Rosa de Ouro, que tesouro
O show que apresentou Clementina ao mundo inovou em produção, repertório e elenco
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Paulinho da Viola, que começou na carreira artística mais ou menos na mesma época e teve em Rosa de Ouro também sua grande estréia, lembra: "Eu tinha a mesma perplexidade que ela, porque estávamos ambos começando. Ela tinha uma relação de mãe e filho conosco, e eu era o mais novo, tinha 21, 22 anos, era visto como um menino". Elton Medeiros corrobora: "Foi uma das pessoas mais generosas que eu conheci. Ela e marido, o Pé Grande. Eram muito carinhosos, o que não é tão comum no meio artístico. O carinho e os conselhos que ela dava ressoam dentro de mim até hoje". Não por acaso, Elton, Paulinho, Hermínio e muitos outros que conviveram com Clementina só a chamavam de "mãe".
A entrada de Clementina no Rosa de Ouro era realmente triunfal. Ela aparecia apenas na segunda parte do espetáculo, depois dos números de Araci Côrtes. Os Cinco Crioulos faziam um pot-pourri de sambas que terminava no partido-alto de Elton, Clementina, Cadê Você?. Depois disso, as luzes se apagavam e ouviam-se apenas tambores soando, até que, no meio de um jogo de luzes bastante inovador para a época, aparecia a ebanácea Clementina, em seu vestido branco, cantado Benguelê.
"O Rosa de Ouro foi muito comentado, e depois disso a Clementina passou a estar sempre cercada por muita gente. Virou uma estrela de repente", recorda Paulinho. De fato, em 1966 Clementina gravou seu primeiro disco individual (Clementina de Jesus ), viajou para o Senegal, representando o Brasil no Festival de Artes Negras em Dacar, e para a França, onde foi representar a MPB no Festival de Cinema de Cannes.
A internacional Quelé
Uma vez que a aventura da vida artística parecia estar dando certo, Clementina decidiu abandonar definitivamente o emprego de doméstica (trabalhou na mesma casa, de um casal de portugueses, por 20 anos) pela de cantora. Não sem protestos e ameaças dos antigos patrões, que avisaram que não iriam aceitá-la de volta depois. E ela foi para o mundo.
Em Dacar, os principais representantes da música brasileira eram Clementina de Jesus, Ataulfo Alves e Elizeth Cardoso, simbolizando, respectivamente, a música brasileira primitiva, clássica e moderna. Paulinho e Elton foram como acompanhantes, e guardam belas recordações das platéias africanas. "Foi a maior ovação a Clementina que eu vi em todo o tempo que a acompanhei. Ela teve de voltar ao palco cinco vezes para o bis. Isso nunca aconteceu no Brasil", diz Elton, recordando o primeiro show, em que ela cantou acompanhada apenas por percussões e palmas (de seu marido Pé Grande).
No Festival de Cannes, na França, no mesmo ano de 1966, Clementina (sempre acompanhada por Pé Grande, Elton e Paulinho) tocou ao lado de Elizeth, Zimbro Trio, Irmãs Marinho e Wilson Simonal. Passou alguns dias em Paris, onde reencontrou o antigo parceiro de palco Turíbio Santos, que aperfeiçoava seus estudos de violão. "Ela passou uns cinco dias em Paris, e como eu morava lá, fiquei como cicerone. Um dia, tive que ir dar uma aula, e deixei Clementina, Pé Grande, Elton Medeiros e Paulinho da Viola num bar, na esquina da Rue des Écoles com Boulevard St. Michel. Quando voltei, Clementina estava na rua, em frente ao bar, cantando e dançando, e os outros batucando em volta dela. E a francesada, claro, olhando espantadíssima", lembra o violonista.
Tendo iniciado a carreira em uma idade em que a grande maioria dos artistas e trabalhadores em geral só querem saber de aposentadoria, Clementina exibiu vitalidade impressionante em seus primeiros anos de cantora profissional. Em 1967 encarou a segunda temporada e o segundo disco do Rosa de Ouro . No ano seguinte, não saiu do estúdio: gravou Gente da Antiga
, com Pixinguinha e João da Bahiana, fez o espetáculo Mudando de Conversa
, que também virou disco, e ainda Fala, Mangueira!
, cantando sua escola de coração ao lado dos amigos Carlos Cachaça, Cartola, Nelson Cavaquinho e Odete Amaral.
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