Samba-enredo, pra que te quero!

Mangueira, Portela, Salgueiro, Imperatriz, Mocidade, Beija-Flor e Vila Isabel são enfocadas em CDs com os seus sambas dos últimos 15 carnavais

Rodrigo Faour
24/01/2001
Essa é para os foliões de carteirinha. A BMG está lançando sete CDs com os sambas-enredo produzidos nos últimos 15 anos por sete das escolas de samba mais tradicionais do Rio de Janeiro: Mangueira, Portela, Salgueiro, Imperatriz Leopoldinense, Mocidade Independente de Padre Miguel, Beija-Flor e Unidos de Vila Isabel. À exceção do CD do Salgueiro - único a incluir o samba-enredo do carnaval de 2000 - as seleções trazem os temas musicais dos desfiles de 1986 a 1999. Infelizmente, esse foi o período dos sambas mais fracos produzidos pelas escolas, já que o comercialismo excessivo começou a imperar.

A diminuição do limite de tempo do desfile de cada agremiação motivou a produção de músicas cada vez mais aceleradas e o próprio gênero começou a tender para o esgotamento, com excesso de clichês melódicos e poéticos. Mesmo assim, sempre há três ou quatro sambas interessantes na maioria dos discos. Entretanto, os aficionados por qualquer uma das sete escolas vão adorar o pacote, pois seguramente esses 14 sambas trarão recordações afetivas aos que foram à avenida, seja para desfilar ou apenas para assistir animadíssimos à sua escola favorita. Já o ouvinte comum não resistirá a tentação de pegar no controle remoto para pular várias faixas. Segue a análise individual dos CDs:

Mangueira ouvir 30s - Esse CD é disparado o melhor, pois traz pelo menos seis sambas bastante populares. Três deles são do final dos anos 80: Caymmi Mostra ao Mundo o que a Bahia e a Mangueira Têm ("Tem xinxim e acarajé/ Tamborim e samba no pé"), do carnaval de 86; 100 Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão ("O negro samba, o negro joga capoeira/ Ele é o rei no verde-e-rosa da Mangueira"), de 88; e Trinca de Reis, de 89, que apesar do infeliz enredo que levou a Escola ao 11º lugar, é um bom samba, de cujo refrão todo mundo se lembra: "Vai na roleta ou no bacará/ Vamos jogar Ioiô, vamos jogar Iaiá".

Nos anos 90, a Mangueira fez novos bons carnavais-tributo, ao som de bons (e populares) sambas, como os que homenagearam Tom Jobim, Se Todos Fossem Iguais a Você ("É carnaval, é a doce ilusão, é promessa de vida no seu coração"), em 92; os Doces Bárbaros, Gal, Bethânia, Caetano e Gil, com Atrás da Verde e Rosa Só Não Vai Quem já Morreu ("Me leva que eu vou/ Sonho meu..."), em 94; e Chico Buarque Da Mangueira ("É o Chico das artes/O gênio/ Poeta Buarque, boêmio..."), em 98.

Imperatriz ouvir 30s - Nos últimos 15 anos, a Imperatriz foi a escola que mais ganhou carnavais: cinco, ao todo. Seus sambas nunca foram tão populares quanto os da Mangueira. O único que é lembrado até hoje é o de 1989, que até Simone regravou: Liberdade! Liberdade! Abra as Asas Sobre Nós (E que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz), sobre o centenário da República. Mesmo assim, são bem feitos os sambas do carnaval de 87 (Estrela Dalva, homenagem a Dalva de Oliveira, que diz: "Zum zum zum zum/ A bateria/ Zum zum zum zum é harmonia/ Hoje é dia de festa/ Hoje é dia de folia". Uma letra pobre de informações sobre a artista, mas musicalmente eficiente) e de 88 (Conta Outra que Essa Foi Boa, feito sob o tema da nova Constituinte: "Eu quero é poder ser marajá/ Gozar a vida pra vida não vir me gozar". Entretanto, o desfile não emplacou. Foi nesse ano que a Escola alcançou a pior colocação dos últimos 30 anos: 14º lugar).

Nos anos 90, salvam-se os sambas de 93 (Catarina de Médicis na Corte dos Tupinambós e Tabajeres, que diz: "Sou índio, sou forte/ Sou filho da sorte, sou natural/ Sou guerreiro sou a luz da liberdade/ Carnaval") e de 97 (Eu Sou da Lira, Não Posso Negar, homenagem a Chiquinha Gonzaga: "Piano me diz quem é a pioneira/ A maxixeira/ Rosa de Ouro nunca foi de brincadeira"). Também dá para ouvir o recente Brasil, Mostra a Sua Cara... "Theatrum Rerum naturalium Brasiliae", campeão do carnaval 99.

