Repertório privilegiava canções estrangeiras

Durante 30 anos, Leny Eversong gravou em sua maioria standards e temas de filmes americanos e canções em diversos idiomas, que se adequavam a seu registro vocal explosivo

Rodrigo Faour
31/08/2000
Como não há nada editado em CD da cantora Leny Eversong, é difícil ter acesso à sua bela voz. Mas quem chegar lá (uma dica: na discografia de Leny em CliqueMusic é possível ouvir trechos de algumas músicas) vai descobrir uma cantora fantástica. Na esmagadora maioria, seu repertório é composto de standards internacionais. Em 78 rpm, ela gravou cerca de 100 canções, de 1942 até o início dos anos 60. No começo da carreira, ainda como crooner da orquestra do maestro Totó, entoou delícias como Weekend in Havana, Tangerine e Always in My Heart, todos temas de filmes americanos famosos do início dos anos 40. Depois, já em carreira solo, ela continuou registrando clássicos americanos, como Stormy Weather e My Mammy.

A partir de 1951, Leny começou a gravar em português, alternando canções nacionais e estrangeiras – estas em inglês, francês, espanhol, italiano etc. O repertório nacional, no entanto, não era tão expressivo e nem servia tanto a seu estilo vocal de explosão. Em 52, gravou Jezebel pela primeira vez, e estourou – na mesma época que o colega Jorge Goulart também a gravara com sucesso. Finalmente, em 1955, gravaria seu primeiro LP de dez polegadas, A Voz de Leny Eversong, com canções climáticas no estilo de Yma Sumac, sambas de impacto (Aquarela do Brasil, Na Baixa do Sapateiro), além da dobradinha afro-cubana com Tierra Va Tembla e El Cumbanchero.

Durante os anos 50, gravaria ainda LPs com repertório aquém de seu potencial na Copacabana, incluindo alguns sambas-canções deslocados, até que viria um álbum definitivo em 1957, coroando sua fase de sucesso internacional: Leny Eversong na América do Norte, gravado com a orquestra de Neal Hefti. Neste, ela registrou delícias como I Can’t Give You Anything But Love, Autumn Concerto, St. Louis Blues, Jalousie, Summertime e, é claro, Jezebel. De lá, foi para Paris e gravou com a orquestra de Pierre Dorsey várias canções que foram distribuídas em discos no mundo inteiro e das quais 12 entraram no LP A Internacional Leny Eversong (RGE, 1958). São deste disco sua espetacular versão de Granada, mais Solitude, Ça C’est L’amour e uma bela canção em português, Esmagando Rosas, de Alcyr Pires Vermelho e David Nasser.

Sereno: raro hit em português
Como gravou poucas músicas brasileiras, Leny também teve poucos sucessos em nossa língua. Talvez o mais representativo seja o rock balada Sereno ("na madrugada/ Caindo no meu caminho"), de Paulo Molin, que ela lançou em 78 rpm e compacto em 1958. Algumas versões em português de filmes famosos também foram registradas por Leny, como Sol de Verão (Theme From A Summer Place), incluída no LP Fabulosa!!! (1960), na RGE. É um grande disco, no qual a cantora só solta o vozeirão quando é preciso. Neste ela canta tarantelas italianas (Marina), jazz (Mack the Knife, Lazy Bones), bolero (Sabor a Mi) e até um Lupicínio Rodrigues autêntico (Exemplo).

Nos anos 60, Leny gravou apenas (bons) compactos e um LP ao vivo com Cauby Peixoto, Um Drink com Cauby e Leny, quando o cantor era proprietário da boate Drink, em Copacabana. Leny chegou a cantar algumas canções interessantes em festivais da canção e a partir dos anos 70 foi sumindo da cena, como a maioria de seus contemporâneos, já que ter vozeirão passou a ficar fora de moda (e envelhecer em nosso país costuma ser um passaporte para o ostracismo). Quem tiver acesso a alguma de suas interpretações bombásticas viverá uma experiência única. Terá certeza que o canto lírico perdeu uma diva para o popular. Uma voz linda, potente e que aos poucos foi ficando mais bem dosada. O Brasil ainda tem tempo de se reconciliar com um de seus mitos vocais.

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