Samba da Vela cultiva a tradição entre público jovem

Roda de bambas que acontece toda segunda-feira em galpão na periferia de São Paulo revela novos compositores do samba de raiz e ganha apoio de nomes como Beth Carvalho

Carlos Calado
16/02/2001
Seis meses atrás, quando eles se reuniram pela primeira vez para cantar sambas tradicionais, num bar da zona sul de São Paulo, eram apenas 11. Agora, são mais de 200 pessoas, com idades variando entre 20 e 30 anos, que se encontram todas as segundas-feiras para o Samba da Vela, roda de compositores, músicos e fãs do gênero, que está se transformando rapidamente em um movimento pela preservação do samba de raiz.

Foto: Divulgação
Beth Carvalho prestigia o Samba da Vela
"A gente não imaginava que seria dessa maneira. No começo, só pensamos em fazer alguma coisa para a Zona Sul, um lugar que sempre teve fama de não ter sambistas, só vagabundo e violência", conta o compositor e percussionista Magno de Souza, que desenvolveu a idéia com o irmão Maurílio de Oliveira (parceiro no grupo Quinteto em Branco e Preto) e os compositores Chapinha e Paqüera, todos radicados na região. O projeto, reconhece Magno, foi inspirado nos pagodes organizados por grandes sambistas do passado, como Paulo da Portela e Candeia.

A primeira impressão de quem entra no bar Ziriguidum (um modesto galpão que funciona na rua Dr. Antonio Bento, nº 257, nas imediações do Largo Treze de Maio, no bairro de Santo Amaro), é a de uma reunião litúrgica. No centro da sala, brilhando dentro de uma redoma de vidro, uma vela ilumina os rostos dos sambistas, sentados em círculo, com seus violões, cavaquinhos e instrumentos de percussão. Nas paredes pintadas de branco, lembrando imagens sagradas, vêem-se dezenas de molduras com fotos de sambistas de várias gerações, de Noel Rosa e Cartola a João Nogueira e Zeca Pagodinho.

Mesmo que alguns tenham latas de cerveja nas mãos, a animação é relativamente contida. Os sambas são escutados com atenção, antes de serem cantados por todos, com as letras impressas em folhas de xerox. Quando alguma conversa paralela se destaca, no fundo da sala, os compositores que coordenam a roda não pensam duas vezes para pedir mais atenção e silêncio.

"Nossa idéia era montar uma roda de samba de raiz, para cantar Cartola, Nelson Cavaquinho e coisas assim. Mas no dia da primeira reunião começamos a mostrar músicas inéditas um para o outro e fomos até três da manhã. Ali decidimos fazer uma roda de samba com músicas inéditas", conta Chapinha, cearense de Uruburetama radicado há 26 anos em São Paulo, que abriu o bar sete meses atrás, para poder concretizar o projeto da roda.

No resto da semana, o local funciona como uma casa de samba comum. Às sextas-feiras, por exemplo, acontece um samba de mesa, com muito partido-alto cantado das 20h à meia-noite. Daí em diante, é o pagode atual que comanda a festa dos freqüentadores.

Samba até a vela acabar
"Nas segundas-feiras, as pessoas vêm aqui para cultuar o samba tradicional, não só para se divertir. O Samba da Vela já se tornou um pólo cultural", diz o compositor Paqüera, autor da idéia de usar uma vela acesa, que ao se apagar indica o final da roda. "Eu estava preocupado com o horário, porque as pessoas precisam trabalhar na terça-feira. Como uma vela dura mais ou menos duas horas e meia, terminamos por volta das 23h, sem aquela história de ficar pedindo mais uma saideira", explica. O que nasceu por necessidade prática acabou assumindo um sentido mais amplo, espiritual. "No decorrer da história, a gente foi percebendo que a chama da vela acaba inspirando a gente a fazer grandes composições", acredita Chapinha.

O simbolismo da vela já rendeu até um slogan ("Que a luz ilumine nossas canções"), impresso na capa do caderno que as pessoas recebem ao entrar no bar, logo após pagarem o ingresso, também simbólico, de R$ 1. Nesse caderno estão as letras das composições que pertencem à comunidade do Samba da Vela, aprovadas por Paqüera, Chapinha, Magno, Maurílio e alguns outros compositores habituais da roda, depois de serem cantados durante algumas segundas-feiras.

Essa rotina é expressa na cor da vela que orienta cada roda. Quando a vela é cor-de-rosa, caso da penúltima segunda-feira, são apresentados sambas inéditos. Na semana seguinte, a vela azul indica que os sambas da roda anterior vão ser reapresentados. Já a vela branca é usada para as noites em que são cantados os sambas reconhecidos pela comunidade. Vários deles, como Silêncio, Por Favor (de Chapinha) e Acendeu a Vela (de Paqüera e Edvaldo Galdino), referem-se aos próprios rituais do Samba da Vela.

Dois dos sambas que fazem parte do caderno oficial da roda, Melhor Para Nós Dois (de Maurílio, Magno e Paqüera) e A Comunidade Chora (de Magno, Maurílio e Edvaldo Galdino, que sempre encerra as noites), foram gravados por Beth Carvalho, em seu recente Pagode de Mesa 2 Ao Vivo amostras de 30s - álbum que é dedicado, por sinal, ao Quinteto em Branco e Preto, de Magno e Maurílio. "Eles me dão uma nova esperança de Brasil", elogiou na capa do CD a cantora carioca, que não deixa de ir ao Samba da Vela, quando está em São Paulo.

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