Mocidade ouvir 30s - Depois da Imperatriz, a Mocidade foi a escola mais bem-sucedida, ao lado da Mangueira. Produziu também alguns sambas populares, como Bruxarias e Histórias do Arco da Velha ("Pode rogar praga em minha sorte/ Meu santo é forte Ninguém vai me derrubar"), do carnaval de 86; Vira, Virou, A Mocidade Chegou ("Virando nas viradas dessa vida/ Um elo, uma canção de amor"), campeão do carnaval de 90; e Sonhar Não Custa Nada! Ou Quase Nada... ("Estrela de luz que me conduz/ Estrela que me faz sonhar (...) Delírio sensual/ Arco-íris de prazer/ Amor, eu vou te anoitecer"), segundo lugar no Carnaval de 92. Também se destacam os sambas Elis: Um Trem Chamado Emoção (89) e Chuê... Chuá... As Águas Vão Rolar (campeão do carnaval de 91).

Salgueiro ouvir 30s - Este CD é o único que apresenta apenas 13 faixas e que traz um (fraco) samba-enredo do ano passado. A única música mais conhecida da escola entre 1987 e 2000 é o campeão do carnaval de 93, Peguei um Ita no Norte ("Explode coração na maior felicidade/ É lindo o meu Salgueiro contagiando, sacudindo essa cidade"). Os demais são apenas medianos, destacando-se Templo Negro em Tempo de Consciência Negra ("Êh baianas/ O jongo e o caxambu vamos jogar... o centenário não se apagará"), de 89; Rio de Lá pra Cá ("Balança, oi balança, chegou a hora do Salgueiro sacudir/ Deixar essa cidade louca/ Com água na boca/ na Sapucaí), vice-campeão de 94; Um Caso por Acaso ("Oi me leva que eu também vou/ A festa vai começar/ Vou me acabar..."), de 95; e Parintins, a Ilha do Boi-Bumbá - Garantido e Caprichoso ("Eu sou um índio e só sei amar/ Uso arco e flecha, na cabeça um cocar"), de 98.

Portela ouvir 30s - Apesar de ser uma das escolas mais tradicionais do carnaval, a Portela anda num inferno astral danado. Não ganhou nenhum carnaval nos últimos 15 anos e seus sambas têm estado, em geral, bem ruins. Mesmo assim, os mais aficionados vão gostar de Morfeu no Carnaval, a Utopia Brasileira ("No país da bola, só deita e rola"), de 86; Lenda Carioca, Os Sonhos de Vice-Rei, de 88; Tributo à Vaidade ("Olha eu aí/ Cheguei agora/ Cheguei pra levantar o seu astral/ Posso perder, posso ganhar, isso é normal/ 21 vezes campeã do Carnaval"), de 91; Quando o Samba Era Samba ("Capoeira/ O samba vai levantar poeira"), de 94; e Gosto que Me Enrosco, que deu um raro segundo lugar à escola em 95, com enredo sobre o Rio antigo ("Abram alas/ Deixa a Portela passar/ É voz que não se cala/ É canto de alegria no ar"). É só.

Beija-Flor ouvir 30s- A Beija-Flor notabilizou-se por seu luxo e pelas idéias criativas da época em que Joãosinho Trinta foi seu carnavalesco. Os sambas, no entanto, vêm deixando um pouco a desejar. Os cinco mais interessantes são: Sou Negro, do Egito à Liberdade (88), sobre o centenário da abolição dos escravos; Ratos e Urubus... Larguem Minha Fantasia ("Deixem-me mostrar meu carnaval"), antológico enredo de 89; Todo Mundo Nasceu Nu (segundo lugar no carnaval de 90), de interessante crítica popular ("Bota fogo no rabo de quem nada faz/ Eu sou povo, me acabo e não agüento mais") e Alice no Brasil das Maravilhas (91), que trouxe o bom verso: "Quem sou eu, quem eu sou/ As miragens no espelho que o poeta imaginou". Finalmente, ainda há Bidu Sayão e o Canto de Cristal (95), uma justa homenagem à então nonagenária Bidu, grande soprano brasileiro. "Nesse palco surge ela, Bidu Sayão/ Sacudindo a passarela, quanta emoção/ E a minha Beija-Flor vem aplaudir/ Bachianas e O Guarani".

Vila Isabel ouvir 30s - A Vila Isabel ganhou apenas uma vez o campeonato desde sua fundação, em 1946. Foi em 88, ano de seu melhor samba-enredo, Kizomba, A Festa da Raça ("Valeu Zumbi!"), regravada no ano passado por Cauby Peixoto em duo com um de seus autores, Luiz Carlos da Vila. Os outros sambas são muito fracos. Ainda assim, destacam-se: De Alegria Cantei, De Alegria Pulei, De Três em Três pelo Mundo Rodei ("Onanaê o quê/ Onanaê ocá/ Axé pra quem brincar", 86), Direito é Direito ("Clareou, despertou o amor que é fonte da vida/ Vamos dar as mãos e lutar sempre de cabeça erguida", 89) e João Pessoa, Onde o Sol Brilha Mais Cedo (Carnaval de 99), com direito a introdução em ritmo de forró. Esse CD e o da Portela são os mais fracos do pacote.