Reis do iê-iê-iê dominam as gravadoras

Músicos egressos da Jovem Guarda definem os rumos da indústria fonográfica

João Ximenes Braga
25/06/2001
Ao longo das últimas semanas celebramos os 70 anos de João Gilberto e os 60 de Roberto e Erasmo Carlos, que também lançaram novos discos, bem como Caetano e Gil. Os expoentes dos movimentos musicais que mudaram os rumos da MPB ao longo dos anos 60 continuam participando ativamente de nosso cotidiano. Ainda que persista um desnível entre eles: as marcas musicais deixadas pela bossa nova e pela Tropicália são muito mais evidentes, ou palatáveis, que as da Jovem Guarda. Na encolha, porém, aquela turma de tijucanos com penteados de gosto duvidoso rendeu não só o maior vendedor de discos do país - Roberto Carlos, claro - como uma considerável parte dos executivos de gravadoras que, ao longo das últimas duas décadas, definiram os rumos da indústria fonográfica.

Max Pierre, diretor-artístico da Universal, que também ocupou o mesmo cargo na Som Livre entre 1982 e 1992, foi baterista dos Canibais, um grupo da segunda linha da Jovem Guarda que teve um hit cantando em inglês, Gina, e acompanhava os grandes nomes do movimento como banda-residente de programas de TV. O ex-saxofonista dos Fevers Miguel Plopschi, que por duas décadas imperou entre a Sony e a BMG, hoje tem um pequeno selo próprio, Matrix, em sociedade com seu ex-companheiro de grupo Michael Sullivan, que como compositor perpetrou algumas das mais indefectíveis baladas dos últimos 20 anos. Marcos Maynard, que fez carreira na Sony, foi sucessivamente presidente e diretor para a América Latina da PolyGram, hoje impera na bem-sucedida Abril Music. Bem, Maynard não foi exatamente da Jovem Guarda, mas foi tecladista da banda Lee Jackson, que gravava em inglês, surgida nos estertores do movimento.

Estes são apenas os nomes mais importantes entre tantos egressos da Jovem Guarda que se tornaram produtores e compositores do lado mais comercial da música brasileira nas últimas décadas. Uma influência bem menos discutida, e tratada com menor orgulho, que a do tropicalismo e a da bossa. Mas que bota a Jovem Guarda como uma eminência parda do que mais movimentou dinheiro em vendas de discos no país.

E no que isso redundou? Bem, foi sob o império de Max, Plopschi e Maynard (e de outros produtores de outras origens, necessário dizer) que os filhos da bossa nova com a Tropicália - a tal da MPB - resvalaram muitas vezes para o brega. Como que a vingança do primo pobre para com os primos ricos. Caso exemplar: Gal Costa gravou Chuva de Prata ouvir 30s. Para lhe vender a música, o produtor Mariozinho Rocha, sob os auspícios da direção de Plopschi, tinha que ressaltar que a letra era de Ronaldo Bastos e esconder que a melodia era de Ed Wilson, oriundo da Jovem Guarda. Gal foi muito criticada. Vendeu como nunca. "Era uma música de alcance comercial maior. Em nenhum momento deixou de ter qualidade. Chuva de Prata era belíssima", diz Plopschi.

Exemplos mais recentes não faltam: o boom sertanejo (gênero que abrigou muitos músicos saídos da Jovem Guarda); a banalização do pagode, muito mais próximo da canção romântica jovem-guardista do que do samba, e o rasteiro padrão de produção que impera na música pop atual.

Roberto Carlos e seguidores eram mais românticos do que roqueiros
Fala-se muito da Jovem Guarda como o nascimento do rock brasileiro. Mas, historicamente espremida entre a sofisticação da bossa nova e da Tropicália, ela foi sobretudo uma constatação do indefectível poder da música romântica. "O que mais vendeu na Jovem Guarda era o romântico, mesmo as músicas mais rápidas tinham melodias românticas. O rock’n’roll era uma fachada. Roberto Carlos tinha Eu Sou Terrível ouvir 30s e Vem Quente que Eu Estou Fervendo, mas a maioria das faixas de seu disco era romântica. A continuidade do movimento foi a música romântica", diz Max Pierre.

Mas, por que diabos a Jovem Guarda gerou tanto poder? "Dos três movimentos do período, foi o que mais vendeu", diz Max. "O que cada um de nós aprendeu na Jovem Guarda é que existia uma indústria por trás do que fazíamos. Talvez porque não fôssemos tão loucos, entre aspas, quanto os outros (tropicalistas e bossa-novistas), pensávamos em administração da carreira. E minha função é cuidar dos artistas dentro da gravadora.

Plopschi justifica numericamente: "Talvez tenha sido uma coincidência, pelo movimento ter sido muito grande: envolvia umas 500 pessoas. Natural que houvesse mais gente da Jovem Guarda ainda hoje na indústria", diz. Mesmo adotando essa linha blasé, é inegável que a Jovem Guarda lançou as bases no Brasil de um conceito de música pop para a era da TV. "A Jovem Guarda mexeu com tudo, costumes, roupas, gírias... O movimento não foi localizado geograficamente, atingiu toda a juventude brasileira, tocava em todas as rádios", diz Plopschi.

Tem mais. Justamente os grupos que deram origem a altos executivos de gravadoras eram bandas de baile. Faziam shows não como são o padrão hoje: apresentação de repertório próprio em pouco mais de uma hora. Conjuntos como os Fevers e os Canibais tocavam os sucessos de rádio por horas a fio, em bailes. Em estúdios de TV ou de gravação, acompanhavam os principais nomes da época, mesmo que com percalços. Max lembra-se, rindo, do que aconteceu quando sua banda foi acompanhar Tim Maia: "Recebíamos os discos durante a semana para ensaiar. O do Tim nos chegou às 11h da manhã e a canção não era fácil como a maioria. A gravação era às 17h, o Tim Maia não lembrava mais a música e a gente errando a harmonia. A primeira aparição do Tim na TV foi um fracasso por causa dos Canibais."

O grupo acompanhava de 30 a 40 artistas por semana na TV, uma universidade sobre a parada de sucessos. "A gente aprendia a ver reações das pessoas tocando as mesmas músicas em lugares diferentes, ganhava mais dinheiro quem mostrasse o repertório que trouxesse mais público. Experiência grande para reconhecer o tipo de música que agradava ao povo" diz Max. "Você bota no seu cérebro caminhadas harmônicas de canções de sucesso, vê quais são os ingredientes", fala Plopschi.

Então conclui-se que esses músicos levaram para os cargos burocráticos a peça principal para tal posição: um bom ouvido para o vendável. "Não é por ter vindo da Jovem Guarda que só vou fazer música mais comercial. Produzi gente tão variada como Adriana, Rita Lee, Jorge Ben, Dicró", diz Pierre. Plopschi, que já teve sob contrato de Chico Buarque e Paulinho da Viola a José Augusto e Joana, completa: "Na Jovem Guarda, nós não tínhamos essa visão de fazer sucesso para ganhar dinheiro, mas para subir num palco e ver dez mil pessoas dançando."