Samba encontra hip hop na rota de Marcelo D2

O rapper carioca lança seu segundo álbum fora do Planet Hemp, À Procura da Batida Perfeita

Marco Antonio Barbosa
08/05/2003
Marcelo D2, líder do grupo de rap Planet Hemp, não se cansa de batalhar por uma identidade 100% nacional para o hip hop brasileiro. Mais ainda: uma identidade 100% carioca para o hip hop que ele mesmo faz, seja no PH, seja em carreira solo. "Vivemos em um país onde você tem inúmeras influências e referências sonoras pra colocar no hip hop. A idéia de misturar rap e samba é, antes de tudo, um meio de buscar a minha identidade própria. Estou sempre procurando ser original", afirma Marcelo, que, ao lançar agora seu segundo disco solo - À Procura da Batida Perfeita (Sony Music) - aprofunda ainda mais essa busca pela autenticidade repetindo a fusão que consagrou em sua trajetória individual paralela ao Planet Hemp: samba + rap.

Quem ouviu o disco solo anterior de D2, Eu Tiro É Onda ouvir 30s, certamente ainda se lembra do pioneirismo de Marcelo no modo como o samba - um tipo de samba bem carioca, descendente da malemolência de João Nogueira e da elegância de Paulinho da Viola - se mesclava aos loops e batidas. "O rap sempre procurou inspiração no passado", argumenta o vocalista, "é uma tradição que vem desde os pioneiros do estilo, como o Afrika Bambaataa." A referência ao grande nome do rap norte-americano não é gratuita. O título do disco de D2 é tradução literal de um dos maiores sucessos de Bambaataa, Looking for the Perfect Beat. "Eu ouço muita coisa dos puristas tanto do samba quanto do rap; a galera do samba acha não deve se misturar coisa nova no partido alto, enquanto a turma do rap fala que o negócio tem que ser só aquilo, batida, DJ, também sem mistura...", narra D2. "Mas aí eu olho pro exemplo do Bambaataa, que misturou rap com várias outros sons, e se ele não tivesse tido aquela sacada, o hip hop não teria evoluído para onde está hoje", conclui.

Gravado no Rio, mas finalizado e mixado em Los Angeles (mais uma vez, com o fera Mario Caldato Jr. pilotando a mesa de som), o disco teve suas canções escritas num tempo bem curto ("Menos de dois meses", diz D2). Re-Batucada, Batidas e Levadas e A Maldição do Samba são, já pelo títulos, as duas músicas nas quais a mescla de samba e hip hop melhor se cristaliza. Mas não pára por aí. Embalado à base de bossa nova (Profissão MC), samba-jazz (a faixa-título) ou samba-rock (Qual É), D2 se espalha também por outras praias. Sempre sambísticas.

D2 não se furta a contar algumas experiências pessoais que enriqueceram seus insights sobre o samba. "Eu ia às rodas de samba com meu pai nos anos 70", conta Marcelo, "mas quando começei a fazer música nunca tinha passado pela minha cabeça usar aquele tipo de som." A tecnologia ajudou a mudar a cabeça do rapper. "Quando eu comprei o meu primeiro sampler, comecei a fuçar as lojas atrás de vinis velhos pra samplear. E o ponto de partida do meu reencontro com o samba foi eu ter achado um disco do João Nogueira, que eu ouvia quando era criança ainda. Eu só lembrava da capa. Achei num sebo, levei pra casa e achei incrível. Pensei: 'tenho de samplear isso!'". No novo disco, Luiz Bonfá, Paulinho da Viola, Marku Ribas e o próprio Nogueira comparecem - via sampler.

A economia sonora de À Procura... contrasta com a exuberância instrumental do último trabalho de estúdio de D2 com o PH, A Invasão do Sagaz Homem Fumaça ouvir 30s. "Quando terminamos de fazer A Invasão, a gente parou e pensou: pô, depois do que fizemos aqui, não dá para misturar ainda mais o som! Não tem como continuar daqui", lembra D2. A guinada para um som mais simples, direto, gerou o álbum MTV ao Vivo ouvir 30s e também acabou orientando o método de trabalho de Marcelo para o disco solo. "Menos acaba virando mais, no fim das contas. O núcleo do disco é sempre eu e um DJ, só a voz, samples e programações. Os outros elementos vão surgindo de acordo com a necessidade de cada música. Se em determinada música ficaria legal um piano, vamos chamar um pianista. Naquela outra caberia um seção de bateria de escola de samba... Se você se mantém com uma estrutura básica simples, fica melhor pra você experimentar, buscar novas coisas", diz Marcelo.

Convidados especiais, como João Donato, o rapper americano Will I.A.M, o baterista Dom Um Romão e o tecladista Lafaiete se enquadram nas citadas necessidades do disco. Donato toca piano, a exemplo do que fizera em Eu Tiro É Onda. "Ele acabou virando colega mesmo. A gente se esbarra sempre, vive se encontrando, tocando e cantando um com o outro", diz D2. Outro convidado muito especial é o filho de Marcelo, Stephan, de 11 anos, que canta com o pai em "Loadeando". "Chamei-o pra cantar comigo, mais de onda - nem achei que ele iria topar, mas topou. Achei que ele fosse amarelar (risos). Mas na hora fizemos todo um esquema para que ele se sentisse à vontade. Ele fez com atitude, e ficou bacana", fala o rapper.

Marcelo pretende que todos os convidados possam comparecer à noite de lançamento oficial do disco, em julho, no Canecão (RJ). "Estamos ensaiando eu, o Primo, um DJ muito bom lá de Curitiba, e o Mário e o Maurinho - dois caras que já tocaram com o Planet, e que vão fazer a base harmônica do show, vão se revezar no baixo, guitarra e teclados. E ainda vai ter dois percussionistas ao vivo", fala D2 sobre os preparativos para transpor o disco para o palco. Uma turnê brasileira pode ser a plataforma para um salto rumo ao exterior, mais especificamente o mercado europeu. "Quando eu estava gravando o disco essa possibilidade passou pela minha cabeça", afirma D2 sobre o potencial de atração que seus beats brasileiríssimos podem ter sobre o Velho Mundo. "Já estou considerando algumas propostas de gravadoras lá de fora e existem convites para shows em vários países. Na Europa, que tem toda uma tradição de valorizar o samba, e que gosta dessas misturas com sons eletrônicas, o disco tem chance de emplacar."

Diante disso tudo, o Planet Hemp tomou um lugar secundário na vida de Marcelo D2, pelo menos neste momento. "Sempre me senti como parte da banda. Só que esse sentimento nunca foi a coisa mais importante da minha vida, apesar de eu ter o maior o carinho e trabalhar como todo mundo para que o grupo siga firme", fala o vocalista. A banda está curtindo merecidas férias - que devem durar um ano - depois de uma estafante turnê que se estendeu por quase dois anos. "A excursão do MTV ao Vivo só acabou há três semanas", diz D2, "e o combinado era de entrarmos em férias assim que acabasse. Há um plano de começarmos a gravar o próximo disco em dezembro, mas acho que não vai rolar... precisamos de descanso."