Rock travesti é a nova sensação de Pernambuco

A novata banda Textículos de Mary, de Recife, causa surpresa e espanto no Abril Pro Rock com sua mistura inusitada de punk, pornografia gay e pura irreverência

Alex Menotti
11/05/2001
Eles fizeram um dos shows mais comentados do Abril Pro Rock 2001. Seja pelo escracho, seja pelo punk pornô que apresentam em cima do palco, os pernambucanos dos Textículos de Mary recebem elogios por onde passam. O grupo parece a materialização das personagens do submundo de Nova York cantadas por Lou Reed na época do Velvet Underground (mas sem o baixo-astral), aliada a sonoridade suja e o visual andrógino de bandas como New York Dolls e The Tubes.

Letras de músicas como Obraite e Propróstata são impublicáveis, beirando a pornografia pura e, por isso mesmo, muito engraçadas. Ah, e o som é bem divertido. Se Marylin Manson se acha muito polêmico e irreverente, é porque ele ainda não conhece os Textículos de Mary.

A banda possui somente duas fitas demo no currículo. Da primeira, Xivula, foram feitas apenas dez cópias. "Nem a gente tem", conta um dos vocalistas e principal letrista, Fábio, também conhecido pela alcunha de Chupeta. A segunda, Tivira, teve uma tiragem maior: cinqüenta cópias. O TDM surgiu há três anos, como uma brincadeira. "A gente se juntava em casa para tocar em festas de aniversário", relembra Fábio.

Mas ele logo desconversa e começa a contar a outra "versão" para o aparecimento do grupo, muito mais absurda e hilariante: "O mito de fundação da banda é a auto-mutilação de Mary, um travesti que fazia ponto no centro de Recife. Numa madrugada, ela não tinha dinheiro para pagar um programa com quatro sujeitos. Foi espancada por eles e abandonada ensanguentada no banheiro. Deprimida e arrasada pela situação, ela pegou a gilete que escondia na boca e arrancou a própria genitália, largando-a no banheiro e desaparecendo. Ninguém nunca mais soube onde está Mary."

Fábio prossegue: "Misturada com urina, esperma e as bactérias encontradas no banheiro, a genitália sofre uma reação e surgem três travestis mutantes. Quando eles saem para a cidade ficam impactados com a loucura e começam a afugentar as pessoas. Os únicos que conseguem aceitar essas três criaturas são os viciados, os meninos de rua, as prostitutas, os travestis, toda essa escória social." Mas a história, digna de um filme de John Waters, não pára por aí.

O ataque dos travestis mutantes
Os Textículos de Mary são, na verdade, as três drags cantoras (que atendem pelos singelos codinomes Chupeta, Lollypop e Pixóta), acompanhadas pela Banda das Cachorras, repleta de gente com apelidos de rolar de rir (Bambi e Caiadraga nas guitarras; Dúbia Katesuelen no baixo; Loiranegra na percussão; Scarlet Cavalera na bateria; e Cilene Lapadinha na pandeirola).

Fábio Chupeta continua sua narrativa alucinada sobre a mitologia do grupo e "revela" como se deu o encontro entre as drags e a Banda das Cachorras: "Fugindo da polícia, depois de uma festa, nós três entramos num bar onde estava tocando uma banda de forró. Sem aguentar aquele barulho, voamos para cima dos músicos e os mordemos todos. Eles então se transformaram em travestis indecisos, porque ainda estão em processo de transformação. Foi aí que surgiu a Banda das Cachorras, que acompanha a gente. A partir daí, começamos a musicar os poeminhas de um caderninho de Mary que a gente encontrou. Por isso que são os Textículos de Mary."

Brincadeiras à parte, o TDM começou a se apresentar em bares manjados do circuito roqueiro recifense, como a Soparia e o Pina de Copacabana. Foram parar no festival Pé No Rock e daí para o Abril Pro Rock foi um pulo. O grupo fez uma apresentação insana em Recife, com direito a auto-sodomia com o microfone por parte de um dos integrantes. "Foi a coisa mais absurda que a gente já fez no palco", jura Fábio. Tanta loucura valeu aos Textículos diversas menções por boa parte da imprensa especializada. Mas e contrato para um disco? "Ainda não temos nenhuma proposta concreta por parte de alguma gravadora. Estamos só na batalha mesmo", diz o vocalista.

Lado ruim do homossexualismo
É de se imaginar que uma banda dessas, com forte temática homossexual (ainda que pendendo para o escracho) sofresse algum tipo de discriminação do público roqueiro. Mas não é bem assim. "Na maioria dos locais onde a gente toca, a banda é bem aceita, as pessoas vibram com nosso show. Por incrível que pareça, quem não aceita a gente é exatamente o público gay. Ele diz que a gente mostra o lado ruim do homossexualismo", diz Fábio.

Para finalizar, e com fartas doses de fina ironia, ele faz um resumo do que é a filosofia dos Textículos de Mary. "A gente é tudo que não presta no rock’n’roll. O mau gosto de se vestir de David Bowie, o ‘bom humor’ de Lou Reed, as músicas ‘complexas’ de Sex Pistols, o ‘bom comportamento’ do New York Dolls, o ritmo ‘cadenciado’ de Syd Barrett…ou seja, o melhor do rock’n’roll." Quem quiser dar uma escutada em músicas da banda, como Charles Bronson Song, Sometimes I Feel Like Crazy, Jennifer, Serviço de Utilidade Pública e Uma Linda em Berlim, é só dar uma chegada no site Manguetronic.