Era do Rock - pegou mofo nas lojas por alguns meses. Mas Raul já estava em outra. "Foi justo nessa época que as músicas Gita e Ouro de Tolo começaram a fazer sucesso", lembra Sylvio Passos. "O LP, que já era praticamente anônimo, sumiu na poeira". Não por muito tempo. Com os álbuns Krig-Ha, Bandolo! e Gita amostras de 30s alcançando grandes vendagens (o segundo chegou a 600 mil cópias, número expressivo atépara os dias de hoje), o olho grande da Phonogram cresceu para cima de Os 24 Maiores...

O álbum reapareceria nas lojas em 1975, muito mudado: tinha uma nova capa (um retrato de Raul assinado por Luiz Trimano), um novo título - agora era 20 Anos de Rock e a ordem das faixas foi alterada. Mas isso não era o pior. "Colocaram uns aplausos e uns assobios entre as faixas, para dar a impressão de que o disco era ao vivo. Aquilo matou o Raul", rememora Mazzola. "Ele ficou muito incomodado com aquelas intervenções e sempre teve o plano de relançar o disco do jeito que ele deveria ser."

Houve um relançamento sim, mas que não consertou em nada a situação. Em 1985, o álbum ganhou nova edição - só que feita a partir da versão Frankenstein de 1975. E agora com um terceiro título com a mesma capa: 30 Anos de Rock. No release que acompanha este novo relançamento, o jornalista Ayrton Mugnaini brinca: "Aguardem a edição intitulada 10 Mil Anos de Rock." Foi nessa época que Mazzola cismou de resgatar o disco original. "Com o apoio do Raul e de sua família, comecei a planejar esta reedição. Demorou 16 anos, mas consegui refazer toda a mixagem, retirando as palmas e a ambiência de 'falso ao vivo'. Era o que mais irritava a todos nós", diz o produtor. Raul morreu em 1989 sem ver o álbum devidamente restaurado. Em mais um round da luta pelo disco original, a então Polygram acertou outro golpe baixo ao lançar em CD, em 1992, a versão adulterada do LP.

Afinal, no ano passado, depois de acertar um acordo de distribuição com a Universal, Mazzola pode pôr as mãos nas fitas originais, gravadas em oito canais em 1973. Em março deste ano, além de remasterizar todas as músicas, o produtor ainda incluiu na nova versão do álbum a faixa Abertura, limada até mesmo da edição original - na qual Raul tira um sarro de Elvis Presley. A capa (com direito ao crédito à "banda" Rock Generation) feita por Nilo Jorge em 1973 também retornou, "escondida" no encarte do novo álbum. O toque final no visual foi a reprodução, no próprio CD, do selo Polyfar do vinil original.

"Se era para fazer, era para fazer direito. Pegamos as fitas originais, remixamos tudo, colocamos na ordem exata que Raul tinha concebido em 1973. Foi um sonho realizado, um disco que vai ficar para a história", exulta Mazzola.