Roberto Paiva completa 80 anos

Cantor que lançou Se Todos Fossem Iguais a Você, Oh! Minas Gerais e Menino de Braçanã, que revelou Geraldo Pereira e Nelson Cavaquinho diz que fez tudo a que tinha direito em sua vida

Rodrigo Faour
09/02/2001
"Fui um típico cantor de rádio". Quem se define assim é o veterano Roberto Paiva. De fato, sua época áurea foi do final dos anos 30 (quando começou a gravar, com apenas 17 anos de idade) ao começo dos 50 - exatamente o período áureo do rádio no Brasil. Inteiraço, com seus 80 anos recém-completados, ele sempre que pode ainda solta sua bela voz, como fará durante o carnaval carioca num coreto, em plena Cinelândia, ao lado de outros ícones de sua época, como Marlene, Emilinha Borba e Roberto Silva. Com certeza, Roberto não deixará de entoar sucessos como O Trem Atrasou e (Fala) Tagarela, que teve o privilégio de lançar, ao lado de outros clássicos, como a valsa (Oh!) Minas Gerais (45), a toada Menino de Braçanã (53) e até o samba-canção Se Todos Fossem Iguais a Você (56). Foi também ele quem realizou a façanha de lançar grandes compositores como Geraldo Pereira, Nelson Cavaquinho e Paquito.

Roberto Paiva descobriu que cantava por acaso. É que sua tia, Jandira Pereira, que tocava piano, ao executar Santa, sucesso do cantor (tenor) Vicente Celestino, foi surpreendida pelo sobrinho que conseguiu cantá-la na íntegra. "Eu agüentei a música toda e ela disse: 'Nossa! Você canta!'", recorda-se o cantor, que, aluno do Colégio Pedro II, no Rio, já era motivado pelos colegas a cantar os sambas de Noel Rosa, como De Babado e Provei. De passagem um dia por Niterói, foi incentivado pelos amigos a inscrever-se num programa de calouros. Como não podia cantar com seu nome de batistmo, Helim Silveira Neves, decidiu adotar o pseudônimo de Roberto, graças aos insistentes cartazes pela rua que anunciavam a vinda do ator Robert Taylor de navio para o Brasil.

Foto: Rodrigo Faour
O cantor Roberto Paiva hoje, em sua casa, na Tijuca
Incentivado pelo sambista Cyro Monteiro, pelo pianista Nonô (tio de Cyro) e pelo violonista Laurindo de Almeida, Roberto foi à Odeon em 1938 para um teste. Lá chegando, esperou duas horas o cantor Francisco Alves terminar de gravar uma canção. "Esqueceram o microfone ligado na sala da técnica e quando fui fazer meu teste, o Chico ouviu, pois estava lá conversando com o Strauss, dono da gravadora. Ele veio até mim e pediu que eu cantasse uma música do repertório do Orlando Silva, outra do Silvio Caldas... Terminei e ele não disse nada. Meia hora depois veio ele abraçado com o Strauss, com um contrato para eu assinar", lembra. Como era menor de idade, Roberto teve de convencer o pai - que o queria no Exército e não nessa "profissão de vagabundo"- a assiná-lo.

Tagarelas e trens atrasados
Não muito depois de sua estréia, já no carnaval 1941, o cantor emplacou o primeiro grande sucesso, lançando de quebra o compositor Paquito (Francisco da Silva Fárrea Junior). O samba O Trem Atrasou ("Patrão, o trem atrasou/ Por isso estou chegando agora/ Trago aqui o memorando da Central/ O trem atrasou meia hora/ O senhor não tem razão/ Para me mandar embora"), de Paquito, Estanislau Silva e Artur Vilarinho, foi um dos preferidos dos foliões daquele ano, concorrendo com Aurora, Alá-La-Ô, O Bonde de São Januário, Helena, Helena e Passo do Canguru.

Apesar de ter cantado muitos sambas, Roberto não tem preferência por gêneros. "Sou um cantor de bom gosto, modéstia à parte. E tinha certo faro para o sucesso. Quem diz isso para mim é o Luiz Vieira, que lancei com a toada Menino de Braçanã, antes da gravação do Ivon Curi. Também não tenho preferência por esse ou aquele ritmo. A música tem que ser boa", justifica ele, que só lamenta que o nível dos cantores, em geral, tenha decaído tanto. "Tem muito cantor que hoje é líder de venda de discos mas, na minha época, não passaria nem na calçada da Rádio Nacional ou da Mayrink Veiga", dispara o cantor, que em sua época teve de fazer prova tanto para cantar em rádios como para gravar.

Roberto fez muito sucesso com sambas e marchas do compositor Roberto Martins. Uma delas - (Fala) Tagarela - foi um grande sucesso do carnaval de 1945. "O Roberto Martins me ensinou uma coisa muito importante: você nunca deve rejeitar logo de cara uma música que um compositor vier te apresentar. Se for possível, deve aprender a música para depois discernir para ver se é boa ou não é. Porque algumas você vê de primeira que vão pegar, como essa recente que o Gilberto Gil está cantando, Esperando na Janela. Isso é sucesso. Nem conhecia o rapaz que gravou originalmente (Targino), mas desde a primeira vez que ouvi o Gil cantando, comentei com minha esposa que ela seria sucesso", conta.

Na verdade, Roberto Martins ensinou a seu xará de uma forma muito original como se deve analisar uma música. "O Roberto tinha duas marchas para me dar no carnaval de 1945. Então, fez a seguinte experiência comigo: Estávamos na esquina da Rua México com Santa Luzia, no Centro do Rio, e ele me disse: 'Vamos cantar essa música daqui até a Rua da Assembléia, sem parar. No meio caminho, estava cansado de cantá-la, mas ele me fez continuar até o lugar marcado. Paramos, tomamos um cafezinho. Aí me ensinou o Fala, fala Tagarela ("Que eu vou fingindo que não é comigo"). Vi logo que a anterior era muito melhor, pois essa era muito grande. Mas fui cantando até a Santa Luzia, de volta. Então, me perguntou: 'O que achou?' Respondi: 'Essa é uma marcha enorme, a outra é mais curtinha, mais fácil. Mas, engraçado, na outra eu cansei de cantar, enjoei, e essa não'. E ele: 'Então, grava essa segunda que eu garanto'. E eu ganhei o carnaval disparado longe das concorrentes. Mas veja que curioso: no entanto, no ano seguinte ninguém mais cantou Tagarela. Já O Trem Atrasou, que teve inúmeras concorrentes fortes, até hoje é pedida nos meus shows", compara.

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