Religião, consciência social e hip hop eclético

BNegão, rapper do Planet Hemp, arma seu CD solo; ouça com exclusividade uma música do novo trabalho aqui

Christian Caselli
14/08/2001
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Enxugando Gelo,
faixa inédita de B Negão


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Quem acha que os membros do Planet Hemp só sabem falar em maconha está muito enganado. Se o próprio grupo já  ampliou o seu leque de assuntos, seus detratores podem fechar o bico de vez ao ouvir trabalho solo de um dos vocalistas, o rapper BNegão, que está por vir. Feito de forma totalmente independente das grandes gravadoras, Enxugando Gelo (título de uma das faixas e nome provisório do CD) vai surpreender até mesmo os fãs do Planet. "A minha parada solo é totalmente diferente do que eu faço com o Planet. Sempre estou procurando coisas diferentes daquilo que já fiz", garante B, com a sua fala cheia de ginga. "E vou lançar também em vinil", avisa a todos. No entanto, o que pode mais chamar a atenção dos ouvintes é a grande presença de temas espirituais na letras. "Sessenta por cento são letras sobre assuntos espirituais e os outros 40% sobre o social". A surpresa aumenta quando se liga BNegão nas bandas em que mais atuou, o citado Planet Hemp (quase uma banda-manifesto em prol da legalização da maconha) e o Funk Fuckers, que tratava basicamente de temas, digamos, sexistas.

B explica o tom de suas mensagens: "É espiritual sem querer doutrinar ninguém. Eu falo da parada básica do ser humano. Eu sempre gostei do assunto", diz o rapper, referindo-se à alma humana. Ele faz questão de dizer que não segue nenhuma linha religiosa específica: "Eu não tenho nem religião, mas, desde moleque, acho que tudo vale. Eu falo sobre as coisas que eu acredito, tipo reencarnação, sobre o efeito bumerangue - que tudo o que você faz volta para você mesmo. São coisas nas quais até quem é cético acredita. E tudo isso está aí, mesmo nas religiões mais antigas", conta.

 
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Mas B nem sempre foi assim. Na adolescência, era um ateu assumido, concepção que foi mudando no decorrer do tempo. "Quando era moleque falava: 'não, não acredito em Deus'. Eu via que os caras que falavam que acreditam em Deus eram um bando de hipócritas; falavam uma coisa e faziam outra. Aí eu disse: se Deus é isso, então tchau", conta B. "Só que quando eu fui estudar, eu vi que, mesmo não acreditando, acreditava mais do que quem dizia se dizia fiel. Por que? Porque minhas atitudes sempre foram para o bem dos outros", complementa. O vocalista crê que o comercialismo da fé é o que estraga tudo: "O problema básico da religião, que afasta as pessoas, é que neguinho bota a Igreja Católica como franquia; franquia de Deus, de Jesus... Os caras literalmente querem grana. Então, ou se leva fé naquilo ou rejeita totalmente".

No entanto, mesmo não seguindo uma religião espec¡fica, B se baseia na filosofia de Cristo para compor o seu pensamento. Mas, claro, numa linha muito pessoal, procurando informações extra-bíblicas. "Eu levo fé que Jesus Cristo foi o cara. Só que tem que dar uma estudada boa para ver como tudo aconteceu mesmo. Porque Jesus falava por metáforas, e, ao longo das Inquisções e com o aumento do poder da Igreja, foi mudando tudo de acordo com interesses. Então tem umas edições proibidas pela Igreja, mas se procurar dá  para achar. Eu já  li uns pedaços desses textos, a chamada Bíblia dos Arqueólogos, na qual as pessoas foram atrás dos textos originais ao invés das traduções que mudaram tudo. Existem partes totalmente diferentes". Mas o artista não vê nenhum problema em quem não acredita em Cristo: "Dizer que acredita ou não acaba não mudando nada. Isto é só na palavra. O importante é o ser humano mesmo. Tem vários camaradas meus que são ateus e a atitude dos caras é do bem. Todos os políticos são católicos e dá  no que dá."

Explicada a filosofia, voltemos à música. BNegão garante que o seu CD solo está bastante variado musicalmente, tendo, entre outros ritmos, o dub (uma vertente do reggae), hip-hop mais experimental, hardcore, drum'n'bass e outras paradas, como o rapper gosta de dizer. "O bom de estar fazendo um solo - que eu sempre tive a intenção de realizar - é que eu posso fazer o que eu tiver a fim. Eu quero fazer experiências com vários ritmos, mas sem falar 'Ah, vamos misturar tal negócio, que vai dar nisto'. A mistura é natural. E é difícil encontrar alguém que tope fazer estas experimentações todas".

B reclama que as pessoas estão se prendendo muito a rótulos: "Neguinho sempre está a fim de tocar um, dois estilos, três no máximo, só misturando um pouco. Eu ouço tudo, de death-metal até jazz, de dub até hardcore. É mais fácil falar daquilo que eu não ouço do que das coisas que eu ouço."

Quanto as letras, o artista revela como vai expor suas opiniões religosas: "Meu senso de humor continua. Eu falo sobre isto no meu jeito, fazendo uma comparações, umas metáforas, para que as pessoas vejam situações que estão no dia-a-dia, mas que às vezes são difíceis de enxergar". Quanto às letras sociais, mais uma surpresa: o vocalista nem lembra se vai falar de drogas. "Deixa eu lembrar...", medita. "Eu falo de várias coisas, como consumismo, violência, de gente que acha que carro e cigarro são sinônimos de liberdade... E que qualquer movimento que queira acabar com a violência é besteira, enquanto não houver distribuição de renda e enquanto as pessoas não se tratarem direito. Se não mudar todo mundo, 100% das pessoas literalmente, não tem como acabar a violência", acredita.

Nesta linha, o CD já tem um seríssimo candidato a hit: A Dança do Patinho, em cuja letra o vocalista enumera uma série de atitudes otárias ("Você que assina contrato sem ler/Acho que o governo se importa com você/Você que acredita no ouro nacional", etc) como a coreografia básica para a dança que dá nome à música.

Sobre a gravação do disco, B conta que está fazendo tudo na casa de diversos companheiros de guerra, como Pedrinho (baterista do Planet). "Ele é meio geniozinho de computador e dá para tirar um som bom mesmo com um equipamento terceiro mundista. É um computador simples, mas ele se vira bonito". Já na parte de distribuição, o vocalista conta que faz questão que o CD seja independente, até mesmo como uma atitude de protesto. "Estou pensando em prensar os dez mil primeiros. Eu tenho recebido outras propostas, mas não estou a fim porque não sou a favor do preço alto do disco. Acho um roubo. Quem é que vai comprar? A gente está numa crise hipócrita que ninguém vê, ninguém admite que ela existe, uma crise fantasma. E nessa conjuntura, como lançar um disco a R$ 25?!", protesta.

B acha que o seu esquema é o melhor a se fazer para uma música alternativa. "Não só acho como tenho certeza. Eu quero que o meu disco no máximo custe dez contos (R$ 10). E se eu vender dez mil cópias independentes, vai estar todo mundo feliz da vida; se trabalhar direito, todo mundo vai ficar com uma grana monstra. Numa gravadora, dez mil não é nada. Você não ganha nada, ou ganha centavos. Eu já passei por isso."